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Em Pauta

Quando a mulher se fez culta na história

Mário Sérgio Lorenzetto | 21/05/2019 06:45
Quando a mulher se fez culta na história

Existiam cerca de duzentas e cinquenta prensas móveis na Europa quando espanhóis e portugueses pisavam as terras brasileiras. Até mesmo a grande maioria das pessoas alfabetizadas não tinha qualquer tipo de texto impresso, que dirá as 90% que não sabiam ler nem escrever. O Brasil foi colonizado por malfeitores... analfabetos. Mas era ainda mais difícil, a maior parte dos livros era impressa em latim e tratava sobre teologia, o que reduzia muito a popularidade dos impressos. O meio de comunicação mais popular e eficaz em 1.500 ainda era o púlpito e a praça do mercado, não a palavra imprensa.

Quando a mulher se fez culta na história

A língua de cada país fez a revolução dos livros.

O principal acontecimento que mudou essa situação foi a publicação da Bíblia na língua de cada país - língua vernácula. Simplesmente não havia nenhum outro livro que as pessoas sentissem tanta vontade de ler quanto a Bíblia. Começava uma era de grande ebulição. As pessoas queriam estudar as sagradas escrituras por conta própria, sem a intermediação de um padre. Elas também queriam entender a Bíblia em benefício de seus familiares e amigos, de modo que pudessem levar uma vida santificada. A Bíblia também era um eficaz livro de auto-ajuda.
Ao contrário do que muitos pensam, não foram as vantagens da tipografia em soma que fizeram a diferença. A revolução livresca se deu pela impressão em línguas locais. Aprender a ler em latim era quase impossível, pouquíssimos tinham acesso à "língua dos padres". Foi, pois, a combinação de três coisas que transformou a Europa em uma sociedade letrada: a prensa móvel, o uso da língua local e o significado espiritual da Bíblia.

Quando a mulher se fez culta na história

Avanços em todas as áreas do conhecimento.

Só os portugueses e russos foram ter suas Bíblias no século XVIII, duzentos anos depois de todos os demais. Mas a publicação massiva da Bíblia nas línguas dos vários países foi apenas a ponta do iceberg. Houve avanços descomunais na medicina, na astronomia, na botânica, na arquitetura, na geografia... Também foram transformadas a organização da justiça e das administrações municipais.

Quando a mulher se fez culta na história

A mudança da posição das mulheres.

Uma consequência pouco óbvia da expansão dos livros foi a mudança da posição das mulheres na sociedade. Até essa época eram raras as mulheres que sabiam ler e escrever. Se uma mulher soubesse escrever, sabia que a quase totalidade de seus leitores seriam homens e que, caso eles não gostassem do que lessem, poderiam silenciá-la facilmente. Bastava destruir seu manuscrito. A impressão em língua vernácula pôs fim nisso. Uma vez impresso, o livro não podia ser destruído.

Quando a mulher se fez culta na história

Mulheres inteligentes perceberam que podiam aprender com os livros.

Tão bem quanto os homens. Essa era a senha para as mulheres começarem a escrever em grande quantidade. E elas tinham um motivo especialmente para aprender a ler. Durante séculos, elas ouviram que eram jurídica, biológica e espiritualmente inferiores aos homens. A causa dessa "inferioridade" estava no fato de que Eva havia oferecido a maçã a Adão no Jardim do Éden. Agora que podiam aprender a ler sozinhas, podiam interpretar a Bíblia por conta própria e expressar seus pontos de vista sobre a desigualdade.

Quando a mulher se fez culta na história

Os primeiros livros de mulheres impressos.

Várias mulheres deram início à escrita impressa. Na Itália, Túlia de Aragona escreveu o diálogo "Sobre a infinidade do amor", em 1547. É incrível descobrir que Túlia já argumentava naquela época que não existia nada de moralmente errado no desejo sexual. Para a italiana, imoral era associar mulheres e relações sexuais ao pecado. Não entendo como não a jogaram na fogueira.
Gaspara Stampa escreveu uma série de comoventes poemas depois de ser abandonada pelo amante. As relações entre os sexos tornaram-se tema controverso na Itália. Os argumentos de escritores do sexo masculino insensíveis foram refutados por várias mulheres brilhantes. Lucrécia Marinella argumentou eloquentemente contra a misoginia. Moderata Fonte apresenta em seus escritos sete venezianas que afirmam que estariam melhor se continuassem solteiras.
Também na Inglaterra surgiram mulheres dispostas a exercer um novo papel na sociedade. Isabella Whitney foi a primeira. Jane Anger indagava em seu livro: "Terá sido alguém um dia alvo de tanta, agressão, difamação, insultos ou tratamento tão perverso e injusto quanto nós, mulheres?" Emília Lanier escreveu o "Defendendo Eva para a defesa das mulheres". Ela dizia que a culpa pela maçã era do Adão, pois Deus o fez mais forte. "Se ele falhou, porque só ela seria culpada?"
Tudo isso era apenas a crista de uma grande onda de escritos femininos. Logo em seguida, livros de auto-ajuda com preços acessíveis, escritos por mulheres para mulheres, estavam sendo impressos e reimpressos aos milhares.
O texto impresso em língua vernácula foi o agente desencadeador de uma nova relação entre as mulheres e o conhecimento. E, consequentemente, entre elas e os homens.

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