A perigosa escassez de recursos
A agricultura brasileira vive um momento decisivo. Em um setor estruturalmente vulnerável – exposto ao clima, ao câmbio, às oscilações dos mercados, às epizootias, às políticas públicas e até aos conflitos internacionais – toda instabilidade se converte rapidamente em risco. Hoje, esse risco assumiu proporções alarmantes. Há um sentimento de apreensão no ar. O número crescente de produtores rurais, de todos os portes, que recorrem à RJ (recuperação judicial) é o mais contundente sinal de que algo está profundamente errado.
Em todas as cadeias produtivas, sem exceção, os custos de produção explodiram. Insumos dolarizados, sementes, energia e mão de obra encareceram de forma generalizada. O resultado é cruel: margens comprimidas, negócios inviabilizados, atividades operando no vermelho. Ao mesmo tempo, a escalada da taxa Selic tornou as dívidas mais pesadas e elevou drasticamente o custo do capital, ampliando o endividamento e asfixiando a capacidade de reação dos produtores.
- Leia Também
- A indecência de um país protagonizado pelo Legislativo, Executivo e Judiciário
- Dívida rural: renegociação é diferente de prorrogação
A insuficiência de recursos para o crédito rural tornou-se o drama cotidiano do campo brasileiro. As linhas de custeio e investimento — que deveriam garantir estabilidade, continuidade e planejamento — chegam tarde, chegam em volume insuficiente ou simplesmente não chegam. A escassez de recursos é hoje o maior obstáculo para manter a produção ativa e evitar um colapso anunciado. Esse é um ponto para o qual o governo federal precisa voltar os olhos com urgência.
As consequências desse desequilíbrio surgirão em breve. Menor acesso ao crédito significa menor produção, safras em queda, oferta reduzida e, inevitavelmente, alimentos mais caros na mesa do consumidor. O Brasil já cometeu esse erro estratégico no passado e pagou caro com inflação ascendente. Repeti-lo agora seria imperdoável.
O subproduto desse cenário é a explosão dos pedidos de recuperação judicial, que já somaram 2.273 somente em 2024 — um aumento de 62% em relação ao ano anterior — e continuam ascendentes em 2025. A RJ, embora seja um instrumento legítimo que reequilibra a relação entre produtores e instituições financeiras, não pode se transformar em regra. Quando milhares de empreendedores do campo recorrem a esse mecanismo, o que está em crise não é apenas a capacidade de pagamento: é a política agrícola do País.
Os extremos climáticos, a volatilidade das commodities, a retração do crédito e a instabilidade econômica formaram uma tempestade perfeita. O produtor rural, que sustenta a segurança alimentar, o saldo da balança comercial e a economia de centenas de municípios, não pode ser deixado sozinho à deriva.
É uma questão de Estado ampliar imediatamente o volume de recursos subsidiados para o crédito rural. O crédito rural não é um favor, não é um privilégio: é uma política pública estruturada, que garante produção, abastecimento e estabilidade econômica. Sem ele, não há agricultura forte, não há interior vivo, não há futuro.
O Brasil precisa agir antes que a crise se torne irreversível. O campo pede socorro — e ignorar esse pedido seria comprometer não apenas o presente da produção, mas o amanhã de toda a nação.
(*) José Zeferino Pedrozo, presidente da Faesc (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina) e do Senar/SC (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Santa Catarina)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

