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Saúde da população negra na pandemia

Rose Mari Ferreira (*) | 24/11/2020 13:28

A saúde coletiva tem como um de seus pilares de formação o estudo dos  determinantes sociais e das desigualdades em saúde. Na atual situação de pandemia causada pela covid-19, as condições de saúde das populações vulnerabilizadas socialmente, sobretudo as da população negra, tornaram-se muito mais evidenciadas.

A Organização Mundial de Saúde, em março de 2020, declara alerta em favor da Saúde Coletiva, enfatizando que o contágio e a alta letalidade da doença poderiam levar a possível colapso dos sistemas de saúde. Estamos falando do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende a saúde de grande parte da população brasileira, sendo mais de 75% desses usuários do sistema composto pela população negra.

Atividades de informalidade, trabalhos braçais, emprego de doméstica, faxineiras, porteiros, entregadores e prestadores de serviços eventuais são desempenhadas pela população negra. Dessa forma, a pandemia expõe a situação de excludência a que a população negra está exposta, considerando que a realização desses trabalhos em situação de informalidade não possibilita garantias trabalhistas; essas(es) trabalhadoras(es) não podem, portanto, ficar em casa (distanciamento social), necessitam usar transporte público (aglomerações) e, habitualmente, residem em locais em que o saneamento básico é precário ou inexistente (higienização das mãos).

Sobre a saúde da população negra em tempos de pandemia, é oportuno apontar que, em função da possibilidade de contágio, alguns atendimentos e procedimentos realizados na Atenção Básica de Saúde foram suspensos. Cirurgias eletivas e acompanhamentos de usuários com doenças de base foram cancelados por conta da pandemia. Essa medida resultou, entre tantos outros desfechos desfavoráveis, que gestantes deixassem de frequentar a unidade de saúde para o acompanhamento do pré-natal (programa que avalia, acompanha e monitora a situação da mulher na gestação e as condições de saúde do  bebê nesse período). Considerando os riscos de não acompanhamento do pré-natal, tanto para a gestante como para o bebê, o governo adota estratégias para assegurar que as gestantes possam realizar o acompanhamento e que os profissionais realizem os atendimentos.

Os maiores índices de mortalidade materna (que significa o óbito da mulher durante o período gestacional ou até 42 dias após o término da gravidez) estão entre mulheres que vivem em comunidades mais pobres e em áreas rurais. Como nos dizia a filósofa Sueli Carneiro, “no Brasil, a pobreza tem cor”, e isso conta que a mortalidade materna entre mulheres negras é maior, por estas se encontrarem em situação de maior vulnerabilidade.

Claro que estamos falando de um Sistema de Saúde que vem há anos sendo desfinanciado, em que profissionais se encontram muitas vezes desmotivados com o trabalho, mas estamos tratando de assistência à saúde como prevenção de causas de mortalidade materna. A morte das gestantes ocorre como resultado de complicações que ocorrem durante ou depois da gestação e do parto. Dentre as causas, temos a Hipertensão (pré-eclampsia e eclâmpsia), hemorragias graves (principalmente após o parto), infecções (normalmente depois do parto), complicações no parto e abortos inseguros. Se pensarmos que a maioria das complicações são desenvolvidas durante a gravidez, e a maior parte delas, com assistência de qualidade no pré-natal, poderiam ser evitadas e tratadas, estamos falando de menos mortes de mulheres. Dito de outra forma, todas as gestantes precisam ter direito a acessar efetivamente os serviços de saúde, receber os cuidados pré-natais durante a gestação, os cuidados na atenção especializada durante o parto e o pós-parto, além do apoio necessários nas semanas após o parto.

É importante lembrar ainda que a população negra apresenta prevalência de condições como Hipertensão Arterial Sistêmica e doença falciforme, patologias que necessitam de tratamento e acompanhamento dos serviços de saúde. Em se tratando de período de pandemia, em que várias consultas eletivas foram suspensas e alguns serviços estão sem previsão de retorno, é a população negra usuária do Sistema Único de Saúde quem sofre as consequências de não estar em acompanhamento e corre o risco de evoluir para complicações de saúde de mais seriedade.

Neste momento em que as desigualdades sociais que estruturam este país há mais de 400 anos, triste herança da escravização do povo negro, saltam aos olhos daqueles que estão atentos aos acontecimentos, é preciso refletirmos sobre o papel da saúde coletiva frente à situação da saúde da população negra. Em um período de precarização e tentativa de desmonte total do SUS que atende à maioria da população negra que dele depende, precisamos nos perguntar sobre que país queremos.



(*) Rose Mari Ferreira é mestranda em saúde coletiva na UFRGS.

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