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Sabor

Peão aposentado, Arildo mantém viva a tradição da comida de comitiva

Peão aposentado trabalhou por 20 anos nas comitivas de Naviraí e hoje trocou o cavalo pelo fogão

Por Clayton Neves | 09/04/2025 06:16

Na lida do campo desde os 20 anos, seu Arildo Domingues Godoy passou boa parte da vida com o chapéu na cabeça e o sol nas costas, tocando boiada pelas estradas de Mato Grosso do Sul. Hoje, aos 58 anos, o ex-peão trocou o cavalo pelo fogão, mas manteve acesa a paixão pelas comitivas. Agora, ao invés de conduzir o gado, ele alimenta a saudade dos velhos tempos e ganha a vida servindo a comida que sustentava os boiadeiros na juventude.

O cardápio é de sustança, como manda a tradição. Carreteiro, feijão com pele de porco, macarrão tropeiro, mandioca e carne frita no tacho, são algumas das opções. “É comida bruta, daquela que o peão precisava para aguentar a vida na estrada”, explica.

Com o negócio, Arildo encontrou nova oportunidade de renda e ainda gera empregos. Ele é o responsável pela comida, enquanto os parceiros ajudam no atendimento. O sistema é simples e a comida é servida tanto no almoço, quanto na janta. Cada pessoa paga R$ 30 e pode se servir à vontade. “ Na hora do almoço, principalmente, é uma correria danada. A gente não para um minuto”, conta.

Peão aposentado, Arildo mantém viva a tradição da comida de comitiva
Seu Arildo ao lado da trempe, local onde prepara a comida de comitiva. (Foto: Clayton Neves)

Em feiras agropecuárias, festas e eventos por todo o Mato Grosso do Sul, Arildo monta sua estrutura com lona, ‘bruacas’ e ‘trempes’, termos que poucos conhecem, mas que carregam história. “Bruaca é onde a gente guardava as coisas no tempo de comitiva, como se fosse um armário que os peões usam para carregar as coisas na estrada. E trempe é o espaço onde a comida é feita”, explica.

Memórias de um boiadeiro: Na memória, o peão aposentado guarda lembranças do tempo em que viajava no estradão com a boiada, mas, naquela época, não era ele quem comandava o fogão. “Tinha uma pessoa que era responsável só por fazer a comida da turma. Como eu gostava muito dessa vida, depois que parei de tocar gado, inventei de cozinhar”, conta.

Na época de peão, viajar com a boiada era rotina. Seu Arildo saía de fazendas em Naviraí e passava até 30 dias na estrada, conduzindo gado, dormindo à beira de rios e se virando como podia. A comitiva era formada, em média, por seis trabalhadores.

Peão aposentado, Arildo mantém viva a tradição da comida de comitiva
Fogão à lenha foi montado em tenda erguida na Expogrande. (Foto: Clayton Neves)

Segundo ele, o cozinheiro era uma figura estratégica. “Ele sempre ia na frente. Parava em um ponto, erguia uma tenda e quando a gente chegava, o almoço já estava pronto. Depois, mais uma vez ele saía antes dos peões para esperar a gente mais adiante com a janta feita”, explica.

O cardápio também precisava ser pensado para quem não tinha uma geladeira à disposição. Em algumas vezes, eles ainda contavam com a solidariedade de pessoas que encontravam pelo caminho. “A gente carregava só carne de sol, não tinha onde guardar carne fresca. Se alguém dava um frango ou um pedaço de carne boa, aí fazia na hora”, relembra.

Nos tempos áureos, Naviraí abrigava até cinco comitivas, segundo o veterano. “Hoje é menos comum.  E lá, a pecuária cedeu bastante espaço às lavouras e o gado agora anda de caminhão. Tem lugares que você passava com boiada e hoje não tem nem como passar mais”, pontua.

Peão aposentado, Arildo mantém viva a tradição da comida de comitiva
Bruaca é o nome dado aos armários onde peões carregavam pertences durante as comitivas. (Foto: Clayton Neves)

É por isso que seu Arildo insiste em manter a tradição culinária. “Muita gente que vem aqui e não sabe das histórias e nem como as coisas eram antes. Eu faço pra não deixar morrer, é uma maneira de mostrar o que era a vida na estrada”, afirma. Em  festas da pecuária e eventos de laço comprido, ele leva sua comida de comitiva. Neste ano, vai acompanhar todas as sete etapas do circuito de laço.

“Se fosse para viajar com a boiada hoje, eu não iria mais porque é cansativo. Mas tenho saudade do que vivi e de almoçar com os peões no meio do campo. Isso faz falta”, confessa.

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Foto: Clayton Neves


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