Filhos das drogas: bebês são as pequenas vítimas da dependência química
A síndrome de abstinência neonatal assola o comportamento e a saúde de quem acabou de nascer
A tormenta das drogas, essa que faz adultos perambularem em farrapos pelas ruas da cidade, não poupa nem quem acaba de nascer. Os recém-nascidos trazem na pele ressecada, no choro inconsolável, na agitação noturna e em quadros graves de saúde as marcas da dependência química, que nestes casos, passam de mãe para filho. A chamada síndrome de abstinência neonatal.
“A droga usada pela mãe passa para o bebê através da placenta e pode causar mal formações, convulsões e outras complicações com sequelas permanentes”, diz o médico Alberto Cubel, coordenador da linha materno infantil do HRMS (Hospital Regional), em Campo Grande.
Atualmente, a unidade atende a três gestantes dependentes químicas. “Temos aqui no Hospital Regional um percentual alto de mães usuárias de drogas”, afirma o pediatra.
Após o nascimento, a criança é acompanhada na unidade neonatal, onde a equipe médica adota o escore de Finnegan, para avaliar as manifestações clínicas e indicar o melhor tratamento.
“Que vai do uso de anticonvulsivantes a até mesmo a morfina. Além disso, devem ser submetidos a alguns exames, entre eles ultrassom para avaliar o cérebro, ultrassom de abdômen, ecocardiograma e fundoscopia para analisar o aparelho ocular”, explica Cubel.
Infelizmente, nem sempre o quadro é reversível. “Pois além das mal formações intraútero, temos também aquelas causada pela falta de oxigênio durante a gestação. É um problema de saúde grave com consequências imprevisíveis e importantes, que muito preocupam os nossos neonatologistas”, diz o médico.
Na Maternidade Cândido Mariano, foram 11 casos atendidos de síndrome de abstinência neonatal no ano passado. A vida de incertezas dos recém-nascidos é acompanhada pela assistente social Taline Mara Ricardino Bronze da Cruz.
As pequenas vítimas das drogas têm a pele extremamente ressecada. “É uma pele seca, acinzentada. Não tem a delicadeza da pele de criança. O choro é bem forte, muito parecido com o cólica. Difícil de acalentar”, relata.
As noites e madrugadas agitadas dessas crianças no berçário têm relação com o horário em que as mães consumiam a droga. A dependência química da mãe também pode resultar em outro comportamento do bebê: a apatia.
“É uma sonolência fora do comum. Sabe que está vivo pela respiração. É diferente, por exemplo, de bebê que tem febre forte. Ele fica sonolento, mas mexe se você dá banho, se faz cosquinha no pé”, lembra Taline.

Da felicidade à tristeza – De todas as histórias que testemunhou, a assistente social só viu uma mulher conseguir concluir o tratamento de desintoxicação e obter a guarda da filha.
"Foi a única entre as tantas que passaram por nós. Sinto uma felicidade imensa de ver ela e a filha nas redes sociais. Elas estão se desenvolvendo bem e juntas ", conta Taline.
No entanto, as histórias que mais se repetem trazem a marca da tristeza. Como a da mulher que após a morte do marido entrou a fundo no consumo de pasta-base. Antes, a droga era maconha, mas com uso esporádico. Nas ruas, foram três gestações: em 2017, 2018 e 2019.
“Ela fala alemão, inglês, francês, é viajada. Mas vive em estado deplorável, extremamente magra. Algumas vezes, volta para saber do filho, chora. A gente tenta cuidar”, diz Taline, que acompanha a saga das mulheres e as crianças.
O setor de Assistência Social da maternidade procura a família da gestante, arruma a documentação para o registro da criança e comunica a situação à Justiça.