ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, TERÇA  16    CAMPO GRANDE 23º

Reportagens Especiais

Uma história de vitórias encerrada na Terra pela covid, mas não no céu

Que a homenagem à minha mãe, Luzia Morel, sirva para honrar as 2.160 vidas também levadas pela doença, até agora, no Estado

Lucia Morel | 25/12/2020 07:32
Minha mãe, Luzia Morel, semanas antes de ser dignosticada com covid-19. (Foto: Arquivo Pessoal)
Minha mãe, Luzia Morel, semanas antes de ser dignosticada com covid-19. (Foto: Arquivo Pessoal)

Mãe de duas filhas e seis irmãos, Luzia Morel foi levada pela covid-19 no último dia 11 de dezembro, quando outras 13 pessoas morreram em decorrência da mesma doença. Ela é uma entre outras 2.160 pessoas mortas por causa do novo coronavírus até o último dia 24 de dezembro.

Mas para mim, que escrevi a história de tantas pessoas que não resistiram à covid, escrever esta homenagem tem uma dor especial. Luzia é minha mãe. Sim, desta repórter que resolveu homenageá-la depois de ter ouvido e escrito sobre tantas famílias que sofreram a mesma perda e que vão, neste fim de ano, se alegrar menos diante de um 2020 tão trágico.

Contei um pouco sobre a vida e a morte de 36 pessoas que morreram e ouvi lamentos e choro das famílias, mas nunca pensei que em algum momento escreveria sobre minha própria mãe, com a mesma dor e o mesmo pesar que acolhi nas entrevistas de familiares.

Aos 73 anos e sem nenhuma comorbidade, minha mãe era só alegria. Nos últimos tempos era só sorrisos com a chegada da netinha mais nova, de 1 ano. Gostava de falar que “não parava de sorrir” depois que ela nasceu e foi sorrindo que a levei até o hospital no dia em que foi internada.

No dia 14 de novembro tudo já indicava que ela teria sido infectada pela covid, mas nada demonstrava que o final do tratamento terminaria com uma despedida tão dolorosa. Já internada eu a vi, conversamos e rindo, ela tentava descobrir como e onde poderia ter sido infectada. Tínhamos certeza que ela se recuperaria e passaria o Natal deste ano em família.

Com minha filha, Sara Rebeca, em outubro. (Foto: Arquivo Pessoal)
Com minha filha, Sara Rebeca, em outubro. (Foto: Arquivo Pessoal)

Não há certeza, mas tudo indica que uma única ida ao mercado, após sete meses enclausurada, a infectou. Usava máscara? Sim. Passava álcool 70%? Sim. O que pode ter havido então? Não sabemos, apenas que apesar de toda tentativa de entender como e porquê, ela se foi, após uma saída desnecessária.

Ela queria muito voltar a fazer as compras dela, escolher os produtos certos e as frutas e verduras do seu jeito. Duas semanas antes do dia 14 havia voltado a fazer caminhadas na Praça do Papa, onde não ia desde março, quando a pandemia chegou. Foi quando, antes de chegar em casa, passou em atacadista próximo e fez as suas tão desejadas compras por conta própria.

Até então, apenas eu e meu marido saíamos para as compras. Nos encharcávamos de álcool antes de entrar na casa dela e mesmo lá, não a abraçávamos ou beijávamos. Apenas após um banho.

Ocorre que numa segunda-feira, 9 de novembro, alguns sinais da covid começaram a aparecer. Na terça, ida ao médico, que receitou medicamentos para resfriado. A semana foi entre altos e baixos e no sábado, uma fraqueza generalizada e então, nova ida ao hospital e internação.

Foram 26 dias. Vinte e seis sofridos dias, sendo 5 em leito clínico, estável e com uso de oxigênio. A ida para UTI (Unidade de Terapia Intensiva) foi em 18 de novembro, sem intubação, que ocorreu apenas no domingo, após piora do quadro respiratório.

A partir daí foram derrotas e vitórias, até que Deus decidiu chamá-la, contrariando nossos pedidos e desejos egoístas para que ela permanecesse entre nós.

Filhas e filhos – Viúva por três vezes, a primeira delas enquanto cuidava dos seis irmãos mais novos, por volta dos 26 anos. A luta sempre foi para manter a família unida e não deixou, por exemplo, que os irmãos fossem adotados, mesmo passando por situações difíceis emocional e financeiramente.

A primeira filha biológica veio em 1975, que nasceu dois meses depois de enfrentar a segunda viuvez. Oito anos depois eu nasci, período em que a vida começava a se estruturar. Para ela, a mudança radical foi no final da década de 80, quando as dificuldades financeiras começaram a dar lugar à certa fartura, nunca antes vivida.

Com isso, ela conseguiu ajudar os irmãos e dar estudo para as filhas. Os anos de necessidade acabaram e ela conseguia projetar a realização de sonhos até então inalcançáveis e a desfrutar, com a família, de estabilidade. Isso foi vitória, conquistada com muito trabalho e empenho.

Com a neta, Anna e minha irmã, Luzimar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Com a neta, Anna e minha irmã, Luzimar. (Foto: Arquivo Pessoal)

Mulher forte e de garra, ensinou a família a lutar pelo que se quer e a não abandonar os seus. A não desistir mesmo sendo muito difícil e sempre, sempre acreditar em Deus.

Cheia de fé, foi Ele quem a sustentou ao perder o terceiro marido em 2015, dois meses antes do meu casamento. “Como o Dilson me faz falta!”, sempre dizia, ao que emendava que “ele está bem”, crendo que o encontraria no céu.

E foi para lá que ela foi, depois de tantos sofrimentos e alegrias. A mim, como filha, dói não tê-la perto para ver minha filha crescer, mas me conforta saber que ela está bem, perto do Deus que, ainda em vida, ela tanto amou.

Memorial – o Natal certamente tem um quê de tristeza este ano para você, se, assim como eu, perdeu algum querido pela covid-19 – ou outra doença. Mas aqui, enquanto escrevo, homenagear minha mãe me dá um certo alento. E espero que você também o tenha.

Escrevi, neste ano, ao todo, sobre a morte por covid e a vida de 36 pessoas e espero que além de homenagem à minha mãe, esse material também sirva para honrar, nem que seja um pouquinho cada uma delas, além das demais 1.224 vítimas desse vírus.

Confira abaixo os materiais produzidos para homenageá-las. Feliz Natal!

Nos siga no Google Notícias

Veja Também