Fila na Caixa bate recorde de "humilhação" nesta quarta, reclamam trabalhadores
Em todas as regiões de Campo Grande o que se vê são centenas de pessoas no sol e reclamando de problemas para sacar auxílio
As filas que há dias são enormes em frente as agência da Caixa Econômica Federal, nesta quarta-feira ficaram gigantes. Centenas de trabalhadores na tentativa de sacar o auxilio emergencial do governo se misturam as pessoas inscritas no Bolsa Família cujo último dígito do cartão é 9, que começam a receber o bônus de R$ 600,00 também hoje.
Em todas as regiões de Campo Grande, do Centro à periferia, as cenas se repetem. Uma multidão espera horas na fila do lado de fora das agências, por conta da restrição de acesso como medida de controle do coronavírus. Para enfrentar o calor em pé, o jeito é aproveitar a sombrinha dos muros e fachadas.
Mas mesmo quem consegue escapar do sol forte, resume a situação como "humilhante".
Com a filha de 10 anos ao lado na fila, a mais de 500 metros ainda da porta do banco, Janaína Trindade, de 33 anos, diz que ficou feliz ao saber que tinha direito a renda emergencial, mas não imaginava tamanha aglomeração em tempos de coronavírus.
"Tinha visto que tinha fila, mas hoje bateu recorde de humilhação. É uma bagunça, tem gente sacando seguro-desemprego, bolsa família, auxilio do governo...Um monte de gente que nem sabe se vai sacar. O governo tinha de ter criado um jeito menos trabalhoso para a população", critica.
Zahran - Na agência da Avenida Eduardo Elias Zahran, a diarista Lúcia de Andrade, de 53 anos, era a última na fila de cerca de 200 pessoas por volta de 11 horas da manhã desta quarta. Quando a pandemia começou, foi uma das primeiras a perder o emprego na família. Hoje, arrumou a casa e seguiu até o banco para sacar os R$ 600,00. Depois de 50 minutos na fila, ainda haviam 53 na frente dela.
O tempo de espera serve para um contar ao outro como os dias têm sido difíceis. “Minha patroa foi cruel comigo, me demitiu do nada. Agora tenho de enfrentar isso, fazer o que. É humilhante, mas a única ajuda que temos nesse momento”, reclama Lúcia.
Aos 41 anos, Marcos Ximenes já não sabe o que é ganhar dinheiro como segurança particular há meses. Com os eventos proibidos, o jeito foi se cadastrar e pedir o auxílio emergencial. “É humilhante estar aqui, ter de se sujeitar a isso e para receber bem menos do que normalmente ganhava no meu trabalho, mas estou precisando muito”, comenta, ao lembrar da renda antiga que superava os R$ 2 mil.
Um pouco mais a frente na fila, Lucimar Medina, de 58 anos, levou uma cadeira para esperar o saque. Com problemas na coluna, não viu outra solução a não ser se preparar para horas de espera. Antes, peregrinou pela cidade em busca de uma agência mais vazia. "Passei na Caixa Econômica da Avenida Guri Marques, mas tinha muito mais gente lá", relata.
Saída para São Paulo - O recorde da manhã parece realmente na Gury Marques. Com cerca de 300 pessoas aglomeradas, a maioria sem máscara ou distanciamento minimo em filas, as histórias de necessidade são inúmeras.
Cabeleireiro, Leonardo Centurião chegou às 5h30 na fila, mas na madruga diz que já tinha gente por lá. Ele veio de Bandeirantes, porque não há agência da Caixa no município e ele perdeu o cartão do banco.
"Ontem cheguei aqui e tinha tanta gente na fila, ai avisaram que não iam atender mais. Tive de voltar hoje cedinho. Lá em casa, quem segura as contas é minha esposa. Mas preciso sacar o benefício para comprar remédio".
Há 3 anos, Clarice Araújo, de 56, não tem emprego fixo. O último foi de agente comunitário de Justiça. Trabalhou de costureira, vendeu ovos na Páscoa, mas sem clientes na pandemia, a conta corrente esvaziou.
Agora tem de enfrenta o que considera uma big desorganização. "Por 15 dias, meu benefício ficou em analise. Ontem deram ok e eu vim pela primeira vez, mas não deu certo. Tive de vir hoje, Mas cada hora inventam uma coisa para eu não sacar o dinheiro", diz em mais uma dia com esperança de voltar para casa com R$ 600.
Bairro Tijuca - No outro lado da cidade, no Bairro Tijuca, a fila se mantém com mais de 220 pessoas desde que a agência abriu as portas na Avenida Gunter Hans. Sem nenhuma sombrinha, só quem levou guarda-sol ou guarda-chuva consegue amenizar o calor.
Com o bebê no colo, Andressa Pessoa, de 22 anos, diz que durante duas semanas tentou gerar um código para o saque, até de madrugada, e não consegui. "Tive de vir até a agência ontem, me pediram um monte de cópias de documentos e agora voltei", relata.
Desempregado, Osmar de Oliveira, 38 anos, chegou às 8 da manhã e 3 horas e meia depois ainda aguardava 25 pessoas serem atendidas. "É constrangedor. Pessoal da Caixa diz que é fácil fazer tudo por aplicativo, mas o meu auxílio está aprovado há 10 dias e não cai na conta".
De manhã, grupo de uma igreja passou pelo local e distribuiu de graça lanche e suco. Um apoio que ajuda a exercitar a resiliência. Desemprega, Sandra Alves, de 37 anos, está há 2 horas e meia na fila da Caixa Econômica da Tijuca, mas parece conformada. "Isso aqui é até comum, virou algo normal".
A diarista Sandra Batista não tem renda há 2 meses, mas precisa sustentar a filha de 5 anos e não aceita as condições a que tem de se submeter. "Todas as patroas me dispensaram. Imagina passar por isso aqui e ainda no sol. Não era para ter aglomeração assim. Mas a gente tenta pelo site, fala que foi aprovado e nada. É um descaso", reclama.
Uma das poucas com máscara na fila, o risco da covid-19 é algo que também assusta. "Se não fosse pela minha filha, nunca estaria aqui".
Veja imagens da aglomeração no Bairro Tijuca: