Saneamento é um direito mais que básico
O Brasil está diante de uma oportunidade histórica: o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que inclui o saneamento básico como direito social na Constituição Federal. Essa decisão resgata uma dívida estrutural com milhões de brasileiros — e coloca à mesa a urgência de tratarmos o saneamento como o alicerce que falta à saúde pública.
Fazer essa inclusão é uma luta antiga de todos os que militam para “não deixar ninguém para trás” no que se refere à água potável e à coleta e tratamento de esgoto. Olhar o saneamento básico como direito humano essencial, e não apenas como infraestrutura, será cada vez mais decisivo para que possamos realmente proteger a saúde das pessoas.
Água não potável, esgotos a céu aberto, lixo e falta de drenagem ainda são grandes desafios em pleno século XXI no Brasil. Isso ajuda a explicar hospitais sobrecarregados de pacientes com doenças que há muito deveriam estar controladas, como viroses, diarreias graves, verminoses, esquistossomoses, leptospiroses, hepatites, dermatites e tantas outras “ites” que assolam o país, lotam os leitos hospitalares e drenam recursos que poderiam ser destinados a atender outras necessidades da população.
Atualmente, mais de 32 milhões de brasileiros não têm acesso nem à água tratada, segundo o Instituto Trata Brasil. Isso equivale a quase metade da população da França. Como consequência, no Brasil a incidência de internações por doenças de veiculação hídrica atinge 12,46 casos por 10 mil habitantes, gerando custo superior a R$ 99 milhões aos cofres públicos, de acordo com o Sistema Único de Saúde (Datasus).
Dados do Instituto Trata Brasil dizem que 43,5% das internações por essas doenças afetam crianças de até 4 anos e idosos acima de 60 — criando, em muitas localidades, o lamentável ciclo vicioso: gastamos milhões em internações por doenças evitáveis e negligenciamos os investimentos estruturais que poderiam evitá-las.
Se queremos realmente transformar a realidade brasileira, precisamos enfrentar as causas, e a falta de saneamento talvez seja a mais importante delas. Deveria ser a primeira infraestrutura a fazer parte das cidades, o ponto de partida, mas ainda estamos correndo atrás.
Reconhecer o saneamento como direito social é um avanço importante. Mas, para além de uma mudança legislativa, devemos tomá-lo como compromisso de todos, impulsionador de políticas públicas eficientes, de investimentos conscientes e de ações concretas. Vamos colocá-lo no centro da agenda porque não teremos plena saúde pública se não vencermos o “básico”.
(*) Édison Carlos é presidente do Instituto Aegea
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