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Comportamento

Tem até treinamento, mas quem “te atende” ao telefone adoece com seu mau humor

Se você sofre com o telemarketing, do outro lado da linha os funcionários ficam doentes

Danielle Valentim | 22/04/2019 09:14
Call Center da Águas Guariroba. (Foto: Danielle Valentim)
Call Center da Águas Guariroba. (Foto: Danielle Valentim)

Tem gente que prefere morrer a ter que resolver problemas com o telemarketing. O que quase ninguém sabe é que o pessoal que recebe a reclamação também sofre com isso e, em alguns casos, adoece. Treinamentos, premiações e até salas de descanso. As empresas tentam amenizar os impactos, mas que lida com o cliente - sem água ou sem luz - não escapa da grosseria.

Será que o cliente tem sempre a razão? Ninguém está preparado para ficar sem água ou sem luz e, por isso, o Lado B escolheu o call center desses serviços essenciais para saber como é atender quem está “furioso”.

Em 2018, em todo o Mato Grosso do Sul, 1185 atendentes estavam assegurados pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) afastados por sintomas de depressão. Os pagamentos dos benefícios somaram R$ 1.826.330,00. Por estresse, cerca de 357 segurados, com pagamentos mensais que chegaram a R$ 587.292,00.

O trabalho do telemarketing é dividido entre o amor e ódio, mas para ficar tem de amar o que faz. A coordenadora de atendimento da Águas Guariroba, Eleine Rocha Barbosa explica que o Call Center da empresa não registrou afastamentos por causas psicológicas no ano passado e garante que o resultado está relacionado com alguns métodos da empresa.

Ela explica que os atendentes entram na empresa com experiência em call center, mas nunca em assuntos específicos, ou seja, o treinamento começa neste momento. “É totalmente diferente da telefonia, ninguém tem experiência com saneamento. O cliente fica sem telefone, mas ninguém vive sem água. Então, quando trazemos esse colaborador, a principal conversa é de que o universo é esse, o de lidar com qualidade de vida. E em consequência a isso, virão clientes mais nervosos, porque ninguém quer viver sem água”, explica a coordenadora.

Além dos treinamentos, o call center da Águas disponibiliza consultoria, monitoria e espaço para descanso. “Temos a sala de descanso. Em casos de cliente passar dos limites um atendente líder suporta e absorve a ligação, pois tem cliente que tira colaborador do sério. Alguns choram, porque tem cliente que agride verbalmente, de forma pessoal e desestrutura o atendente. Mensalmente, uma empresa de fora pontua como minimizar os ofensores e trazem práticas para os atendentes”, explica.

Uma das atendentes, que não terá o nome divulgado, pontua que o cliente sempre culpa quem está do outro lado da linha. “Tentamos passar tranquilidade. Mas tem caso do cliente nos culpar, eu lembro que teve um cliente que cortaram a água dele e ele ainda não tinha pedido a religação. Eu tentei explicar a situação e de imediato ele rebateu gritando: “você não compreende? você já ficou sem água? A empresa corta a água de funcionário? Eu quero que você perca seu emprego e fique igual a mim, para vivenciar o que eu tô vivendo”. Isso depois de uma ligação inteira ouvindo grosserias, depois de encerrar a ligação eu desabei e fui chorar”, disse.

“A tática é nunca querer bater de frente com o cliente. Essa semana que passou eu recebi a ligação de um cliente extremamente nervoso com relação aos valores da fatura, mas eu não interrompi, tentei explicar e ao fim da ligação de 35 minutos, ele disse que tinha entendido e agradeceu”, explica outro atendente, que conseguiu reverter a situação.

O serviço prestado pelos atendentes de telemarketing e call center sempre gera reclamação. Mas só estando do outro lado do headset, para saber quão difícil é lidar com as ofensas. O filtro emocional dos atendentes é moldado com o tempo e um dos atendentes pontua que o sofrimento é maior para novatos, que comumente, absorvem as coisas ruins ouvidas ao telefone.

“Temos que saber que o problema dele é com a empresa e não conosco. Por mais que os clientes nos desejem coisas ruins. Uma vez recebi uma ligação de uma cliente que já estava há 7 dias sem água e ela começou a me agredir me desejando coisas ruins, que o número 7 era cabalístico, que ela era bruxa, então isso me espantou muito, mas depois entendi que o problema deles era com a empresa e não comigo”, lembra um colaborador.

“Logo que comecei recebi uma ligação de uma cliente que eu até anotei o endereço para levar comida. Não cheguei a levar, mas quase levei. É uma mistura de emoção, tensão, felicidade, mas o segredo é deixar ali e não absorver”, pontua outra atendente.

A coordenadora do Call Center da Energisa, Inae Eloisa Franco auxilia 135 atendentes, na Central que fica em Campo Grande, mas que engloba serviço em todo o MS.

“São atendimentos variados, que dependem muito das condições do clima. Em dias de chuva, por exemplo, há maior volume de reclamações envolvendo falta de energia, até porque temos um estado muito arborizado. Mas também nos períodos de seca e calor, há mais fluxo de questionamentos sobre variação de consumo – aumento do valor da tarifa, por exemplo. Há demanda ainda quanto a segunda via de conta”, disse.

Ela disse que os treinamentos dos funcionamentos incluem eles sempre se colocarem no “lugar” dos clientes. É preciso atender, entender e tentar sempre ajudar. “Eles são treinados para compreender que ninguém quer ficar sem energia e, se os ânimos estiverem mais exaltados, não deixar levar para o lado pessoal. Isso porque o cliente, muitas vezes, esta nervoso porque tem criança ou idoso em casa, e esta bastante preocupado com a situação”, pontua.

A empresa investe bastante no ambiente agradável e leve. A coordenadora não elencou caso de funcionário diagnosticado com depressão agravada por relações abusivas por parte dos clientes. Não se recorda de nenhum caso que chegou a extremos. Ela trabalha na área há 18 anos. Também disse que a Energisa oferece convênio medico, que inclui acompanhamento psicológico, se houver indicação de tratamento.

Uma atendente de 32 anos, que não terá o nome divulgado, trabalha no call center da Energisa há 8 anos. Ela conta que certa vez um cliente em corte de pagamento não concordava com o prazo para religação. Eu tentei explicar conforme o procedimento da empresa e ele começou a me xingar: “Você e uma imprestável, você não vale nada”. Eu continuei argumentando com calma até a finalização da ligação.

É daí, para pior. Em outro caso, o cliente usou xingamentos: “Você é uma vagabunda, eu pago seu salário, você vai me atender o mais rápido possível”. Mas é normal, após o atendimento a gente ficar se perguntando, porque foi tratada daquele jeito”, pontua.

Com 6 meses de empresa, um atendente de 23 anos, já consegue desviar dos maus sentimentos. “Já me deparei com cliente nervoso isso é comum, principalmente quando envolve religação, pois o ciente quer a religação imediata. Também já recebi cliente rural que iniciou a ligação com bastante agressividade, mas com tranquilidade expliquei sobre as equipes de campo e ele, ainda, pediu desculpa”, disse.

O amor e o ódio sempre dividiram uma linha tênue, mas em tempos de tantos ataques pessoais e virtuais, o melhor a se fazer é tentar se colocar no lugar do outro, a tão famosa, empatia.

E você, já descontou a raiva de um serviço em atendente de telemarketing?

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