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Mudanças na democracia

Por Pedro Pedrossian Neto (*) | 20/01/2014 08:21

A fragilização do sistema político brasileiro, o descompasso entre o que fazem os políticos e o que pensam e querem as pessoas, despertou na sociedade a vontade de “por pra fora” um imenso acúmulo de insatisfações. As manifestações de junho de 2013, o “rolezinho” no shopping, os movimentos reivindicatórios sociais, o aumento do voto nulo ou o de protesto, o ativismo arraigado nas redes sociais, entre outros, formam um conjunto de fenômenos inteiramente novo – inovador no formato e no método – e que expressa um forte desejo de mudança no rumo das coisas.

Acuada pela pressão do povo, que subitamente abandonou o papel de coadjuvante na democracia, a presidente Dilma acenou com a possibilidade de um plebiscito para discutir a reforma política, mas a proximidade do calendário eleitoral e a lógica de poder do stablishment logo enterraram a ideia. Passada a tormenta, tudo continuaria como antes: classe política divorciada do povo, pensando apenas no jogo eleitoral de 2014 e no “loteamento” do Estado.

O desejo latente da sociedade por uma reforma política ampla, no entanto, permanece como norte para reformas profundas na organização da nossa jovem democracia brasileira. Antes tarde do que nunca, a sociedade felizmente cansou-se de ficar a reboque dos políticos, do imenso déficit democrático dos governos, do distanciamento entre os eleitores e o poder eleito.

Os problemas, entretanto, se multiplicam: três dezenas de partidos políticos, a maioria sem representatividade, ideologia ou programa, sem contar os “de aluguel”, os fisiológicos ou os puramente clientelistas – que se agrupam ou se repelem ao sabor das conveniências –, prestam um enorme desserviço à população e ao País. E por que eles existem em tamanha quantidade no Brasil? Simples: porque devido ao sistema de alianças e ao chamado “quociente eleitoral”, são necessários menos votos para eleger-se num partido menor do que num partido grande. Esta distorção da legislação eleitoral, por meio da qual candidatos com menos votos são eleitos em detrimento daqueles com maior votação, é um enorme estímulo a criação de partidos.

Mas os problemas não param por aí. No Brasil há uma casta expressiva de políticos “sem voto”, que conquistam seus mandatos beneficiados pela legenda de um “puxador de votos” (o maior deles na atualidade é o palhaço Tiririca). Isso pra não falar na verdadeira horda de suplentes – figuras um tanto obscuras e estranhas ao eleitor, que naturalmente não têm ideia de quem se esconde atrás de quem para ocupar as vagas nas casas legislativas.

O poder desproporcional do dinheiro, por sua vez, é outro ingrediente de forte desestabilização. A fórmula clássica “um homem, um voto”, como na velha praça grega da antiguidade, é substituída pela forma degenerada: “mais dinheiro, mais votos”. Sendo o orçamento a principal variável de uma campanha, a eleição tornou-se uma pura e simples caça de votos no “mercado eleitoral”.

Ao final do pleito, perpetuam-se os mandatários que cooptaram, com dinheiro, favores ou promessas, mais segmentos da sociedade; quando, alternativamente, algum “curto-circuito”, escândalo ou conflito interno no bloco de poder atrapalha seu projeto de auto-perpetuação, o sistema oferece ao eleitor poucas alternativas senão outros caudilhos, de outros grupos, que não raro professam as mesmas práticas. O cidadão, alijado de todo o processo, tem que escolher entre o menos pior para votar...

As soluções existem e passam pelo enfrentamento de várias questões. Dentre elas, certamente estão a criação do financiamento público ou misto dos gastos de campanha; o fim do esdrúxulo sistema de alianças nas eleições proporcionais; a definição do sistema eleitoral (proporcional, distrital ou distrital misto); o fim do voto obrigatório; o fim do voto secreto nas casas legislativas (em todas as votações e não apenas nas de cassação de mandato parlamentar); a regulamentação da escolha dos suplentes; o fortalecimento do legislativo pela extinção ou limitação das medidas provisórias; o fim da reeleição para o executivo (e, no caso do legislativo, limitação do número de reeleições); entre tantos outros temas.

A política é dinâmica e não existe solução mágica, panaceia ou remédio infalível a curar todos os males. Nenhuma reforma, sozinha, vinda de cima, sem o intenso envolvimento popular, pode dar conta dos problemas. Nada substitui o espírito democrático, uma cultura de participação nas decisões, o monitoramento criterioso e o controle radical do poder. Está em gestação, no caldeirão das frustrações coletivas, nas novas formas de manifestação e ativismo social, a formação do substrato necessário para a efetiva mudança em nossa democracia.

O Mato Grosso do Sul, Estado onde a política ainda é marcada pelo impulso arcaico do coronelismo, onde as personalidades sobrepõem-se aos partidos e às ideias, onde imperam a cooptação do clientelismo e o apego ao patrimonialismo, o gosto pelo mando patriarcal do “sim sinhô, sim sinhá”, pode, deve e precisa assumir o protagonismo neste processo de mudança.

(*) Pedro Pedrossian Neto, 32, economista e empresário, é mestre e professor em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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