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Interior

"Mãe, estou com medo da polícia", diz filho de mulher agredida por tenente em MS

Mais de 1 ano após crime, que teve condenação nesta semana, mãe relata que ainda tem traumas da violência

Guilherme Correia | 27/10/2021 10:59
André Luiz Leonel Andréa foi flagrado agredindo a chutes e socos uma mulher algemada em delegacia de Bonito; a foto é de uma entrevista salva na página oficial da Prefeitura de Bodoquena. (Foto: Reprodução)
André Luiz Leonel Andréa foi flagrado agredindo a chutes e socos uma mulher algemada em delegacia de Bonito; a foto é de uma entrevista salva na página oficial da Prefeitura de Bodoquena. (Foto: Reprodução)

Há pouco mais de um ano, o então tenente da Polícia Militar, André Luiz Leonel Andréa, agrediu com socos e pontapés uma mulher desarmada e algemada. A ação foi registrada por meio de vídeos de câmera de segurança, que só se tornaram públicos depois de dois meses.

A vítima tinha ido à delegacia após uma discussão em um restaurante em Bonito, a 297 quilômetros de Campo Grande, depois de solicitar um prato específico à filha, que tem deficiência.

Nesta semana, André foi condenado pela Vara de Auditoria Militar, do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), pela agressão. No entanto, a pena de um ano, cinco meses e 10 dias de detenção, passível de ser cumprida em regime aberto, pode ter soado branda para algumas pessoas. Mas para a vítima, de 45 anos, a punição ao menos serviu para corroborar quem estava errado na história.

Ela relata ao Campo Grande News, nesta quarta-feira (27), dia seguinte à decisão, que sequer teve coragem de ler a íntegra da sentença, mas que foi informada pelo próprio jornal sobre a punição. “É um estado emocional muito elevado. Isso me dói ainda, me machuca. É como se eu tivesse sentindo os socos e pontapés que eu levei dele”.

Familiares, amigos e muitas pessoas que se compadecem com a situação dela aguardavam pela condenação. Mesmo achando que foi pouco tempo, ela diz que já esperava por essa punição, mas que o fato dele ter sido condenado já foi o suficiente para ela. “O juiz entendeu o que se passou. Fiquei feliz por isso, de uma forma ou de outra, ele acatou a sentença favorável a minha pessoa, a minha família. Não foi só eu que passei por isso, foram os meus filhos”.

À época, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul considerou que as imagens revelavam “descontrole e despreparo” na atuação do policial.

A vítima, de 45 anos, quando levou o caso para a Corregedoria da Polícia Militar, no ano passado. (Foto: Silas Lima/Arquivo Campo Grande News)
A vítima, de 45 anos, quando levou o caso para a Corregedoria da Polícia Militar, no ano passado. (Foto: Silas Lima/Arquivo Campo Grande News)

Dor da violência - De acordo com a lei, as forças de segurança pública têm, por obrigação, o dever de "respeitar a dignidade da pessoa humana". A vítima relata que, desde que foi agredida pelo então tenente, teve sua saúde mental afetada, mas também a dos filhos. “Passei por um quadro depressivo e passo ainda. Várias vezes fiquei internada”, completa.

“É muito difícil para uma pessoa de bem, passar o que eu passei. Eu tenho uma luta diária com uma criança especial [...] foi muito difícil trabalhar com a mente de uma criança, ver ele sofrendo, eu sofrendo, minhas outras filhas sofrendo”.

Eu acordava de noite e meu filho de seis anos falava: ‘mãe, cuidado, a polícia passou por aqui', quando ouvia uma sirene, por exemplo. ‘Mãe, eu tô com medo, lá vem a polícia'”, relata.

A empresária diz que se sentia envergonhada ao sair de casa, por entender que muitos sabiam que ela tinha sofrido aquela violência. “Confesso que esses mais de 365 dias foram muito difíceis. Foi muito vergonhoso. Confesso para você que, se não fosse a pandemia, eu não ia saber onde ia meter a minha cara. Foram assim os meus dias e estão sendo assim”.

Ela ainda explica que procurou ajuda psicológica, para tentar lidar com o trauma e que teve apoio da família. “Graças a Deus, tive apoio da minha família, dos meus filhos e do meu esposo. [Eles] se empenharam no tratamento da minha filha, por mais que eu ficasse em casa escondida, não querendo sair para nada, com medo, sem nenhum prazer de ir”.

“Ainda estou tentando digerir, com a ajuda dos profissionais de saúde que estão cuidando do meu interior, da minha mente, da minha vida. Por que ele literalmente acabou com meu psicológico, acabou com meus sonhos. Acabou com muita coisa, que ele não tem noção do que ele fez”.

O caso - Ainda que, à época, a Polícia Militar tenha emitido uma nota condenando atitudes tomadas pela vítima, antes dela ir à delegacia, o vídeo gravado por câmeras de segurança exibe com "nitidez", segundo o TJMS, a ação truculenta. As imagens revelam várias agressões sofridas pela mulher algemada.

O governador, Reinaldo Azambuja (PSDB), chegou a determinar o afastamento do servidor, também sugerido pela OAB (Ordem dos Advogados Brasileiros), por avaliar que são "inadmissíveis a violência extrema e a conduta empregada na ação policial nestes casos", documentados em vídeo. Antes disso, ele tinha sido transferido do interior para a Capital.

A vítima falou com o Campo Grande News, quando o caso veio à tona, e disse à época que muitos tinham medo do tenente, o que poderia provocar uma morosidade no processo. Ele também teve participação em outro vídeo, que mostrava agressões a um jovem em Bodoquena.

Não apenas isso, outra comerciante relatou caso de abuso de autoridade e violência, por parte do mesmo militar. Em novembro do ano passado, ele respondia por pelo menos duas denúncias de abuso na Corregedoria.

Outro policial militar envolvido, Oswaldo Silvério da Silva Júnior, também foi condenado a sete meses de detenção, em regime aberto, por prevaricação. A justificava era de que ele não tinha cumprido com suas obrigações, ao permitir que a violência acontecesse e que não tivesse denunciado tal prática. No entanto, o vídeo também indica que outros militares observaram o ato.

Vale lembrar que a decisão da Justiça ainda cabe recurso, para os dois lados envolvidos. Desta forma, a defesa do militar alega que "NÃO há elementos suficientes que demonstrem sem sombra de dúvidas que o apelante tenha efetivamente cometido o crime pelo qual se encontra condenado".

Já a defesa da mulher entende que a punição decretada não foi suficiente. "Jamais poderia ser considerada como 'levíssima' uma conduta de um agente policial armado agredir cruelmente uma senhora presa e algemada no interior de um Batalhão de Polícia Militar”. Além disso, o acusado teria demonstrado “atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime”.

Segundo o próprio juiz que proferiu a decisão, “ainda, em seu interrogatório judicial [...], foi possível perceber que o réu não demonstrou o menor arrependimento por sua prática criminosa cruel e covarde”.

Os policiais, neste caso, só poderão ser considerados culpados quando a ação, impetrada pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), transitar em julgado. A ação movida pelo TJMS não fala em exoneração do agente público do cargo. Procurada, a Polícia Militar não se posicionou sobre o caso, até o momento de publicação desta reportagem.

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