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Comportamento

Na festinha de 4 anos, o pequeno Arlei celebra orgulho de ser índio

Eduardo Fregatto | 16/07/2017 07:20
O indiozinho, que lembra até o pequeno Mogli, comemora seu aniversário feliz em ser quem é. (Fotos: Eduardo Fregatto)
O indiozinho, que lembra até o pequeno Mogli, comemora seu aniversário feliz em ser quem é. (Fotos: Eduardo Fregatto)

"Parabéns Curumim Arlei", diz o quadro com desenhos de arco e flecha e decoração de plantas. É dia de festa para o pequeno indiozinho Arlei, que completa 4 anos. Ele ainda tem pouco domínio da fala, mas já conhece várias palavras na língua terena, além do português. Foi o que chamou a atenção do Lado B: ver o convite postado no Facebook, todo escrito em terena, resgatando o idioma indígena já pouco utilizado.

Para comemorar o dia especial, os pais de Arlei quiseram celebrar sua cultura de todas as maneiras. Todos se pintaram com desenhos tradicionais indígenas e prepararam um cardápio típico: milho cozido, o hîhi (alimento feito à base de mandioca, cozido na palha da bananeira e amarrado em folha de boicaiúva), bolo de mandioca e carne de caça de porco do mato, trazida diretamente da aldeia para a festa.

Arildo é pintado por Cíntia. A pintura envolve elementos tradicionais Terena.
Arildo é pintado por Cíntia. A pintura envolve elementos tradicionais Terena.
O pequeno Jonathans, que explica que índios caçam animais para comer, nas aldeias.
O pequeno Jonathans, que explica que índios caçam animais para comer, nas aldeias.

Alegre e brincalhão, Arlei é uma criança feliz e orgulhosa de ser índio, apesar de ainda pouco entender o que isso significa exatamente. "Índio é bom", diz. "Gosto de me pintar, de preto. A aldeia é legal", explica, em poucas e tímidas palavras, no português.

Outro pequeno índio, Jonathas, de 5 anos, chama nossa atenção quando comemora que finalmente vai ser pintado nos braços. "Quando eu era bebê, eu não quera índio, eu era um 'índinho'", começa, animado em poder contar sua história. "Agora sou índio. E índio caça bichos e leva pra comer", explica.

Já a estudante Cíntia Lopes Paravá, 15 anos, se orgulha de ter aprendido algumas das danças tradicionais numa aldeia do Estado. É ela também quem ajuda a pintar os convidados da festa, nas pinturas tradicionais. "Aprendi na aldeia e também na internet", revela, mostrando que a cultura indígena está presente nas redes.

As comidas da festinha foram escolhidas de forma a fazer jus à alimentação indígena.
As comidas da festinha foram escolhidas de forma a fazer jus à alimentação indígena.
Carne de caça de porco do mato veio diretamente da aldeia para a festa.
Carne de caça de porco do mato veio diretamente da aldeia para a festa.

Esse senso de orgulho e pertencimento dos jovens é transmitido de pais para filhos. Os pais de Arlei, o índio terena Arildo Soares, 54 anos, e sua esposa Jaqueline Balbuena Delgadino, de 30, se orgulham de trabalhar pela preservação da língua terena, danças e comidas típicas, entre outras tradições. Eles moram na cidade há muitos anos, são índios "desaldeados", não vivem nem na aldeia urbana, mas fazem o possível pra preservar sua cultura. Atualmente moram no Jardim Futurista, numa casa simples, com Arlei e mais dois filhos.

"Tem índio que tem medo de falar que é índio mesmo dentro da nossa própria comunidade", afirma Arildo, que é Secretário Geral da Feira Indígena do Mercadão Municipal. "Nós não temos culpa de morar no Brasil, um país que é nosso, e ser discriminado. Hoje nossos anciões já se foram, então queremos identificar essa identidade nos nossos filhos", define.

Apresentação com dança tradicional feita pela família de Arildo e amigos.
Apresentação com dança tradicional feita pela família de Arildo e amigos.

Ele e Jaqueline promovem o Bazar do Índio, para arrecadar dinheiro e levar assistência médica e outras necessidades para as aldeias do Estado. Também realizam aulas de língua terena para as crianças. "Queremos unir nosso povo, trazer de novo a cultura. Por isso estamos criando o Grupo Indígenas Urbanos 'desaldeados' Raízes das Tradições, com índios Kadiwéu, Guarani Kaiowá e Terena", conta Jaqueline.

Antes de comerem as comidas típicas, Jaqueline, Arildo e seus filhos e amigos fazem uma dança típica, com direito à plateia e muitos aplausos. Ao final, um discurso: "Nós somos indígenas urbanos buscando ampliar nossos sorrisos e nossa cultura", afirma.

Para Arildo, vendo a felicidade e inocência do pequeno Arlei, um pequeno índio contente com sua cultura e seus costumes, fica o apelo: "Nossos filhos não são obrigados a passar pelo o que nós passamos. Queria que entendessem isso. Se eles não tiveram pudor pelos nossos anciões, que tenham pudor pelo menos de nossos filhos", finaliza.

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Jaqueline ao centro, com Arlei em cima da mesa e vários amigos e familiares celebrando o aniversário.
Jaqueline ao centro, com Arlei em cima da mesa e vários amigos e familiares celebrando o aniversário.
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