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Arquitetura

Da fábrica de colchão de capim à borracharia, esquina de 70 anos é histórica

Paula Maciulevicius | 22/01/2014 06:56
De mão em mão, borracharia tem 40 anos na mesma esquina. Avenida Mato Grosso com a 13 de Junho. (Fotos: Cleber Gellio)
De mão em mão, borracharia tem 40 anos na mesma esquina. Avenida Mato Grosso com a 13 de Junho. (Fotos: Cleber Gellio)

São 70 anos de história numa só esquina. Onde terminava a rua e dos lados só havia fazendas, é essa a primeira imagem que ‘seo’ Florenço Pereira Guedes, de 70 anos, tem do lugar. Nascido ali, na avenida Mato Grosso com a rua 13 de Junho, o cruzamento abrigou por anos a fábrica de colchão de capim da família até se tornar a borracharia, que hoje é uma das mais antigas da cidade, com 40 anos.

O nome que leva, poucos sabem, “Baiana”, é em homenagem as origens. O Pereira Guedes pai chegou aqui em 1939, da Bahia.

A estrutura é a mesma há quatro décadas, com a origem no galpão de madeira à lateral, onde funcionava a fábrica que até hoje tem a placa. “Está ali o nome, Baiana Colchão de Capim. Era do meu pai, depois fui eu”, narra Florenço. As marcas do tempo sumiram com as letras. O nome continua, mas só é lido pela memória de quem nasceu e a vida todo morou ali.

A origem da esquina está na lateral, o galpão de madeira onde funcionava a fábrica de colchões.
A origem da esquina está na lateral, o galpão de madeira onde funcionava a fábrica de colchões.

A borracharia foi parar nas mãos do dono da esquina há duas décadas, quando a fábrica fechou. Passou desde o início até a metade da existência sendo arrendada. “Era do Camilo, um japonês, eu que arrumei pra ele, aí passaram vários donos e depois ficou na minha mão”.

Da costura e da entrega dos colchões, para o manuseio dos pneus, seo Florenço parece ter nascido com a veia borracheira. “Mas você aprende de tudo na vida, não é mulher?”, ele responde quando pergunto se, de fato, sabia ser borracheiro.

Na região, só resta ela de cinco que existiam no mesmo pedaço. “Foi vendendo tudo, os terrenos, acabou que ficou só eu”. Durante este tempo todo de troca e extração de pregos, bisturis e até tampa traseira de Kombi dos pneus, ele só mexeu na cobertura para ampliar e no ano passado, quando uma das árvores quase centenárias despencou no comércio.

A chuva trouxe talvez o empurrãozinho que faltava e hoje ele diz que vai “modernizar” a borracharia até o final do ano. Começando pelo galpão da fábrica que deve virar um salão para alugar. “Mas os amigos não querem que eu derrube. Esse ano vou deixar ela moderna, porque tem vindo muita chuvarada. Vou calçar, fazer banheiro, mas deixa para o tempo seco”, descreve.

Funcionário Carlos e o dono Florenço. Ele brinca que o amigo só está à espera da morte dele, para herdar a borracharia.
Funcionário Carlos e o dono Florenço. Ele brinca que o amigo só está à espera da morte dele, para herdar a borracharia.

Aos domingos, os mesmos amigos que não querem ver as madeiras da extinta fábrica ao chão, se reúnem para tomar mate na borracharia. São homens já experientes, onde Florenço de 70 anos é o mais novo. “É tudo 80, 85, 86 anos” responde rindo.

Das borracharias da região, a Baiana é a remanescente que não deve deixar o posto de uma das mais antigas da cidade, visto que, não interessa a oferta, o dono não vende a esquina. “Rapaz, é inegociável, isso é da família Pereira Guedes e já tem dono, minha filha, se ela morrer, vem outro, meu irmão e assim vai ficando. É invendável”, destaca.

Florenço tem um ajudante, a quem não lhe atribui a função de funcionário. “É meu amigo e o próximo herdeiro da borracharia, ele está só esperando que eu morra para ficar com ele”, diz aos risos. Carlos Antônio da Silva, de 46 anos, passou os últimos 16 ali, na borracharia e confirma, ouviu várias propostas recusadas. “Já mandaram muito dinheiro aqui, mas ele não vende. É herança do pai”, completa.

Dos pregos que tira dos pneus, Carlos diz que cada um tem uma história. Como a tampa da traseira de um Kombi que ele jura ter tirado de um Corolla.

Os responsáveis pela idas de boa parte dos campo-grandenses à borracharia Baiana está afixado como quadro, como obra prima a ser admirada. Há quatro anos, Carlos começou a colocar os pregos em pedaços de isopor e pendurá-los na parede. "Para não jogar, tive essa ideia, de deixar livre os pneus e para que os pregos não voltem para a rua de novo".

Teoricamente, a borracharia era para funcionar das 7h da manhã às 7h da noite. Mas como todo mundo sabe, Florenço mora ali, nos fundos, em uma casa rosada, no mesmo terreno e não consegue dizer não aos clientes. "Só não atendo quando saio para pescar e tomar minhas pingas. E olha que já teve dia que eu cheguei e em 15 minutos tinham três carros". Resultado da tradição e do carisma que tem a borracharia mais antiga da região.

Para não voltarem à rua de novo, os pregos que saem dos pneus ficam expostos, nas placas de isopor.
Para não voltarem à rua de novo, os pregos que saem dos pneus ficam expostos, nas placas de isopor.
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