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Economia

Celulose pressiona cidades e força Senado a buscar soluções para crescimento

"Prefeito teve até um infarto um dia desses diante do estresse", diz senador sobre o boom no setor

Por Viviane Monteiro e Vasconcelo Quadros, de Brasília | 26/06/2025 09:37
Celulose pressiona cidades e força Senado a buscar soluções para crescimento
Plenário do Senado em Brasília (Foto: Jonas Pereira/Aggência Senado)

O crescimento econômico acelerado dos municípios que integram a chamada Rota da Celulose, Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo, Inocência e Bataguassu, tem superado as expectativas e provocado desequilíbrios entre a oferta e a demanda por serviços e, especialmente, por moradias. As cidades enfrentam dificuldades para abrigar os trabalhadores contratados pelas indústrias de papel e celulose instaladas em Mato Grosso do Sul.

RESUMO

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O crescimento acelerado das cidades que integram a Rota da Celulose em Mato Grosso do Sul tem gerado desafios significativos na infraestrutura local. Em Inocência, a instalação da empresa chilena Arauco, com investimento de US$ 4,6 bilhões, deve gerar 6 mil empregos permanentes e 14 mil temporários, pressionando uma cidade de apenas 8 mil habitantes. O Senado Federal, por meio do senador Nelsinho Trad, planeja realizar uma audiência pública no segundo semestre para discutir soluções para os municípios afetados. A região enfrenta escassez de moradias e serviços básicos, enquanto se prepara para receber grandes investimentos do setor de papel e celulose.

A avaliação é do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que, em entrevista ao Campo Grande News, em seu gabinete no 14º andar de um dos prédios das duas torres em forma de H no Congresso Nacional, anunciou que coordenará uma audiência pública no segundo semestre para discutir o novo perfil da economia regional. O objetivo é reunir prefeitos e demais partes envolvidas para buscar soluções e planejar uma infraestrutura compatível com o ritmo do desenvolvimento regional.

Como exemplo, o senador citou o investimento da empresa chilena Arauco no município de Inocência. Em abril deste ano, foi lançada a pedra fundamental da futura fábrica de celulose, com recursos de US$ 4,6 bilhões e capacidade prevista para produzir 3,5 milhões de toneladas anuais de celulose de fibra curta. A unidade industrial, que deve entrar em operação até 2028, tem potencial para mais que triplicar o PIB do município, gerando 6 mil empregos permanentes e até 14 mil contratações no pico da obra, previsto para o fim deste ano.

Nelsinho destaca que o número de empregos projetado equivale a quase o dobro da população atual de Inocência, que gira em torno de 8 mil habitantes. A rápida expansão tem preocupado as lideranças locais, além de pressionar os preços dos imóveis.

“Imagina a sua cidade, de um dia para o outro, ter de aumentar significativamente o número de habitantes, como está ocorrendo hoje. Onde colocar todo mundo para morar?”, questionou o senador.

Ele também mencionou o interesse de países asiáticos, especialmente a China, nos projetos da Rota Bioceânica. “Os nove países do continente asiático toparam porque o projeto reduz em até 40% o custo do frete”, afirmou. O entendimento é de que a Rota prevê acesso a um mercado de novos 700 milhões de consumidores e eliminação de 80% das tarifas.

Como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Nelsinho Trad destacou ainda a importância da aprovação do Acordo Mercosul-União Europeia, prevista para este ano, em meio às medidas protecionistas dos Estados Unidos sob a gestão do presidente Donald Trump.

Segundo ele, o acordo está pronto para ser ratificado e trará benefícios diretos aos produtores brasileiros, em especial aos de Mato Grosso do Sul, onde o agronegócio representa mais de 30% do PIB estadual. “A bola está na linha do gol para ser empurrada pra dentro”, afirmou o parlamentar, que encerra neste mês um ciclo de cinco anos consecutivos à frente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul), período marcado principalmente pela retomada das negociações do acordo com a União Europeia, que estava parado há mais de 20 anos.

Celulose pressiona cidades e força Senado a buscar soluções para crescimento

Veja a entrevista:

Quais os desafios para consolidar a Rota da Celulose? 

Os três maiores grupos de papel e celulose do mundo decidiram se instalar nos municípios de Inocência, Água Clara e Bataguassu. Outro grupo já se instalou em Ribas do Rio Pardo. Eu vou propor uma audiência pública no segundo semestre com os quatro municípios que envolvem a Rota da Celulose, que estão com capacidade habitacional esgotada, porque os investimentos das empresas de papel e celulose estão atraindo muita gente para região. Vou chamar unidades do governo que têm a ver com isso.

Pra quê? Você é prefeito de Inocência, onde foi implementada a empresa Arauco Papel e Celulose que, por exemplo, pretende contratar 8 mil pessoas para mão-de-obra, o mesmo número de habitantes da cidade. Imagina a sua cidade de um dia para o outro ter de aumentar o número de habitantes de 8 mil para 16 mil, como está ocorrendo hoje. O prefeito teve até um infarto um dia desses diante do estresse. Onde vai colocar todo mundo para morar?

Quais os desafios para manter os investimentos no Estado diante da retirada dos incentivos fiscais previstos na reforma tributária? 

Essa é uma preocupação para os estados que precisam oferecer incentivos para poderem atrair investimentos. Precisamos ter calma por ora, porque a reforma tributária vai começar a valer a partir de 2033. O que devemos fazer, agora, é ganhar espaço para podermos avançar.

O que pode ser feito para evitar os impactos negativos? 

Essa é uma tabulação para quem está na linha de frente do governo. É uma ação de Executivo e tenho encampado todas as propostas que o governador Eduardo Riedel tem me trazido, para poder fazer as compensações de eventuais perdas que a reforma tributária possa ter em nosso estado. Pela boa relação com o relator da reforma, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), Mato Grosso do Sul está sendo menos prejudicado em relação ao que poderia ser com a reforma.

As empresas que fizeram investimentos vão permanecer no Estado?

Com certeza. Estamos no coração do Brasil.

De onde estão saindo os recursos para adequar a infraestrutura às novas exigências da economia? 

Os recursos estão saindo das emendas parlamentares e de projetos que estão sendo bem desenhados pelo governo. É uma engenharia.

Na comparação com outros estados, a bancada de Mato Grosso do Sul é a que mais investiu em infraestrutura no Brasil: 80% dos recursos de bancada foram para obras de melhoria na infraestrutura. Como o Eduardo Riedel fala, ‘esse é um problema, mas é um bom problema’. Isso porque o desenvolvimento força a duplicação de estradas, força mais postos de saúde, mais creches, mais habitação e mais aeródromos para pouso de avião. No Estado existem 21 cidades com obras de aeródromos em andamento que, atendem, por exemplo, empresários que não andam pela rodovia e preferem o avião para descer no lugar onde realizará o seu negócio.

Qual a probabilidade de sair o propalado acordo Mercosul-União Europeia e que impactos ele teria na economia? 

Diante da “super tarifa” americana aplicada no mundo afora é prudente buscar novos mercados. Fecham-se portas, mas estamos buscando abrir janelas de oportunidades. O que está no horizonte, bem próximo, é o acordo de livre comércio do Mercosul-Brasil com a União Europeia. É um acordo amplo tanto para o agronegócio como para a indústria que deve abrir frentes de novas oportunidades de negócios.

É importante finalizar logo esse acordo e o momento é agora. O Brasil está na presidência do Mercosul e o acordo está redondo entre os países do Mercosul. As resistências na Europa permanecem (principalmente de parlamentes franceses em defesa dos produtores rurais locais) porque o nosso produto do agro é competitivo. Isso é compreensível. A sorte hoje, porém, é de que a grande maioria está a favor do acordo e há chance de avançarmos isso ainda este ano. A bola está na linha do gol para ser empurrada para dentro.

Quais os benefícios desse eventual acordo?

Em termos de números, é muito relativo ou subjetivo falar sobre o que vai acontecer. Mas surgirá, no horizonte, um monte de oportunidades para tabular novos negócios. O importante é que o País sairá, um pouco, da dependência americana e asiática e diversificará os negócios com a Europa.

Por que países como a França resistem? 

O setor agro dos países que são fortes é contra, sabendo que a nossa carne é a melhor. Sabem que a nossa soja e milho são os melhores, por exemplo. Sabem que nossos produtos de agro são de extrema qualidade e chegam lá competitivos. Então, é natural que haja essa resistência.

O gesto de Lula, se aproximando do presidente da França, Emmanuel Macron, pode surtir efeitos ou é só política? 

(Lula) foi prudente. Vejo como uma tentativa de buscar uma solução. Como eles vão se entender, com o Lula aqui e o Macron lá? Tem de ir atrás, sim, buscar o diálogo, sentar pra conversar, fortalecer o laço amigável, diplomático, pra os negócios vingarem.

Considerando que esse é um pleito antigo, o que mudou em relação ao cenário brasileiro? 

Estamos numa posição favorável, agora, porque esse problema americano (tarifaço) acaba sendo uma solução pra nós, já que Trump elevou as tarifas para toda a Europa. Eles vão querer continuar trabalhando com uma tarifa comercial lá em cima? Não vão. Buscarão outras alternativas e uma delas está em nossa cara e, nesse caso, o Brasil pode fazer do limão uma limonada.

Existe possibilidade de a China investir na Rota Bioceânica, conforme ficou sinalizado em encontro do presidente Lula na China? 

Os nove países do continente asiático toparam porque o projeto barateia em 40% o custo do frete. Há interesse da China, assim como da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), que reúne os países do continente asiático, entre os quais, Indonésia, Malásia, Cingapura e Taiwan. Esses são os primeiros mercados a receberem os produtores de embarcações que saem do Pacífico. Para enviar os produtos é necessário ter gente que queira receber. E nós já falamos com todo esse pessoal em reunião. A ida pela Rota encurta o trajeto em 14 dias de viagem, o equivalente a 8 mil quilômetros marítimos em relação ao percurso realizado pelo canal do Panamá.

De que forma a China poderia participar desse projeto? 

O desdobramento sobre a parte estrutural de agregação de valor da Rota deve ocorrer a partir do momento em que o traçado estiver pronto, por volta de 2027. Para isso, as aduanas dos quatro países têm de estar redondas. Porque, caso contrário, no decorrer da fiscalização, haveria perda na economia prevista no percurso. Isso está tudo sendo engenhado. O pilar da Ponte da Bioceânica (que liga Porto Murtinho, no Brasil, a Carmelo Peralta, no Paraguai), por exemplo, parece um prédio de vinte andares ‘que se perde de vista’. As obras são gigantescas.

De que forma esse corredor influirá na economia de Mato Grosso do Sul?

Será um impacto muito positivo. A partir do momento em que se abrem frentes de negócios com os países asiáticos, a tendência é de redução de preços para quem está comprando e isso deve favorecer o fluxo de comércio. Quem vai se beneficiar com isso? Quem está vendendo, exatamente os países da rota: Brasil, Paraguai, Argentina e Chile. Nesse caso, o Centro-Oeste é a região a ser mais beneficiada, porque a Rota cruza toda essa região, de ponta a ponta.

A Rota Bioceânica vai mudar o perfil socioeconômico do Estado impulsionando ainda mais a economia local. Não é à toa que os empresários estão indo para lá.

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