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Capital

Dia de picolezeiro resume vida de pedestres ignorados em cidade feita para carro

Reclamações de pedestres é generalizada e vão desde calçadas quebradas até falta de semáforos

Aletheya Alves | 09/10/2021 08:35
Picolezeiro, Júlio Almada percorre longos trechos da cidade diariamente. (Foto: Kísie Ainoã)
Picolezeiro, Júlio Almada percorre longos trechos da cidade diariamente. (Foto: Kísie Ainoã)

O picolezeiro Júlio Almada, de 68 anos, anda todos os dias mais de 10 quilômetros diariamente de chinelos pelas ruas de Campo Grande. Em determinado trecho da Rua Brilhante, na Vila Bandeirante, ele precisa dividir o asfalto com os veículos, “aqui é muito quebrado na calçada, não tem condição”, reclama.

De acordo com Júlio, os motoristas costumam reclamar dele na rua, mas não há muito o que fazer. “Já gritaram comigo para eu sair, mas o que vou fazer? Tem calçada que não dá para andar, pode estragar o carrinho e eu não consigo passar”.

Como Júlio Almada, diariamente um número incalculável de pedestres percorre trechos sem calçadas, destruídas ou ocupadas por objetos, enfrentando ainda a falta de semáforos, sinalização e desníveis nas ruas. A situação narrada só descreve o fragmento de um problema crônico, cuja solução depende de um planejamento complexo e que exige a intervenção de especialistas em Psicologia de Trânsito, Arquitetura e Urbanismo e de Engenharia de Tráfego.

Confira o vídeo abaixo:

Destacando que outros trechos da cidade também são complicados, ele relata que caminhar sem calçadas é parte de seu cotidiano. Seguindo pela cidade observando as ruas, a reportagem chegou à Rua Jataí, no Bairro Guanandi, em que terra e vegetação se apropriaram do espaço destinado aos pedestres.

Calçada inexistente na Rua Jataí, Bairro Guanandi, com vegetação e lixo espalhado. (Foto: Paulo Francis)
Calçada inexistente na Rua Jataí, Bairro Guanandi, com vegetação e lixo espalhado. (Foto: Paulo Francis)

Questionado sobre as dificuldades para quem usa calçadas, João Batista da Silva, de 59 anos, disse que a dificuldade aumenta quando se pensa em outras questões da cidade. “A faixa de pedestre muitas vezes é falha, por exemplo. A cidade é boa, tem melhorado bastante, mas dá para melhorar mais”, diz indicando trecho da Avenida Ernesto Geisel como exemplo dessas precariedades.

Trecho da  Avenida Ernesto Geisel em que a faixa de pedestres está apagada. (Foto: Paulo Francis)
Trecho da  Avenida Ernesto Geisel em que a faixa de pedestres está apagada. (Foto: Paulo Francis)

Mais do que calçadas – Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Uniderp, Camila Amaro de Souza explica que a mobilidade urbana é prevista por normas técnicas atualizadas no Brasil e que envolvem mais do que calçadas.

Sobre como melhorar a cidade, a professora relata que o primeiro ponto é criar mais políticas públicas que apoiem a mobilidade inclusiva. “É necessário adaptar os semáforos, inserir rampas, ampliar as calçadas em situação irregular. Começar a desdobrar esses critérios como práticas de projeto”, disse.

No Bairro Aero Rancho, a diarista Ivone Maciel, de 57 anos, relatou que há calçadas, mas como explicado por Camila, outros elementos fazem parte dos ideais de mobilidade.

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Tem horas que a gente arrisca nossa vida tendo que caminhar pela rua, porque tem calçadas, mas elas ficam ocupadas por manequins e placas, diz Ivone.

O cenário descrito por Ivone é visto tanto na Avenida Ezequiel Ferreira Lima quanto em outras vias do bairro, como na Avenida Presidente Tancredo Neves. Em alguns pontos, os manequins não estão presentes, mas móveis ou outros objetos disputam irregularmente as calçadas com os pedestres.

Placas com anúncios espalhadas por calçada na Avenida Ezequiel Ferreira Lima. (Foto: Paulo Francis)
Placas com anúncios espalhadas por calçada na Avenida Ezequiel Ferreira Lima. (Foto: Paulo Francis)

Elementos variados - Demonstrando a necessidade de pensar outros elementos da urbanização como explicado pela professora Camila Amaro de Souza, João Moreira, de 70 anos, reforça a importância dos semáforos para pedestres. Sobre conseguir atravessar a Avenida Ernesto Geisel, ele explica que “às vezes, é mais difícil de atravessar, porque o movimento aqui é bem forte”.

João Moreira, de 70 anos, atravessando a Avenida Ernesto Geisel, sem semáforo para pedestres. (Foto: Paulo Francis)
João Moreira, de 70 anos, atravessando a Avenida Ernesto Geisel, sem semáforo para pedestres. (Foto: Paulo Francis)

Ainda de acordo com João, a instalação de mais sinalização para pedestres poderia garantir maior segurança nas ruas. Sobre o contexto geral, a professora de Arquitetura e Urbanismo explica que é necessário um conjunto de critérios a serem seguidos, que também podem ser chamados de diretrizes para os projetos de urbanização.

Especificamente sobre Campo Grande, ela destaca que o clima é mais um fator que deve ser considerado ao pensarmos em mobilidade e acessibilidade. “Quando pensamos no clima tropical, é imprescindível pensar em estratégias de sombreamento. Seja através de vegetação arbórea, que deve ser com árvores com copa para sombra dos pedestres ou através de estratégias arquitetônicas”, disse.

Árvores com copas grandes são ideais para garantir sombras para os pedestres. (Foto: Paulo Francis)
Árvores com copas grandes são ideais para garantir sombras para os pedestres. (Foto: Paulo Francis)

Sobre a necessidade do paisagismo para melhoria da acessibilidade, a professora explica que o conforto térmico é elemento base para que as pessoas queiram usar outros modos de transporte.

Dos desníveis à Psicologia -  Estudante, Guilherme Nantes, de 21 anos, aponta que a sensação de segurança é ilusória em diversos momentos para quem não usa veículos. "No cruzamento da Avenida Afonso Pena com Ernesto Geisel, por exemplo, há rampas em cada lado da via, mas um desnível prejudica a passagem", explica.

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Tem rampa dos dois lados, mas não serve para nada, porque quem é cadeirante, por exemplo, não consegue subir ali no meio. Eu mesmo já tenho que me esforçar para passar por ali. Quem tem dificuldade, não passa", explica Guilherme.

Psicólogo do trânsito, Renan da Cunha Soares Júnior explica que ao pensar sobre mobilidade e acessibilidade, o comportamento das pessoas é influenciado pelo ambiente. “As calçadas têm desnível, têm problemas. A própria utilização da faixa de pedestres é muito baixa. Se estamos em um ambiente favorável ao comportamento seguro, as pessoas tendem a agir assim”.

Passagem na Avenida Afonso Pena com desnível é fator limitante para mobilidade e acessibilidade. (Foto: Paulo Francis)
Passagem na Avenida Afonso Pena com desnível é fator limitante para mobilidade e acessibilidade. (Foto: Paulo Francis)

Conforme explicado por Renan, a mudança ambiental no sentido da urbanização é fundamental para que o comportamento do pedestre seja mais seguro, “assim, ele se reconhece como parte do espaço da cidade”. Por isso, ele completa que o planejamento de trânsito precisa reconhecer de motoristas a pedestres para garantir direitos básicos.

Políticas públicas e multas – Questionada sobre estudos e planos para melhora na acessibilidade para pedestres, a Prefeitura de Campo Grande não enviou resposta à reportagem. Já sobre a conservação e manutenção de calçadas, a Semadur (Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Gestão Urbana) explicou que o Código de Polícia Administrativa regulamenta o passeio público (calçada).

De acordo com a secretaria, os proprietários dos imóveis são obrigados a construir as calçadas e manter o espaço em boa conservação. "Bem como, é proibido embaraçar ou impedir, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres e veículos nas calçadas. Desta forma, o não cumprimento da legislação ocasiona a notificação e caso a irregularidade não seja sanada no prazo legal a mesma é revertida em multa ao proprietário", a nota explica.

Em 2021, a Semadur expediu 762 notificações por obstrução do passeio público e 253 notificações por má conservação do passeio e acessibilidade. O valor das multas variam entre R$ 24,79 por metro de testada (em caso de má conservação), R$ 495,70 a R$ 2.478,50 (por impedir livre trânsito de pedestre em logradouro público).

Ainda sobre as multas, o valor vai de R$ 7.435,50 a R$ 14.871,00 por má execução de rampa. Conforme  a secretaria, a multa também varia em caso de reincidência, gravidade e consequências. Denúncias nestes casos podem ser feitas pelo telefone 156.

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