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Educação e Tecnologia

Professor censurado na infância cria material didático para salvar idioma terena

Junto com equipe, ele publicou livro e hoje trabalha para formar multiplicadores do idioma

Por Inara Silva | 17/06/2025 06:06
Professor censurado na infância cria material didático para salvar idioma terena
Professor Arcenio Francisco Dias com o livro “Vemó’u: Xunako Ûti”. (Foto: Divulgação)


RESUMO

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Professor terena luta para preservar e propagar seu idioma. Arcenio Francisco Dias, especialista em Língua e Cultura Terena, lidera projeto na aldeia Limão Verde, em Aquidauana (MS), para produção de material didático e formação de professores. O livro "Vemó’u: Xunako Ûti" (Nosso Idioma: Nossa Força) é fruto de edital do Ministério da Cultura e já capacitou 40 professores da comunidade. Apesar da garantia legal do ensino bilíngue em escolas indígenas, Dias aponta a falta de incentivo governamental. Ele defende remuneração adequada para pesquisa e criação de materiais. O professor também é autor do livro "Voltando a falar o nosso idioma", utilizado no Ensino Médio. A Constituição, a LDB e outras legislações garantem o ensino da língua materna, mas a realidade ainda apresenta desafios para a preservação da cultura indígena.

Entre as memórias da infância, ele se recorda perfeitamente de quando era proibido de falar a língua terena na escola indígena. A ameaça de castigo e a autoridade dos professores intimidavam os pequenos estudantes.

“Eles diziam que não nos entendiam e obrigavam as crianças a falarem o português. Por isso, era muito raro alguém fazer perguntas na aula”, explica o professor Arcenio Francisco Dias, de 54 anos.

Atualmente, Dias trabalha para que o idioma terena seja ensinado e preservado na aldeia indígena Limão Verde, em Aquidauana, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Especialista em Língua e Cultura Terena pela Universidade Estadual (UEMS), ele lidera um grupo de sete educadores que se uniram para produzir o próprio material didático e formar professores multiplicadores do idioma na comunidade.

O grupo disputou e venceu o edital Programa Olhos D’água, do Ministério da Cultura, e conseguiu produzir 150 exemplares da cartilha “Vemó’u: Xunako Ûti”, que em português significa “Nosso Idioma: Nossa Força”.

Multiplicadores da língua materna

Após a publicação, o livro “Vemó’u: Xunako Ûti” foi distribuído nas duas escolas da aldeia e os autores ministraram uma formação voltada para 40 professores da comunidade, sendo que alguns reproduziram essas oficinas para estudantes do Instituto Federal em Aquidauana. A proposta de formar professores é multiplicar o conhecimento e revigorar o idioma.

Professor Arcenio ressalta que, embora previsto na lei, as escolas indígenas têm pouco incentivo governamental para investir no idioma. Ele defende que os docentes precisam ter horas e remuneração para se dedicarem à pesquisa e à elaboração de materiais didáticos, pois ainda há muito o que ser pesquisado sobre o idioma terena.

Professor censurado na infância cria material didático para salvar idioma terena
Professor Alberto ministra oficina do idioma terena para professores da Aldeia Limão Verde (Foto: Divulgação)

Livros em Terena

“Vemó’u: Xunako Ûti” é o resultado de um catálogo de materiais que o professor Arcenio Dias organizou ao longo dos anos como docente. A obra inclui alfabeto e gramática terena, num total de 67 páginas voltadas para o ensino de professores. Este é o segundo livro sobre o idioma escrito pelo professor.

O primeiro foi “Voltando a falar o nosso idioma”, que está em sua terceira edição, usado nas aulas do Ensino Médio e que tem sido comercializado nas escolas indígenas. Esse primeiro livro foi criado no período em que Arcenio foi professor do idioma e não dispunha de material didático.

O fato o levou a elaborar a ementa e seu próprio livro, que aos poucos foi integrado às referências bibliográficas dos demais professores da escola e também no Ensino Fundamental. O professor afirma que, na época, em 2009, tentou incentivo junto à Secretaria de Estado de Educação, mas não foi bem sucedido. Mesmo assim, fez o livro por conta própria.

Direito ao Idioma

Desde 1988, a Constituição Federal garante o ensino bilíngue nas aldeias indígenas de todo o país. No entanto, nem todo indígena domina a língua materna. Professor Arcenio Francisco Dias lembra que muitos fatores contribuíram para que o idioma deixasse de ser falado na aldeia.

“De forma geral, o indígena só passa a ter direito reconhecido em 1988. Antes, as próprias pessoas da Funai (Fundação Nacional do Índio) e SPI (Serviço de Proteção aos Índios), que eram para nos defender, não deixavam falar a língua em sala de aula”, lamenta o professor.

Arcenio Dias conta que foi necessário ter muita persistência para seguir com os estudos e acredita que a falta de compreensão do conteúdo aliada à ausência de interação prejudicava o aprendizado, o que fez com que a maioria dos alunos não concluísse o Ensino Fundamental.

O que diz a lei

Na Constituição Federal, em seu artigo 210, consta que o “ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.

O ensino da língua materna também está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), que em seu artigo 78, diz que  “desenvolverá programas integrantes de ensino e pesquisa, para a oferta de educação bilíngue intercultural aos povos indígenas”.

Há ainda o Decreto nº 6.861/2009 que detalha a Educação Escolar Indígena, focando na valorização cultural e linguística; e a Resolução CNE/CEB nº 5/2012 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais e orienta a implementação da educação bilíngue e intercultural, ministrada por professores indígenas.

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