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O Judiciário ilumina o Legislativo

Por Toni Reis (*) | 17/05/2013 11:13

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, anteontem (14), a Resolução nº 175, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo.

A medida vem em decorrência do processo iniciado pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277/Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132-RJ pelo Supremo Tribunal Federal em 5 de maio de 2011, reconhecendo a equiparação da união estável homoafetiva à heterossexual.

Em 25 de outubro daquele mesmo ano, com a decisão sobre o Recurso Especial 1.183.378-RS pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), iniciou-se o reconhecimento da possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Em virtude dessas decisões, todos os direitos e deveres decorridos dessas uniões passaram a ser garantidos, como o direito à adoção, o reconhecimento da condição de dependente, a pensão por morte, os direitos previdenciários, os direitos sucessórios, entre outros.

No entanto, até a resolução do CNJ ontem, somente as Corregedorias de Justiça do Distrito Federal e de outros 13 estados (AL, BA, CE, ES, MS, PB, PR, PI, RJ, RO, SC, SP, SE) haviam emitido provimentos ou instruções normativas para os cartórios neste sentido. Nos demais 13 estados, não havia um procedimento definido. Com a resolução do CNJ, a situação fica normatizada em todo o Brasil. Agora, se um cartório se recusar a dar procedimento ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, atendidas todas as demais exigências legais, o caso será julgado pela Corregedoria local de Justiça.

A ausência de lei não quer dizer ausência de direitos. Enquanto o Judiciário faz seu papel, concretizando os direitos, baseado na Constituição Federal, o Congresso Nacional não legisla democraticamente e discute até a proposição tenebrosa do deputado João Campos (PSDB-GO) de curar a homossexualidade (que não é doença, segundo a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde) e a proposição absurda e indecorosa do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), de criminalizar a “heterofobia”.

Em 25 anos, desde a promulgação da Constituição “Cidadã”, o Congresso Nacional, com a maioria dos legisladores pressionada por uma minoria fundamentalista, reacionária e conservadora, tem ficado omisso: não aprovou nenhuma lei que beneficiasse a comunidade LGBT até o momento, apesar das comprovadas iniquidades que enfrenta. Nesse sentido, o Judiciário está de parabéns por corrigir uma parte dessa lacuna. Esperamos que Congresso Nacional acorde, cumpra a Constituição Federal e aprove a penalização dos crimes de ódio e intolerância conforme proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS), sem que seja necessário o Judiciário novamente intervir para garantir que o preceito da total igualdade seja de fato cumprido.

Queremos um Congresso Nacional que legisle para todos e todas com uma visão laica, inclusive para as minorias, e não um Congresso que se deixe dominar pelo fundamentalismo religioso em troca de um projeto de manutenção de poder e interesses econômicos, como ocorreu de forma vergonhosa na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Aliás, com a nova medida, o Marco Feliciano poderia casar com o Jair Bolsonaro, com a bênção do Silas Malafaia! Mas, para falar sério, os conservadores de plantão não precisam ficar com medo – a resolução do CNJ não implica casamento compulsório de homem com homem ou mulher com mulher. Serve apenas para quem tem sentimentos homoafetivos e deseja mesmo celebrar o casamento civil.

Alguns críticos falam que reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo é querer acabar com a família. São os mesmos argumentos que usavam para negar o direito ao divórcio e ao voto feminino. Ledo engano: a família continua de vento em poupa. O que nós queremos é simplesmente construir a nossa família da nossa forma, em pé de igualdade e sem destruir a família de ninguém. Aos defensores do plebiscito sobre o reconhecimento da união entre pessoas, temos a dizer: sobre direitos não se pergunta, se respeita. Uma parte da população está tendo um direito reconhecido, e ninguém está perdendo nada.

A resolução do CNJ vem em boa hora. Ocorreu na semana em que no mundo inteiro se comemora o Dia 17 de Maio, Dia de Luta Contra a Homofobia, oficializado no Brasil pelo Decreto Presidencial de 04 de junho de 2010. Com a resolução, o Brasil entra para a lista dos países civilizados que respeitam e reconhecem a comunidade LGBT como sujeitos de direitos.

Nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, “dar relevância às reivindicações de minorias, vítimas de opressão, exige que compreendamos a diversidade como o denominador comum de nossa humanidade.”

(*) Toni Reis é professor, formado em Letra, especialista em sexualidade, mestre em Filosofia, doutor em Educação e secretário da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).

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