Natal e Ano Novo: a obrigação de ser feliz
A chegada do Natal e do final de ano costuma ser representada pelas mídias sociais como datas cheias de alegria, união familiar e renovação. Contudo, essa época também pode despertar sentimentos ambíguos, ora bons, ora profundamente dolorosos. As luzes, os rituais e a pressão social por felicidade escancaram tanto os vínculos afetivos quanto as faltas, e é justamente nessa ambivalência que se instalam a questão central: por que o Natal desperta emoções tão diferentes e, muitas vezes, contraditórias?
Do ponto de vista social, o final de ano é marcado por algumas expectativas, como, a “obrigação” de estar feliz, de reunir-se com a família, de olhar para trás e fazer balanços de conquistas e fracassos. Porém, para muitas pessoas, isso produz ansiedade, melancolia e sensação de inadequação. A comparação com a vida “ideal” mostrada nas redes sociais, ou até mesmo a pressão interna para que o novo ano seja melhor que o anterior, intensifica o estresse emocional, que pode se intensificar os sintomas se o ano foi marcado por impacto de ausências familiares por lutos, relações rompidas, distanciamentos afetivos que tornam o período, para alguns, uma lembrança viva de perda e vazio. Ou seja, o final de ano pode ser tanto um espaço de reencontro quanto um território de dor.
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Sob a ótica psicanalítica, essas vivências ganham uma dimensão ainda mais profunda. A psicanálise entende que rituais sociais, como festas e datas comemorativas, funcionam como ativadores simbólicos do inconsciente. O Natal, com seu apelo à infância, à fantasia e ao ideal de família harmoniosa, toca diretamente em marcas subjetivas formadas cedo na vida. O “bom” e o “ruim” que emergem nessa época não são apenas reações ao presente, mas ressonâncias de experiências infantis, desejos não realizados e conflitos inconscientes. As reuniões familiares podem reativar dinâmicas antigas, repetindo lugares ocupados na infância, bem como as expectativas de renovação podem provocar angústia diante do impossível de controlar; e o simbolismo do “encerramento” e do “recomeço” confronta o sujeito com a passagem do tempo, a finitude e a exigência de desejar novamente.
Dessa forma, pensar sobre o Natal e o Ano Novo não os coloca em posição boa ou ruim, mas catalisadores de processos psíquicos complexos. Eles expõem o sujeito ao encontro com o real de suas perdas, limites e expectativas, ao mesmo tempo em que permitem elaborar desejos, investir em novos projetos e reencontrar afetos. Do ponto de vista psicanalítico, a pergunta não é se o Natal provoca sentimentos bons ou ruins, mas o que esses sentimentos revelam sobre a história singular de cada sujeito. O que angustia não é a data em si, mas aquilo que ela convoca lembranças, fantasias, faltas e ideais.
A época de festas evidencia a pluralidade do humano, para alguns, é um tempo de celebração, para outros, de recolhimento e dor e também para muitos, é ambos ao mesmo tempo, no entanto se tem processo terapêutico (psicoterapia, com psicólogo) consegue-se sustentar e colocar limites e implicações no convívio festivo. Reconhecer essa complexidade, sem romantizações ou imposições, é o primeiro passo para lidar com a ansiedade e o estresse que podem surgir. E é justamente nesse ponto que o olhar psicanalítico se torna fundamental, ele não aponta um caminho único, mas convida cada sujeito a compreender o sentido singular que o Natal e o final de ano assumem em sua própria trajetória.
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(*) Lia Rodrigues Alcaraz é psicóloga formada pela UCDB (2011), especialista em orientação analítica (2015) e neuropsicóloga em formação (2024). Trabalha como psicóloga clínica na Cassems e em consultório.

