Vivendo em família a dor da covid-19, Adilson apela por respeito e consciência
Para ele, caos ainda não chegou ao ápice e risco é de situação ser como na Itália, com médicos escolhendo quem vive e quem morre

“Vamos chegar no momento em que os médicos vão ter que eleger quem vai viver e quem vai morrer”. A constatação é do empresário Adilson Bolognesi de Mello, 50 anos, internado com covid-19 e que ontem, perdeu a mãe e há uma semana, a ex-sogra, pela mesma doença.
Entre as diversas atividades que exerce, Adilson é dono de uma assessoria para concessão de cidadania italiana e em fevereiro deste ano, quando o Brasil enfrentava os primeiros casos do novo coronavírus, ele estava na Itália, na casa que a família mantém lá.
Ele afirma que descobriu a covid-19 na Itália e ainda lá, começou a fazer de tudo para não ser contaminado, desde limpeza constante das mãos e uso de álcool, mas principalmente, não sair de casa. “Me mantive em casa até vir embora, me cuidei muito”, contou.
Infelizmente, a doença alcançou a ele e sua família aqui mesmo em Campo Grande e não tem sido nenhum pouco piedosa. Sem saber exatamente como contraiu a doença, ele diz que é possível que ele tenha pegado da mãe, Pedrina Bolgenese de Mello, 79 anos, que morreu ontem, ou mesmo que ele a tenha infectado. “Difícil saber”, sustenta.
As hipóteses são inúmeras, desde que ela tenha sido contaminada durante tratamento de saúde em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ou hospital, ou mesmo que ela tenha contraido a doença dele, que pode ter se contaminado usando caixas eletrônicos ou no supermercado.
Entre ser internada e falecer de covid-19, Pedrina levou uma semana. Adilson conta que a primeira pista de que poderia ser o novo coronavírus foi uma manchinha no pulmão, que a levou à internação e tratamento para pneumonia.
“Ela não teve febre nem nenhum outro vestígio de covid-19”, comentou, lembrando apenas que ela estava “mentalmente debilitada”, não sabendo se era devido a queda ou se a covid-19 haveria afetado de alguma forma seu sistema motor. Pedrina faleceu ontem durante procedimento para ser entubada, para uso de respirador, quando sofreu parada cardíaca.
Já o filho ficou uma semana indo ao médico, desde 14 de julho, quando começaram os primeiros sintomas de dor de cabeça e de lá para cá, foi sendo monitorado por telefone e indo ao atendimento nos dias 18 e 20, quando então foi internado.
O fato que o levou à internação foi a perda do paladar, que é bem característica da doença. Falando sobre com o médico, por telefone, aparentou estar bem cansado e assim, o profissional de saúde o orientou a buscar atendimento.
“Ele me aconselhou a manter tratamento hospitalar antes que a doença se agravasse, porque como ele disse, a evolução é muito rápida e por mais que eu não estivesse com falta de ar, podia piorar a qualquer momento. Respeitei e fiquei internado”, afirmou.
Apesar do quadro ser estável, ele conta que já passou bem mal nessa uma semana de internação. Com oxigenação constante, ele relata que nesse período, em um dos dias que foi tomar banho, teve muita falta de ar. “Passei mal como nunca tinha passado na vida”.
Ele lembra que estava prestes a ser liberado, mas “a doença muda da noite pro dia” e ao passar mal, manteve o tratamento hospitalar. “O pulmão foi atingido em menos de 25%, mas parece que está tendo uma evolução, não sabemos ainda. Sei que foi um susto e tive que parar o banho e correr para colocar oxigênio”.
Adilson acredita, como apicultor, que também é, que o uso de mel, própolis e principalmente geleia real, que já usava antes de ser contaminado, ajudam na prevenção, já que aumentam a imunidade, “principalmente a geleia real, que é o alimento principal da abelha rainha”.
Segundo ele, que está bastante abatido, a doença chegou “com tudo” em sua casa, mesmo com todos os cuidados possíveis que foram tomados. Além dele e de sua mãe, a esposa de 43 anos, que já fez tratamento de câncer há cerca de três anos, também foi contaminada, além de uma das duas filhas. O pai do empresário, de 84 anos, está com suspeita, porque apresenta sintomas, mas ainda não há confirmação.
Surto familiar – É bem comum nos casos de covid-19 que, quando uma pessoa da família se contamina, outros membros, sejam da mesma casa ou que tenham contato constante, também se contaminem. Foi o que ocorreu na família de Adilson.
A questão é, como ele pondera, que seja de um jeito ou de outro, houve contaminação por “caridade”, ou seja, ele precisou acompanhar a mãe em tratamento depois que ela sofreu uma queda e bateu a cabeça, e por necessidade, se colocou em risco de que tanto ele quanto ela contraíssem a doença.
Ele lembra que logo que a pandemia começou, para se cuidar, Pedrina parou de visitar filhos e netos, o que fazia com frequência, pegando ônibus para cima e para baixo. “Acho que isso a abalou um pouco emocionalmente também”.
No entanto, enfatiza que, vivendo na pele a dor da covid-19, sabe que há muita irresponsabilidade e que grande maioria das pessoas e dos brasileiros levam a doença sem a seriedade que deveriam e acabam sendo contaminados por não abrirem mão de atividades que ele classifica como “fúteis”.
“O que vemos são os bares lotados, as pessoas indo na academia quando este era o momento de aproveitar uma grande oportunidade de fazer exercício em casa. Tem atletas de alta performance treinando em casa e algumas pessoas não abrem mão da academia”, lamenta.
O alerta das autoridades em saúde sobre isso é constante, tanto que além do pedido – quase súplica diária nas lives da SES (Secretaria de Estado de Saúde) – quanto ao isolamento, há também as evidências de que as reuniões e festas em família são grandes propagadores da doença e os surtos familiares são a grande maioria dos casos. A limitação do contato, mesmo entre a parentela mais próxima, é necessária para evitar danos maiores.
De acordo com o empresário, é preciso que as pessoas entendam que a movimentação deve ser apenas a estritamente necessária, porque qualquer atividade a mais, pode ser arriscada.
“Estamos numa pandemia, ela é real e as pessoas não estão levando a sério. Quero tentar sensibilizar as pessoas. Nós, que nos cuidamos, usamos máscara direto, pedimos frutas para entregar em casa, temos uma rotina criteriosa e mesmo assim acontece. A doença não poupa”, evidencia.
Sobre a ex-sogra, Sandra Mara de Oliveira, 64 anos, que faleceu há uma semana, o empresário afirma que não sabe detalhes do caso, mas se entristece principalmente por suas filhas, que estão muito abaladas com a perda das duas avós em tão pouco tempo e ainda, sofrendo com o risco do pai ter o quadro agravado.
Desrespeito – Adilson sustenta que quem não se cuida, desrespeita aos outros e a si próprio e apela para que “as pessoas levem a sério a gravidade dessa doença, porque quando vi a covid na Itália, eu pensei que esse “troço” vai chegar como um tsunami no Brasil”.
Para ele, “aqui, estamos acostumados com as desgraças e estão se acostumando com a covid. Não se cuidar para poder continuar fazendo coisas supérfluas é um desrespeito consigo mesmo e com os outros”.
O empresário sustenta ainda que “é preciso ter consciência, que as pessoas se apeguem mais a Deus e dêem valor a Deus, ao invés de correrem atrás de coisas fúteis. Acho que quando você está aqui (internado), parece que você se aproxima dEle e começa a ir em busca mais forte atrás de Deus. Quero evangelizar, ser uma palavra, uma luz na vida das pessoas, não religião, mas preciso fazer a minha parte”.
Em seu relato, ele aponta também que é tudo tão triste nessa doença, que “é tão desapontador não poder se despedir, tocar pela última vez no seu familiar, é muito triste. Meu pai, que não pôde se despedir da sua companheira de 60 anos. As pessoas precisam se conscientizar”.
Profissionais de saúde – Em todo seu testemunho, Adilson ainda acha lugar para lembrar daqueles que, segundo ele, têm sido incansáveis. Vendo a atuação diária de médicos, enfermeiros, técnicos e demais trabalhadores da área, ele também apela para que a população fique em casa.
“Não deixe pros médicos cuidarem da sua irresponsabilidade, Eu estou aqui acompanhando. Tem médico que abdicou da sua vida e se desespera em pensar que pode pegar a doença, porque não pode desfalcar o hospital, vai fazer muita falta nos atendimentos. Está o caos. Mesmo num hospital rico como esse da Unimed vemos esse desespero, imagina nos públicos. Os profissionais estão todos cansados e infelizmente, isso é só o começo, não é 1% do que está por vir ainda”, lamenta.
Seguindo o exemplo do que viu na Itália, Adilson afirma que a tendência é mesmo das coisas piorarem, por isso a súplica por “consciência” coletiva. “As coisas vão ficar precárias, porque não tem estrutura física para atender todo mundo. Os médicos estão se desdobrando, se virando, se doando... Imagina expor um medico a essa exaustão. E ainda fazem isso com todo amor, sem poder errar. Os hospitais estão abarrotados e eles estão cansados e merecem respeito”.
“Se a população não tomar cuidado, isso vai ter séria repercussão, porque a doença não brinca, vai matar muita gente e vai chegar no tempo que os médicos vão ter que tomar a decisão de quem vai usar aparelhos (respirador) e quem não vai. Se houver necessidade, terão que eleger quem vai viver e quem vai morrer. Na Itália não tinha aparelho para todos e teve sortear quem ia dar continuidade ao tratamento. É preciso consciência”, sentencia.