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Arquitetura

Sai lago e entra grafite em obra que vai desfigurar "torre mais alta do mundo"

Paula Maciulevicius | 03/02/2016 06:23
Em meio à guerra contra a dengue e alegando alto custo na manutenção, Governo vai tirar lago da fachada. (Foto: Fernando Antunes)
Em meio à guerra contra a dengue e alegando alto custo na manutenção, Governo vai tirar lago da fachada. (Foto: Fernando Antunes)

Um projeto da década de 1990 trouxe para o Parque dos Poderes o ícone de ser sede da mais alta torre de alvenaria do mundo. Título considerado até hoje nosso pelos 116 metros de altura, pertencente ao Palácio das Comunicações, onde funciona a Rádio e TV Educativa, em Campo Grande. Feito pelo arquiteto pernambucano Roberto Montezuma, o projeto está prestes a ser desfigurado. Sob a justificativa de custo "alto" de manutenção ao Governo do Estado e pela dengue, o lago da fachada será substituído por concreto e grafite. 

A ordem de serviço para revitalizar o prédio foi assinada na segunda-feira (1). No contrato está previsto o gasto de R$ 47 mil vindos de recursos próprios da TVE. Segundo o diretor-presidente da Rádio e TV Educativa, jornalista Bosco Martins, já se passaram oito anos desde a última manutenção. Arquitetonicamente, Bosco sustenta que "em meio à guerra contra a dengue" e devido ao custo de manutenção, o lago será retirado da fachada. Segundo a Secretaria de Administração do Estado, o custo mensal não passa de R$ 3.582,00.

Roberto, hoje presidente do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) de Pernambuco e professor da Universidade Federal de lá, não foi consultado sobre a reforma. Ao Lado B, ele analisa que a retirada muda e muito toda a arquitetura do prédio. "Assim perde a função de isolamento. Eles vão terminar colocando um muro e uma grade, porque vai ver que não vai funcionar", resume.

Ao longo de sua execução e depois de pronto, o Palácio das Comunicações ganhou adestaque em várias revistas nacionais e internacionais de arquitetura. (Foto: Marcos Ermínio)
Ao longo de sua execução e depois de pronto, o Palácio das Comunicações ganhou adestaque em várias revistas nacionais e internacionais de arquitetura. (Foto: Marcos Ermínio)

O arquiteto que assinou o projeto ainda ressalta que deveria ser procurado para dar um parecer. "Não se reforma uma obra que foi pensada com essa intenção, de ter uma coisa muito expressiva para a cidade. Tem direito autoral aí. Quem vai fazer essa intervenção?", questiona.

Arquitetura – Ao longo de sua execução e depois de pronto, o Palácio das Comunicações ganhou destaque em várias revistas nacionais e internacionais de arquitetura. "É uma valorização para o Estado. Foi publicado até em revistas italianas e citado em vários congressos e bienais".

Foram dois anos, de 1992 a 1994, para erguer os 6 mil m² de construção. O lago é parte da obra desde a primeira proposição, feita em três dias. "O lago faz, de forma educada, a separação do edifício que tem todo rigor de controle de entrada e da área pública", explica Roberto. Nas palavras dele, a água, de forma elegante, compõe as limitações de passagem sem que haja a necessidade de grade ou portão.

Roberto hoje tem 55 anos e descreve em detalhes como foi pensada a arquitetura 24 anos atrás. À época da contratação, prestava consultoria para a Rede Globo e assinava os primeiros projetos de criação de uma estrutura própria para televisão, que não fosse adaptação.

"Cheguei a visitar vários locais para poder projetar. Foram pesquisadas algumas experiências alemãs, a TV Cultura de Brasília, até estúdios da Disney, onde você entra também nas cabines de filmagem", conta o arquiteto.

Para a época, a ideia era 'vender' a televisão como uma indústria de imagem, por isso tal preocupação em transformar o prédio em um ícone para a cidade. "Não era para ser simplesmente mais um edifício usual e sim que criasse um símbolo. Era bom que não fosse uma coisa fechada, que conversasse com a paisagem da cidade, essa foi a primeira intenção", descreve Roberto.

A proposta foi seguida à risca a ponto de a arquitetura pensar que de fora, visitantes pudessem ver as próprias estações de filmagens, sem atrapalhar o trabalho de quem está lidando na edição. "O espaço de cima é mais coletivo e o debaixo, mais privativo à TV", explica Roberto sobre os pavimentos.

Ginásio? - Na década de 1990, o prédio tinha apenas a fundação para ser um ginásio, com estruturas iniciais como pilares e vigas. O arquiteto então aproveitou o que já estava feito e adaptou ao novo desafio: de uma televisão a partir de eixos estruturais pré-definidos, trabalhando com tijolos, inclusive na torre.

O piso inferior foi pensado para ser mesmo mais "enclausurado", destinado à engenharia, controle e geração de imagens, além de estúdios e um pequeno auditório. Ao contrário do superior, aberto, transparente e público para circulação e visitação. O acesso dos visitantes é - até hoje - pela ponte metálica, de arcos atirantados.

Mais do que só água, a arquitetura usou o lago para não erguer muros e trazer vida através dos peixes que já fizeram morada ali. "Sem ele já não fica aquele espaço, aquele abraço para a cidade. A ideia da televisão é essa, ser como um grande abraço, um espaço de integração com o público", resume o arquiteto.

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Para a época, a ideia era 'vender' a televisão como uma indústria de imagem, por isso tal preocupação em transformar o prédio em um ícone para a cidade. (Foto: Fernando Antunes)
Para a época, a ideia era 'vender' a televisão como uma indústria de imagem, por isso tal preocupação em transformar o prédio em um ícone para a cidade. (Foto: Fernando Antunes)
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