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Em Pauta

Inundações que devastam. Entre árvores e cimento

Mário Sérgio Lorenzetto | 26/12/2016 07:08
 Inundações que devastam. Entre árvores e cimento

Desde os anos 60 do século passado, as inundações tornaram-se um drama anual para o campo-grandense. Devastam as ruas e nossa economia. Ninguém fez as contas de quanto gastamos para resolver o grave problema das inundações de nossos 33 veios de água. Certamente ultrapassarão a casa do um bilhão de reais. Mas, como surgiram, o que ocasionou essas enchentes? Essa deveria ter sido a primeira indagação para solucionar o problema ou, pelo menos, minimizá-lo. Nunca foi feita.

Vivemos de "chutometria", travestida de cientificismo de meia dúzia de "experts" engenheiros durante décadas. Todos à serviço ou parceiros de empreiteiras. Não apresentam nenhum estudo sobre as causas das enchentes. Dão como fato consumado a utilização de cimento para resolver a crise que se eterniza. Nada mais obsoleto e equivocado. Ou será "nada mais interessante" para eles?

 Inundações que devastam. Entre árvores e cimento

A causa das enchentes está na falta de árvores

Desde os anos iniciais do 1800 a humanidade começou a tomar conhecimento da relação entre desmatamento e inundações. Campo Grande começou a derrubar as matas que margeavam seus veios de água com a chegada das primeiras famílias vindas do interior mineiro e paulista. Derrubavam árvores para "limpar" o terreno.

Com o desaparecimento da submata - musgo, vegetação rasteira, matagal e sistema de raízes - os solos ficaram expostos ao sol e tornaram-se incapazes de reter água. A aridez dessas terras que estavam nas cercanias de nossos córregos e riachos aumentou simultaneamente ao desmatamento. Tornaram-se solos secos e improdutivos. Nossos primeiros colonos haviam "imprudentemente" destruído essas matas. À medida que os solos ficavam esgotados, deslocavam-se para outros cantos e recantos de Campo Grande, ao longo de um rastro de destruição.

Com o passar das décadas e o gradativo aumento da população, o número de árvores derrubadas aumentou nas redondezas dos cursos de água. Derrubadas as árvores, as águas da pesadas chuvas começaram a revolver e arrastar o solo para dentro dos córregos. Tudo isso estava estreitamente conectado. No passado, as matas protegiam e resguardavam o solo do sol e, portanto, diminuíam a evaporação da umidade. Antes, as chuvas não eram torrenciais. Passaram a devastar.

 Inundações que devastam. Entre árvores e cimento

Quando a madeira era o petróleo

Durante longas décadas, a madeira era o petróleo em Campo Grande. Qualquer escassez de madeira criava ansiedades com relação a combustível, manufatura e transporte, semelhantes à comoção que as ameaças à produção de petróleo geram atualmente. Nossas primeiras indústrias estão ligadas ao corte e aproveitamento da madeira. Leiam os primeiros jornais de Campo Grande para entenderem o "orgulho" da cidade receber uma máquina que aproveitaria mais árvores derrubadas em uma das serrarias. A escassez de madeira originava crises. Enganam-se aqueles que acreditam que nossa primeira grande produção foi de vacas. Na madeira está a resposta. Há uma declaração, sem autor, em um desses jornais que é bombástica: "é melhor ficarmos sem ouro e dinheiro do que sem madeira". Quase tudo era de madeira. Casas eram de madeira. Cercas eram feitas com madeira. Pontes de madeira. Os meios de transporte, carroças e charretes, eram de madeira. Até nas calçadas empregavam-se madeira. Mas, o terrível era ficar sem madeira à noite. A luz era proveniente da queima de madeira.

 Inundações que devastam. Entre árvores e cimento

O debate da natureza é de 1800

O homem sempre desejou se assenhorar e destruir a natureza. Aristóteles escreveu que "a natureza fez todas as coisas especificamente para o homem". O grande botânico Carl Lineu, mais de 2 mil anos depois, ainda ecoava o mesmo sentimento, quando em 1749, insistiu que "todas as coisas são feitas para o homem". Francis Bacon declarou que "o mundo é feito para o homem", ao passo que René Descartes argumentou que os animais eram efetivamente autômatos e que os humanos eram "os senhores e possuidores da natureza". As matas, florestas e selvas tinham de ser "conquistadas", sinônimo de "destruídas".

No início de 1800, o alemão Alexander von Humboldt demoliu essas ideias. Alertou que a humanidade precisava compreender como as forças da natureza funcionavam, como os diferentes fios da natureza estavam todos interligados. Os seres humanos não poderiam simplesmente alterar o mundo natural a seu bel-prazer e para proveito próprio. A humanidade tem o poder de destruir o meio ambiente, e as consequências são trágicas.

Não se pode negar a existência do cimento como artefato importante, especialmente para a contenção da velocidade da água em época de enchentes. Todavia, a vida em nossos veios de água é bem mais importante. Só encaminharemos a questão das inundações com a devolução de plantas e animais a nossos córregos e cercanias. Além de solução correta, é muito, muito mais barata.

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