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Comportamento

Eles se apaixonaram por foto e só se conheceram no dia do casamento

Paula Maciulevicius | 29/06/2016 07:45
Everton e Thais se conheceram e se casaram no mesmo dia. (Foto: Fernando Antunes)
Everton e Thais se conheceram e se casaram no mesmo dia. (Foto: Fernando Antunes)

Entre o namoro e o noivado, foram três semanas. A última delas vivida impacientemente por um noivo que esperava a resposta vir de uma carta. Depois, a distância do "sim" do pedido ao "sim" do casamento foi de apenas três meses. O amor entre Thais e Everton vem misturado ao sentimento de querer recomeçar, nascido entre grades. O casal só se conheceu pessoalmente em novembro de 2015.

Até então, era através das cartas, fotos e do que a irmã dela e a mãe dele falavam um do outro é que eles sabiam como era o companheiro do lado de lá. Everton está preso do Presídio de Trânsito, no complexo penitenciário do Jardim Noroeste e para vê-lo, Thais teve de aceitar se casar.

“A gente não se conhecia. Quando eu vim para o presídio, estava perdido. Vim até com nome falso, do meu irmão, mas tomei uma decisão e fui para a igreja”, conta Everton da Silva, de 32 anos.

Atrás das grades pela terceira vez desde setembro de 2014, a condenação é por tráfico de drogas. De profissão mesmo, Everton diz que é açougueiro e desossador em frigorífico e que tem pouca, mas tem escolaridade: ensino médio completo.

Ele só deve ter direito ao semiaberto no meio do ano de 2018. (Fotos: Fernando Antunes)
Ele só deve ter direito ao semiaberto no meio do ano de 2018. (Fotos: Fernando Antunes)
"Everton" foi tatuado no braço no dia do aniversário dele. Como retribuição, noivo também fez "Thais".
"Everton" foi tatuado no braço no dia do aniversário dele. Como retribuição, noivo também fez "Thais".

Em três meses, Everton conta que se tornou pastor e logo depois veio um “menino” para a congregação dele, o cunhado de Thais, marido da irmã dela.

“Um belo dia ele me viu triste de tudo, como eu dei nome falso, não saía o meu certo no sistema para ter visita. A mulher dele vinha todo sábado e falou da irmã dela pra mim. Eu disse: tô precisando de alguém, tô mudando de vida e ela disse que poderia me apresentar pra irmã dela”, narra o noivo.

Isso já era o mês de julho. No sábado seguinte, começaram as cartas. Enviadas pela irmã, o casal chegava a trocar até quatro na semana. Everton escreveu a primeira, se apresentando e dizendo quais eram suas intenções.

“Falei que queria recomeçar, conhecer alguém pra ter um porto seguro. Cada um tem seu porto seguro. Acho que o incentivo do ser humano é chegar em casa e ter seu parceiro lá, te esperando, pra poder te fazer feliz, dividir seus problemas e eu acho que mesmo estando dentro de um presídio, eu estava precisando disso pra por minha cabeça no lugar e que eu poderia fazer ela feliz”, descreve.

Em seguida vieram a troca de fotos. Como ele não tinha nenhuma de dentro da cela, Thais foi até a casa da sogra para ver a primeira imagem e assim poderia mandar a dela também. Foi recebida com festa e churrasco e o direito de conhecer toda a família.

Passadas duas semanas da troca de correspondências, Everton explicou sua situação. Tinha uma ex-mulher que tinha a carteirinha de visitas e que assim que ele entrasse com o nome certo no sistema, ela teria direito a visitas. O que ele não gostaria.

Cerimônia religiosa foi feita dentro do Presídio de Trânsito.
Cerimônia religiosa foi feita dentro do Presídio de Trânsito.
Acompanhada por parentes dos noivos, a cerimônia foi feita pelo pastor da igreja Assembleia de Deus.
Acompanhada por parentes dos noivos, a cerimônia foi feita pelo pastor da igreja Assembleia de Deus.

“Aí eu falei pra ela que a única forma de poder me ver era se casando. E coloquei a proposta, senão teria de cancelar a carteirinha da minha ex e ela esperar seis meses. Fiz o pedido por carta”, lembra. Nos dizeres, Everton escreveu que sentia muito de não poder fazer o pedido pessoalmente. “Infelizmente tô preso nesse lugar, não posso te encontrar e olhar nos seus olhos pra dizer. O único jeito pra poder ficar junto, é casando e você aceita se casar comigo?”

Foi uma semana aguardando pela resposta. Tempo que para quem está preso, demora mais ainda a passar. Quando o “sim” veio, já era agosto e os dois começaram a correr contra o tempo para caminhar a burocracia do casamento. Primeiro Everton tinha que tirar os documentos, resolver as pendências com a ex-mulher, para então, através de uma procuração assinada pelo pastor dele, da Assembleia de Deus, o casal dar entrada no cartório.

A papelada só ficou pronta em novembro. “E foi no dia 18 de novembro de 2015 que a gente se viu pela primeira vez”, relembra o noivo. A cerimônia religiosa foi lá dentro. Simples de tudo, num espaço perto do refeitório, onde foi montada a mesa do pastor e uma ao lado para o bolo levado pela família do noivo.

Everton usava terno. “Os agentes do presídio se reuniram e arrumaram, agradeço eles também”, faz questão de frisar. Com os familiares de testemunha, o casal ouviu do pastor conselhos para a vida matrimonial, ainda que seja de início, com ele preso e ela lá fora.

Com direito a troca de alianças, beijo e pose para as fotografias, Everton diz que prometeu amá-la como mandam os votos, “na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separe”, repete à ela na entrevista. “No lugar que a gente tá, são poucas as pessoas que chegam a investir na gente num lugar desses. E ela teve essa coragem de arriscar todas as fichas dela em mim”, admite Everton.

A troca de alianças em meio as grades do presídio.
A troca de alianças em meio as grades do presídio.

O vestido da noiva não tinha nada de branco, mas foi – assim como Everton – amor à primeira vista. “Bati o olho nele, gostei e quis me casar com ele”, fala Thais Caroline da Silva Sampaio, de 26 anos. Ela quem deixa o agora marido conduzir toda entrevista por pura timidez.

“Eu nunca imaginei que me casaria assim, que isso ia acontecer. Só conheci ele no dia do casamento e fiquei feliz na hora que vi”, descreve ela. Até a família se acostumar, era difícil o assunto em casa. “Eles demoraram a aceitar, mas agora aceitou”, diz. A lua de mel, que no presídio foi na visita íntima, demorou mais de uma semana para acontecer depois do casamento.

Como só a partir daquele momento é que Thais era reconhecida como esposa, ela deu entrada numa quinta-feira no pedido da carteirinha que só ficou pronto sete dias depois. No segundo sábado de casado é que Everton e ela tiveram a primeira vez. “Cada cela tem quatro camas, os que tem visita íntima ficam separados dos que recebem família, que fica no pátio. A gente fecha, tem as cortinas nas jegas – desculpa o palavreado, é cama aqui dentro – e passa o dia junto, ouve rádio, come alguma coisa junto”, narra Everton. Condenado a sete anos e seis meses, ele acredita que se mantiver o bom comportamento, no meio de 2018 deve ir para o semiaberto.

Do lado de fora, para a visita que começa às 9h, Thais chega 1h da manhã, passa a noite fora do presídio para guardar lugar, passar logo pela revista e aproveitar mais o dia lá dentro. “Ela fica deitada aí na frente, pode estar garoando, frio e ela com coberta. Pelo menos valor nisso eu tenho que dar”, afirma ele. Sobre casar ser um sonho, Everton confirma e vai além. “O sonho de todo homem não é carro, casa, é também de poder se casar. Chegar no patamar, na altura da vida, que tem alguém do lado para poder crescer”, resume.

Lá fora ele sabe que faz falta. “Eu sei que ela fica mais sozinha, que ela sente de não levar ela pra passear no final de semana, fazer piquenique, comer uma pizza, tomar uma cervejinha no barzinho. Pra mim é uma nova chance, um recomeço. Ela dá bastante força pra mim, porque algum dia eu vou sair dessa. Cadeia não é eterna, é só eu pagar o que devo pra justiça e voltar pra casa”.

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Na foto, toda família que compareceu para o casamento religioso.
Na foto, toda família que compareceu para o casamento religioso.
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