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Reportagens Especiais

Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025

A face mais dolorosa do uso de agrotóxicos é encontrada nos rostos dos indígenas de Guyraroká

Por Aline dos Santos | 26/12/2025 07:11
Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025
Ao fundo, técnico manuseia embalagens de agrotóxicos (Foto: Osmar Veiga).

Seja no “banho” de veneno com pulverização aérea que não poupa nem crianças em aldeia indígena, seja na ação judicial que cobra R$ 300 milhões por contaminação do Rio Dourados ou no “radar” da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) por movimentar R$ 20,8 bilhões por ano no Brasil, o agrotóxico marcou o ano de 2025 em Mato Grosso do Sul.

RESUMO

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O uso indiscriminado de agrotóxicos em Mato Grosso do Sul tem causado graves problemas em 2025, especialmente na aldeia indígena Guyraroká, em Caarapó. A comunidade, com 120 pessoas, incluindo bebês e gestantes, sofre com intoxicações frequentes devido à pulverização aérea nas lavouras de soja vizinhas, impossibilitando até mesmo o cultivo de alimentos para subsistência. Pesquisas revelam a presença alarmante de agrotóxicos nas águas da região, incluindo substâncias como 2,4-D e atrazina. O Ministério Público Federal move ação de R$ 300 milhões contra empresas e Ibama por danos ambientais, enquanto o mercado ilegal desses produtos, que movimenta R$ 20,8 bilhões anualmente, atrai a atenção de organizações criminosas como o PCC.

A face mais dolorosa da questão é encontrada nos rostos dos indígenas de Guyraroká, em Caarapó, a 274 km de Campo Grande.

Quando a aeronave que pulveriza agrotóxico na lavoura de soja está no céu, os guarani-kaiowá logo sentem, em terra, os efeitos do veneno. A intoxicação começa com dor de cabeça e no estômago, que evolui para vômito e diarreia. Além da coceira que castiga a pele, em especial os olhos.

Os efeitos atingem a todos na aldeia com 120 pessoas, mas o “banho de veneno” é mais severo para os vulneráveis, como as crianças e idosos. Em setembro deste ano, a comunidade tinha 12 bebês, 37 crianças e quatro gestantes.

Nos últimos tempos, o uso do solo mudou na região. Até 2018, predominava pastagem para criação de gado, sem pulverização de veneno. De 2019 em diante, as fazendas migraram para soja e milho, culturas que se revezam em Mato Grosso do Sul.

Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025
Proximidade de tratores atrai a curiosidade das crianças indígenas. (Foto: Comunidade Guyraroka)

Com as sucessivas pulverizações de agrotóxicos, os indígenas não conseguem cultivar alimentos para subsistência. Não há mais plantio de milho, amendoim, abóbora, melancia, mandioca e arroz.

A extensão do problema é reforçada pela pesquisa “Agrotóxicos e violações nos direitos à saúde e à soberania alimentar em comunidades Guarani Kaiowá”, realizada entre 2021 e 2024.

Espremida entre as lavouras de soja, a terra indígena, cujo processo de demarcação se arrasta desde 2009, tem agrotóxico em todas as águas: da torneira (vinda de poço artesiano), nascentes e chuva.

Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025
Comunidade indígena Guyraroká, no município de Caarapó. (Foto: Ascom MPF/MS)

“A pesquisa encontrou quantidades alarmantes de agrotóxicos diferentes. Em poucas amostras foi detectada concentração acima do máximo permitido. Mas ficamos muito assustados com a quantidade de agrotóxico. Inclusive na Guiraroká”, afirma a pesquisadora Alexandra Penedo de Pinho, que é bióloga, doutora em engenharia agrícola e professora no Instituto de Biociências da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). A entrevista ao Campo Grande News foi em setembro de 2025.

Conforme Alexandra, há ingrediente ativo como o 2,4-D, o mesmo presente na composição do “Agente Laranja", desfolhante químico altamente tóxico usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. O veneno resultou em má-formação nas crianças. Além disso, o 2,4-D e a atrazina apresentam alta capacidade de infiltração e alcance de águas subterrâneas.

As amostras foram colhidas seguindo o ciclo da soja, a commodity vice-líder nas exportações no 1º semestre de 2025, que rendeu 1,8 bilhão de dólares na balança comercial de Mato Grosso do Sul.

Conta de R$ 300 milhões 

Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025
Pesquisa encontrou atrazaina em 117 amostras coletadas na bacia do Rio Dourados.

Em novembro, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou ação de R$ 300 milhões contra 20 empresas e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por danos ambientais no Rio Dourados.

O processo cita estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que identificou presença de atrazina em todas as 117 amostras coletadas no ano de 2021 na bacia do corpo hídrico. O herbicida é amplamente comercializado no Estado.

A ação busca responsabilizar as empresas pela poluição do solo e da água na Bacia do Alto Paraguai, que engloba o Pantanal, devido ao uso massivo e persistente do agrotóxico

O órgão federal contesta que exista “uso seguro” da atrazina, amplamente difundida pelas fabricantes, afirmando que ela é categoricamente refutada por pesquisas e literatura científica internacional.

No radar do PCC

Veneno adoeceu aldeia, contaminou o Pantanal e virou negócio para o PCC em 2025
Galpão de armazenamento ilegal de agrotóxicos em MS. (Foto: Reprodução Instagram)

Investigação sobre agiotagem em Franca (SP) mostra que o PCC havia recebido R$ 40 mil "pelo veneno" e sofrido calote em outra negociação. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em 27 de outubro, a partir de confirmação do MPSP (Ministério Público de São Paulo).

De acordo com o IDESF (Instituto de Desenvolvimento Econômico Social de Fronteira), o mercado paralelo de agrotóxico é mantido por quatro crimes: roubo de carga legalizada, falsificação de defensivo agrícola, contrabando e importação de produtos legais para usar na adulteração (desvio de finalidade).

Mato Grosso do Sul lidera as apreensões, concentrando 35% a 40% das operações da Polícia Federal, sobretudo nas regiões de fronteira com o Paraguai, principal origem dos produtos contrabandeados.

“Altamente e extremamente tóxicos”

Em março, reportagem do Campo Grande News mostrou que propriedades rurais de Mato Grosso do Sul utilizaram 43 milhões de litros e 17 mil toneladas de agrotóxicos, de janeiro a junho deste ano, segundo dados da Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal). Deste total, 5,9 milhões de litros são considerados altamente e extremamente tóxicos.

O resultado foi um avanço, mas preocupante. No ano passado, 4,9 milhões de litros foram considerados altamente tóxicos.

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