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Em Pauta

O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica

Mário Sérgio Lorenzetto | 25/07/2019 06:35
O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica

Miguel de Cervantes, em seu afã em parodiar novelas de cavalaria, utilizou elementos fantásticos no jogo narrativo de seu Quixote. Mesma ideia posteriormente afamada que criou personagens geniais do Macondo de Gabriel Garcia Marques. Um dos melhores personagens de Cervantes é a barbuda condessa Trifaldi. Ela aparece acompanhada por seu cortejo de damas barbudas e pede a D.Quixote que vá à ilha de Candaya. A questão dos pelos nas faces das mulheres é mais antiga do que muitos imaginam.

O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica

Brígida del Río, a barbuda mais famosa do mundo.

Na época de Cervantes não era tão assombrosa a presença de mulheres barbudas, sobretudo para as pessoas próximas à corte do rei. Assim testemunham um par de quadros encontrados no Museu do Prado, em Madri. Um deles, datado de 1590, titulado "Brígida del Río, a barbuda de Peñaranda", é obra de Juan Sánchez Cotán, tido como o melhor retratista de bares e tavernas. Brígida era célebre na corte dos Áustrias, nos finais do XVI. Prova de sua fama, há várias obras de literatura da época com passagens de sua vida.

O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica
O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica

Hirsutismo, a produção exagerada de andrógenos.

As mulheres com excesso de pelos nos rostos, sabemos hoje, são casos de hirsutismo, a produção exagerada de andrógenos que traz o desenvolvimento excessivo dos pelos no corpo devido a uma descompensação das glândulas supra-renais ou, em casos menos frequentes, uma infecção dos ovários. Mas na época de Cervantes, a medicina especulava com causas que pertencem ao gênero fantástico na literatura de Cervantes e de Garcia Marques.

O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica

"A mulher tem barba porque seu temperamento é mais frio".

O famoso cirurgião francês Ambroise Paré, em seu "Tratado des monstres et prodiges", de 1585, afirmava que a causa principal do pelo na face feminina é o temperamento mais frio que o do homem. Esse temperamento frio promoveria que os pelos não saíssem do interior do corpo, mas com o tempo mais quente, eles sairiam de onde deveriam estar atados. Seria engraçado se não fosse tão misógino. E Ambroise Paré não se cansa. Em umas linhas mais adiante aponta que nunca encontramos o exemplo de um homem que tenha virado mulher, devido ao fato de que a natureza sempre tende à perfeição. Sorte dele falecer em 1590....

O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica
O caso da mulher barbuda e a medicina fantástica

"Humores corporais" para explicar os pelos femininos.

A medicina fantástica de Paré não era a mais comum e aceita entre seus colegas médicos, apesar de sua fama. A explicação generalizada entre os médicos desse período era de que o hirsutismo seria causado pela "transmutação dos humores corporais". Esses humores poderiam ser mudados ainda no ventre materno ou poderiam transmutar, de forma espontânea, depois do nascimento. Explicando melhor a teoria dos humores: a teoria humoral - fantástica - tomou conta da medicina desde o século IV até o XVII. Isso mesmo, foram longos treze séculos vivendo com essa ideia maluca. A vida seria mantida por quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e negra. Seriam procedentes, respectivamente, do coração, sistema respiratório, fígado e baço. Cada humor teria diferentes qualidades: o sangue seria quente e úmido; a fleuma, seria fria e úmida; a bílis amarela, quente e seca; a bílis negra, fria e seca. Conforme o predomínio desses humores, cada indivíduo poderia ser: sanguíneo, fleumático, colérico ou melancólico. E onde encaixa a mulher barbuda nessa zorra humoral? Não se encaixa em lugar algum. Como até hoje....

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