Em meio à desigualdade, o que vozes de mulheres negras têm a dizer?
Roda de conversa reuniu mulheres e aliados em ação que antecede a Marcha Nacional das Mulheres Negras

Dados divulgados nesta semana pelo Atlas da Violência jogam luz sobre uma realidade urgente e dolorosa: mulheres negras seguem sendo as maiores vítimas de homicídios no Brasil.
Conforme o balanço, em 2023, 2.662 mulheres negras foram assassinadas, o que representa 68,2% do total de mortes femininas registradas no País, um aumento de 5,4% em relação ao ano anterior. Entre tantas estatísticas, a raça ainda se impõe como marcador de exclusão, invisibilidade e violência.
Em meio a tanta desigualdade, o que as vozes negras sul-mato-grossenses têm a dizer?
Em Campo Grande, essas vozes negras estão se unindo para transformar a realidade. Na noite de terça-feira (14), dezenas se reuniram na roda de conversa “Terça das Pretas”, encontro que faz parte das articulações para a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, marcada para o dia 25 de novembro, em Brasília. O espaço serviu para trocas, relatos, denúncias e construção coletiva de pautas que apontam para um futuro mais justo.
“Nós queremos o nosso lugar”
Professora da UEMS e pós-doutora em educação, Bartolina Ramalho, afirma que o silenciamento que atinge mulheres negras rodeia a sociedade desde sempre. “A gente quer o nosso lugar. Dentro dessa sociedade capitalista e patriarcal, a mulher é o alicerce e a mulher negra o alicerce da maioria das famílias brasileiras. Porém, a mulher negra é sempre impedida de ocupar espaços”, pontua.
Para ela, o dado que mostra que as mulheres negras representam dois terços das vítimas de homicídios femininos é mais do que uma estatística: “É um grito. Nós também queremos sair desse lugar de marginalização, de exclusão, de levar toda essa carga tão pesada”, acrescenta.
Segundo Bartolina, Mato Grosso do Sul não é exceção à realidade que se reflete nacionalmente. “Aqui a gente enfrenta também esse desafio de nos mostrarmos. Eu sou uma mulher negra, letrada, doutora, pós-doutora, mas isso não me isenta do processo de exclusão. Eu também preciso conquistar meu espaço a cada dia, tendo que mostrar que sou uma mulher competente”, relata.

“Não queremos ser visíveis só para estatística”
Romilda Pizani, presidente do Fórum de Entidades do Movimento Negro, reforça a importância da escuta ativa e da representatividade real. “Nós queremos que a nossa voz ecoe ao ponto de todas as políticas públicas também atenderem essa especificidade que é a mulher negra. A gente é maioria da população do País e, mesmo assim, seguimos invisíveis”, avalia.
Para ela, o encontro em plena terça-feira é sinal de resistência: “Vivemos em Estado conservador. Nós, mulheres negras, queremos visibilidade, mas uma visibilidade real, que nos inclua no processo social e não aquela visibilidade que só aparece nas estatísticas ou quando somos vítimas”, explica.
“A gente entra e se aposenta no mesmo lugar”
Cleuza Pedrosa, coordenadora do comitê estadual da Marcha das Mulheres Negras, pontua que a pauta é extensa — saúde, educação, segurança, moradia, trabalho... “A gente está na base da pirâmide. É preciso discutir o bem-viver das mulheres negras. Que políticas públicas são essas que não nos alcançam? Que meritocracia é essa que nos estagna?”, indaga.

Militante no movimento negro, ela denuncia que, mesmo em espaços de acesso como o serviço público, a estagnação é regra. “A gente entra e se aposenta no mesmo cargo. Se presta um concurso, a gente não sobe. Na iniciativa privada, é ainda mais difícil. Vem a exigência de ‘boa aparência’... E a gente sabe muito bem o que isso quer dizer”, expõe.
A marcha de 2025, segundo Cleuza, não é só simbólica, mas um momento de luta por mudanças práticas e reais. “Não é só ir e marchar. A gente tem que saber o que vai fazer em Brasília: denunciar essa estrutura racista, machista, capacitista que nos impede de viver plenamente”, explica.
O encontro da Terça das Pretas foi um dos vários que aconteceram em todo o País. Os relatos ouvidos em Campo Grande revelam o tamanho da luta. “Se somos a base dessa sociedade, é preciso que nos olhem com o diferencial que nos cabe”, destaca Bartolina.
“O tempo de apenas sobreviver já passou, agora é hora de viver com dignidade”, finaliza Cleuza.
Siga o Lado B no WhatsApp, um canal para quebrar a rotina do jornalismo de MS! Clique aqui para acessar o canal do Lado B e siga nossas redes sociais.