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Comportamento

Aos 65 anos, Tadeu fala dos tormentos de ser um “tiozão” na faculdade

De um novo significado sobre TCC ao churrasquinho sem carne, Tadeu vive troca de experiência com colegas mais novos

Thailla Torres | 12/04/2019 08:32
Aos 65 anos, Tadeu conta experiências ao voltar para
a sala de aula como aluno. (Foto: Marina Pacheco)
Aos 65 anos, Tadeu conta experiências ao voltar para a sala de aula como aluno. (Foto: Marina Pacheco)

No evento da família, Ricardo Tadeu Barros da Costa é, entre os tios, o mais animado. Tamanha alegria consegue ensinar como ver o lado bom das coisas mesmo quando as diferenças são gritantes. Aos 65 anos, “Tio Tadeu” é um dos mais velhos na sala de aula da universidade, o que faz diferença ao lidar com as ideias de uma geração que tem metade do seu tempo.

Ao encarar novamente os estudos, Tadeu encontrou pelo caminho dissabores, mas nada capaz de romper com a alegria de experimentar uma nova turma, na sala e na vida. E o jeito bem-humorado de narrar os desafios fez o Lado B bater um papo com o “tiozão” que não deixa de compartilhar seus boleros no grupo da faculdade desde que também aprendeu ouvir arrocha e funk nas festinhas.

Hoje, Tadeu faz parte da turma de graduação em Gestões Imobiliárias de uma faculdade particular de Campo Grande. Mas a última vez que havia pisado numa universidade foi em 1970 quando precisou abandonar Direito, no Rio de Janeiro, pela falta de grana.

Ele atuou durante 30 anos na Marinha. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ele atuou durante 30 anos na Marinha. (Foto: Arquivo Pessoal)
Visita à base de anfíbios nos EUA. (Foto: Arquivo Pessoal)
Visita à base de anfíbios nos EUA. (Foto: Arquivo Pessoal)

Desde então a experiência de ser um novo estudante tem sido reveladora, especialmente, para exercitar a paciência. O primeiro impacto sentiu ao fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino), conta. “Imagine a cena: apareci de calça, sapato, camisa e toda a documentação em mãos. Poxa vida, era um Enem, eu acreditava que precisava estar bem paramentado. Ao chegar na sala encontrei a meninada de chinelo e calção. Me senti o cara mais diferente do mundo”, descreve rindo. “Aos 65 anos, confesso que preciso de uma concentração maior para ler e fazer um cálculo, mas na prova tem tanta comida que só escutava ‘crec, crec, crec’ o tempo todo. Olha, foi um inferno. Mas, são os novos tempos, e acabei me acostumando”, completa.

Mas o Enem foi tira-gosto perto da revelação que foi a faculdade. “No primeiro dia de aula eu também fui de calça, sapato e camisa, de repente, encontrei um camarade de bermuda, chinelo e camiseta do Corinthians e, novamente, destoei. Pelo pátio, observei que eles não só sentam nos bancos, eles colocam os pés no banco. Aquilo me deu um certo incômodo porque fui criado de outra forma, então tive que me adaptar”, conta.

Na sala de aula, Tadeu virou o “tiozão” e o “vovô” da turma. “É tio pra lá, é tio pra cá. Isso me deixou muito feliz e muito animado. Afinal, minha idade não vai mudar e eles me chamarem de tio se tornou um gesto de afeto”.

Mas ele confessa que o difícil foi lidar com o mal comportamento. “Eu digo que os professores são maravilhosos para suportar uma sala de aula que as vezes parece cinema”, brinca. “Mas o que me deixou chateado mesmo foi quando presenciei um aluno gritando com um professor durante um debate. Os ânimos se exaltaram e acabei entrando no meio. No meu tempo não existia essa de aluno gritar com professor. Debatíamos, mas nunca perdíamos o respeito”.

No grupo do WhatssApp, a relação com a turma é ainda mais divertida. (Foto: Marina Pacheco)
No grupo do WhatssApp, a relação com a turma é ainda mais divertida. (Foto: Marina Pacheco)

Outro ponto que chamou atenção de Tadeu foi a maneira como alunos se reúnem para festar, principalmente, quando foi convidado para um churrasco da universidade. “Cheguei meio dia achando que já estava atrasado. Chegando lá, uma caixa lotada de cerveja, um carvão e só dois pacotinhos de carne. Só depois eu fui entender que churrasco de universitário é só desculpa para se reunir e se divertir. Pra mim foi diferente, mas acabei me adaptando e me divertindo junto com a turma”.

Por fim, admite que as diferenças de idade e maturidade se tornaram um troca maravilhosa de experiência. “Eles me rejuvenescem, sem dúvidas. Aprendi ouvir Iron Maiden e outro dia fiz todo mundo ouvir Elimar Santos, cantor de bolero. Todo mundo me respeita e eu tenho muito respeito por eles. A juventude ensina muito e ela tem sede de aprender”.

Para Tadeu, voltar à faculdade, aos 65 anos, é qualidade de vida já que viver muito tempo tem um preço alto para a saúde física e emocional. “O aposentado não para, se ele parar ele morre. E o curso de graduação me deixou mais vivo. Por isso, acho que deveria ter mais incentivo para esses idosos, o problema é que quando surge algum programa especial só conseguem oferecer curso de costura e artesanato. A sociedade precisa entender que velho também quer viver e tem muito a ensinar”.

Em sua trajetória, Tadeu foi radialista e aposentou da Marinha depois de atuar 30 anos nas atividades marítimas. Casado e pai de quatro filhos, seu orgulho é lembrar que todos têm formação superior. “Tiago é engenheiro agrônomo, Tamara é advogada e oficial da Marinha, Bianca é promotora e Carla é pedagoga. Ainda tenho uma neta formada que também é o orgulho de toda a família”, diz.

Para quem ficou tanto tempo fora da sala de aula, a volta pode ser difícil, mas nunca impossível, garante Tadeu. “Na vida você tem que tentar. Ao envelhecer as limitações aparecem, mas só você escolhe se deixa ou não o marasmo dominar”.

Agora, ele espera terminar o TCC e reencontrar a turma inteira na formatura. “Vai ser divertido, eles até me ensinaram como é importante ter um chapéu do TCC (Truco, Cerveja e Churrasco)”, brinca Tadeu.

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Agora, ele espera terminar o TCC e reencontrar a turma inteira na formatura. (Foto: Marina Pacheco)
Agora, ele espera terminar o TCC e reencontrar a turma inteira na formatura. (Foto: Marina Pacheco)
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