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Cidades

Velhas amigas levam decepção e esperança às urnas

Redação | 05/10/2008 11:51

A representante comercial aposentada, Miriam Martinelli, de 71 anos, vota pela última vez nesta eleição. "Não acredito em políticos, não acho que estejam trabalhando para as mudanças que precisamos no país e acho que já dei minha contribuição até aqui", diz.

A porto-alegrense veio para Campo Grande quando "o lugar era um mato só", há mais de vinte anos, e ficou até hoje, "dizem que quem bebe da água daqui não sai mais, acho que foi isso".

Desde então, Miriam só tem se decepcionado com os políticos. "Durante todo o período que decorreu do processo de abertura tenho colecionado decepções. Lutamos tanto pelo direito de escolher nossos governantes e depois temos que enfrentar esses sujeitos, uns piores do que os outros, voltados para si mesmos, governam para comprar fazendas, para abrirem contas secretas em outros países".

Apesar do pessimismo, desta vez Miriam ainda foi convencida a votar por sua melhor amiga, Mary Albernaz, de 71 anos. A professora aposentada, que coleciona publicações sobre Che Guevara, já foi detida pela polícia durante a ditadura, suspensa do trabalho por incitar os alunos a cantar Geraldo Vandré após o hino nacional, é uma otimista.

Enquanto serve um café para a Miriam, que veio buscá-la para irem até suas seções, Mary já não tem habilitação, a professora explica porque insiste em votar, apesar de compartilhar com Miriam muito da descrença nos políticos.

"Claro que vamos votar, e faremos isso até os cem anos, nós duas. Ela diz não e eu digo sim. Porque somos diferentes em tudo, só combinamos em questão de sapatos, mas é isso que nos faz tão amigas", diz Mary.

A professora, que que começou a dar aulas em 1955, sofreu com o "sobe e desce", durante o período em que UDN e PSD disputavam o poder na região, acredita que as coisas estão melhores.

"Sofremos muito para chegar até aqui, existiam coronéis mesmo, gente que dizia para professores votem em fulano e fiscalizavam as urnas. As pessoas por esse interior, eu lecionei em Jaraguari e Bandeirantes, não tinham nem rádio, a pouca comunicação que existia estava em Campo Grande, e não era muito mais do que a 'Hora do Brasil'. Então não há como não acreditar que as coisas melhoraram, as pessoas estão mais informadas", diz Mary.

Falta conteúdo - Miriam concorda que situação melhorou, mas reclama da política ter se convertido em uma escolha pragmática do "menos ruim". "Houve avanços sim. Mas a classe política brasileira não está a altura desses avanços. Acabamos tendo que escolher candidatos do rouba mas faz, ou candidatos que fazem o mínimo obrigatório para garantir o que são direitos do cidadão e por isso são alçados à estatura de candidatos invencíveis".

Mary lamenta pelo que chama de falta de conteúdo ideológico entre os candidatos. "Temos candidatos que tentam defender ideologias que se aproximam das conquistas pelos direitos humanos e pela construção de uma cidadania verdadeira, mas esses às vezes são os mais despreparados, têm um ideal, mas não sabem como lidar com ele. De outro lado, temos candidatos voltados a um pragmatismo que funciona, fazem obras, asfalto, e acabam conquistando votos por isso, só é uma pena que nossa política seja nivelada assim tão baixo".

Seguindo em frente - Debaixo de chuva, Mary e Miriam entram no velho Chevette e seguem para os locais onde irão votar. Diante do muro pintado com o rosto de Che, Mary conclui a explicação de porque insiste em votar mesmo apesar da descrença compartilhada com Miriam nos políticos.

"Foi o que conseguimos até aqui, construímos um processo democrático para escolher nossos governantes, e não foi nada fácil. Vamos continuar insistindo, votando errado, acertando algumas vezes, até que esses nossos políticos tomem tento. Eu ainda vou lutar mais vinte anos por isso, será a vez de uma nova geração, nossos netos, e ela vai comigo". Diz sobre Miriam, que nega: "não vou mesmo, para mim chega, essa é a última vez".

"Ela disse isso nas eleições passadas. Vamos continuar sim. Eu já tirei sutiã em ônibus para desafiar militares, enfrentei muita coisa para estar aqui hoje, e não vamos entregar o jogo", diz Mary.

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