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Capital

Mesmo com aviso de fraude, juiz mandou pagar valor a advogada presa

Esposa de juiz, advogada é apontada como mentora de golpe que envolve R$ 5,3 milhões

Aline dos Santos | 31/07/2018 13:41
Emmanuelle, advogada que foi presa (Reprodução/TV Morena)
Emmanuelle, advogada que foi presa (Reprodução/TV Morena)

Arquitetado como golpe perfeito, a disputa na Justiça de Mato Grosso do Sul por R$ 5,3 milhões, com direito a vários processos, traz uma particularidade. O pagamento à advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, esposa de um juiz e presa ontem (dia 30), foi feito mesmo com a informação à 2ª Vara Cível de que o “documento particular de confissão de dívida” era inautêntico. Ou seja, falso.

O Campo Grande News apurou que a 2ª Vara Cível, que tem como titular o juiz Paulo Afonso de Oliveira, foi informada em maio, pela Polícia Civil, sobre a inautenticidade do documento. Mas, em junho, autorizou o depósito de R$ 5,3 milhões para a conta da advogada.

A disputa milionária tem ao menos três processos, sendo dois em primeiro grau e um no Tribunal de Justiça. O primeiro processo, que data de 2016, é movido por João Nascimento dos Santos contra Salvador José Monteiro de Barros. Essa ação corre em segredo de Justiça. Já os processos de Salvador contra João, que tramitam na 2ª Vara Cível e TJ, foram consultados pela reportagem.

Consta na ação de Salvador contra João, que o juiz recusou a realização de exame grafotécnico, apesar da defesa de Salvador, que mora em Petrópolis (Rio de Janeiro), apontar divergência entre a assinatura dele e a que constava no documento de dívida.

Em 19 de junho, o juiz autorizou “a continuidade da execução”. Na mesma data, o valor foi transferido para conta da advogada.

Também aparece no processo um ofício da Dedfaz (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes de Defraudações, Falsificações, Falimentares e Fazendários), datado de 22 de junho, informado que o documento que autorizou a cobrança é inautêntico. Segundo apurado pelo Campo Grande News, informação similar foi repassada em maio pela Polícia ao Poder Judiciário.

Em 6 de julho, o juiz Paulo Afonso de Oliveira levou em consideração a gravidade das informações e revogou a decisão, com a devolução dos valores em 24 horas. A dívida em questão era pela compra da Fazenda Campo Limpo, em Tangará da Serra (MT), com 470 hectares e valor de R$ 6,9 milhões. O documento é de 14 de setembro de 2010.

Reviravoltas - No Tribunal de Justiça, o recurso da defesa de Salvador tramitou na 5ª Câmara Cível com várias reviravoltas. Primeiro, em 9 de maio de 2018, o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso destacou que havia suspeita do documento ser fraudulento, portanto, suspendeu a liberação do dinheiro e mandou avisar o juiz de primeira instância.

“Assim, por cautela e a fim de evitar danos irreparáveis à parte, concedo o duplo efeito à apelação, que ainda se encontra em 1º Grau. Com urgência, expeça-se ofício ao Juízo da causa, sobre o teor do presente recebimento”, diz a decisão.

Mas em 15 de junho, diante de manifestação da defesa de João Nascimento, o desembargador revogou o efeito suspensivo que proibia “mexer” no dinheiro. No dia 2 de julho, a advogada Emmanuelle, que atuava na defesa de João, informou ao desembargador que a conlusão de inautenticidade do documento, feita pela Dedfaz, era “apressada, teratológica (que significa absurda) e apartada da lógica”.

Porém, em 10 de julho, novo entendimento: o desembargador restabeleceu o efeito suspensivo a favor de Salvador. “É a medida mais prudente neste momento, em decorrência da divergência de versões apresentadas pelas partes, bem como da nebulosidade que ainda paira sobre os fatos objeto da demanda”.

Prisões – No dia 4 de julho, numa agência bancária do Santander, em Campo Grande, foram presos José Geraldo Tadeu de Oliveira, que se passava por João Nascimento; Deucineide Souza Custódio e Ronei Oliveira Pégora.

A advogada foi apontada como mentora do golpe. Do valor de R$ 5,3 milhões, ela transferiu R$ 1,8 milhão para a conta de João. A suspeita é que ele seja uma ficção, porque o RG é de uma outra pessoa que mora em Minas Gerais e o endereço informado de residência em Campo Grande é um salão de festa, onde nunca morou. João também assinou procurações para que movimentassem seu dinheiro.

De acordo com o titular da Dedfaz, delegado Maércio Alves Barboza, a defesa de Salvador acionou a Polícia Civil em Campo Grande. “A advogada relatou os fatos e instauramos um inquérito para apurar o crime. São fatos graves e, se não resolvidos, traria prejuízo enorme para uma pessoa. Adotamos a providências e conseguimos impedir que o crime se consumasse de forma definitiva”, afirma o delegado. Apesar da transferência, o dinheiro foi bloqueado.

Máscaras – A defesa de Salvador reclama que não foi feito exame grafotécnico e que é de “uma clarividência ímpar que as máscaras caíram e a Justiça está sendo feita através do trabalho sério da Delegacia de Policia que prendeu o fraudador”. Emanulle é esposa do juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, que no ano passado foi punido com censura pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Ele foi acusado de não seguir os deveres de independência, imparcialidade e prudência ao julgar processos de pagamento de precatórios. A punição significa que fica impedido, pelos próximos dois anos, de concorrer ao cargo de desembargador.

A Justiça convocou para esta tarde coletiva com o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível, onde tramita processo, para falar sobre o caso.

 

Processo mostra diferença de assinatura de Salvador no documento de reconhecimento de dívida e a assinatura normal.
Processo mostra diferença de assinatura de Salvador no documento de reconhecimento de dívida e a assinatura normal.
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