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Arquitetura

Jardineiro transforma barraco em palácio, com madeira e tintas que achou no lixo

Paula Maciulevicius | 18/12/2014 06:12
 Placa pendurada no portal indica o artista que ali mora: Joaquim Jardineiro: 9211-2837 9614-1768. (Foto: Marcos Ermínio)
Placa pendurada no portal indica o artista que ali mora: Joaquim Jardineiro: 9211-2837 9614-1768. (Foto: Marcos Ermínio)

E é no meio dos barracos do Jardim Noroeste, próximo ao lixo, que surge a cena: uma fachada de tábua de madeira pintada à mão, com direito a jardim, carro de boi e até mesinha com cobertura. A placa pendurada no portal indica o artista que ali mora: Joaquim Jardineiro: 9211-2837 9614-1768. No primeiro contato, ele diz que a gente pode se achegar que agora ele está em casa, na própria, fazendo "paisagismo".

Seu Joaquim jardineiro tem 56 anos e o sobrenome Soares da Silva. De sorriso largo, é fácil arrancar dele uma gargalhada. E a gente que está perto também se contagia e ri junto. Esta é uma das pautas que daria uma série, "eu amo as pessoas" e do quanto as melhores histórias estão e vem delas.

"Eu aprendi sozinho, assim, olhando e copiando. Nunca tive escola não", explica sobre a profissão de jardineiro. Já sobre a pintura, ele diz que aprendeu com um colega que trabalhou junto. "Ele fazia vaso de cimento, eu também faço, era ir olhando e copiando. Mas meu sonho mesmo era gravar um CD. Deus me deu um dom muito bonito para mim", revela.

Tem mais de ano que ele ocupa um dos barracos no Jardim Noroeste, mais exatamente na Rua Acuri. No entanto, a casa dele não pode ser chamada assim. Seria desqualificar o trabalho braçal de oito meses. Enquanto saía de casas chiques, seu Joaquim Jardineiro voltava para a lida, de erguer a própria moradia.

A varanda é encantadora. Tem plantas para todo lado, cadeiras para se sentar e conversar. (Foto: Alcides Neto)
A varanda é encantadora. Tem plantas para todo lado, cadeiras para se sentar e conversar. (Foto: Alcides Neto)

"Eu que fiz essa casa. Foi tirado tudo do 'buraco'. É tudo de lá, a madeira eu juntava e trazia no carrinho de mão". As frases saem com tanto orgulho como se ele apresentasse um palácio. Para ele talvez seja a casa mais bonita que já viu, feita a partir do que ele retira do lixo vizinho.

A varanda é encantadora. Tem plantas para todo lado, cadeiras para se sentar e conversar e até um guarda-sol, quem sabe uma imitação daqueles que ele vê ao redor das piscinas. "Tem banheiro dentro de casa e de visita", apresenta. Na verdade, se trata de uma suíte, um quarto grande seguido de banheiro. A cozinha é bem maior que a do meu apartamento, a sala guarda uma televisão, um sofá e o bem mais precioso da casa: o violão, em cima do armário.

Quando pergunto se ali se vive sozinho, seu Joaquim responde: "sozinho sim, eu tinha mulher, mas ela foi embora" e mais que depressa aparece 'Like', a cadela que lhe faz companhia. No anseio de conhecer a casa, acabei não lhe perguntando a grafia do nome. Fica assim 'Like' e se não for, de antemão, peço desculpas.

No primeiro contato, ele diz que a gente pode se achegar que agora ele está em casa, na própria, fazendo "paisagismo". (Foto: Alcides Neto)
No primeiro contato, ele diz que a gente pode se achegar que agora ele está em casa, na própria, fazendo "paisagismo". (Foto: Alcides Neto)
Seu Joaquim jardineiro tem 56 anos e o sonho de virar cantor. (Foto: Alcides Neto)
Seu Joaquim jardineiro tem 56 anos e o sonho de virar cantor. (Foto: Alcides Neto)

"Aqui era só chão. Eu que aterrei e fiz o piso, trouxe a cozinha para cá. Peguei o nível certinho. Ela é bem grandinha, deve ter uns, espera aí" e dispara a contar por passos quantos metros a casa tem. Chega a um resultado: 10x8. A varanda tem lírio da paz, beijo, pingo de ouro, bico de periquito, gerânios e mais um monte de flores e plantinhas. Ao lado, ficam os instrumentos de trabalho, as ferramentas que vão e voltam do Noroeste com ele, de bicicleta. "O dia que tem serviço, tem. O dia que não tem, não tem".

Nascido em Dourados, seu Joaquim chegou a formar a dupla "Campeão e Vencedor" com o irmão já falecido, "finado Zé", como ele diz. Os dois tocavam em circos montados pelo Estado, mas pararam devido à saúde do irmão. E antes mesmo que a gente peça qualquer 'palhinha', ele começa a afinar o violão.

"Vou tocar 'Sereia' do Zé Rico, mas olha, eu não sei se vair sair bonito para vocês porque eu não ensaiei não", avisa. A voz e o dedilhado no violão arrancam nossos aplausos. "Eu tinha o sonho de ser cantor de mostrar minhas composições", desabafa.

Ipê roxo, céu, rio e pedras compõem o paisagismo da fachada da casa do seu Joaquim. (Foto: Alcides Neto)
Ipê roxo, céu, rio e pedras compõem o paisagismo da fachada da casa do seu Joaquim. (Foto: Alcides Neto)

E nem aí ele fica triste. Acho até que tristeza não tem vez e nem voz naquela casa. Pergunto afinal: para quem ele fez tudo aquilo? "Para mim e os amigos que chegam em casa. Eu gosto de coisa bonita. Dá para fazer sem ter muito dinheiro. Eu sou feliz aqui", ensina. 

A fachada, que foi o que nos chamou atenção, acaba que serve para várias outras casas que estão ali, pelo corredor. A grama da frente, que ele insiste em dizer que ainda não está toda prontinha, são as sobras do jardins que ele vem fazendo.

A tinta das tábuas de madeira também são do 'buraco'. Quando questiono se são mesmo, ele confirma dizendo que algumas teve de comprar, mas que eu não posso imaginar o que 'cai' lá dentro. 

Já são dois meses trabalhando no paisagismo da fachada. Mas isso ele explica que é porque não pode correr 'direto', precisa sair e trabalhar. "Primeiro é tudo de branco, aí deixa secar bem, joga segunda mão e na terceira vai desenhando", descreve.

O desenho começa do lado esquerdo, na ponta, a partir da rua. "Ela vem de lá para cá, essa estrada aqui", sinaliza. A ponte que a gente vê é uma cópia da imagem gravada na memória de seu Joaquim. "Eu copiei daquela que passa para ir pra São Paulo, sabe? Aí aqui tem mato, pedra, rio. Aqui é o céu, tem ipê roxo. Esse outro não deu flor ainda, porque não é a época". Na criatividade do jardineiro, as flores só vão aparecer quando a temporada mandar. O que nascer na cidade, também se abrirá ali, na humilde fachada do Noroeste.

A cabeça de leão, imagino eu, que seja a parte de uma fonte, também descartada. "É essas coisas que eles põem de piscina sabe? A roda aqui, eu fiz um carro de boi", completa.

Diante de talento e esforço, pergunto o que faltou na vida do Joaquim jardineiro. "Faltou pra mim foi estudo. Vivi na roça, se tivesse estudo, quem sabe eu era alguma coisa na vida, mas tá bom. Hoje agradeço é pelo trabalho, eu tiro o chapéu para quem trabalha igual eu". A gente também.

"Aqui eu ainda quero por uma tela, fechar e plantar coqueiro. Da próxima vez que você vier vai tá gramado até aqui", avisa. Além da placa, peço para ele se posso colocar o número de telefone na matéria. Ele diz que eu estaria fazendo uma grande gentileza e que o anúncio ali, também é de grande valia. "Tem muito freguês que me chama, porque já viu onde eu moro", justifica. "Faço jardim e paisagismo", pontua. Também faz a gente rir e sair feliz seu Joaquim jardineiro. 

Esta é uma das pautas que daria uma série, "eu amo as pessoas" e do quanto as melhores histórias estão e vem delas. (Foto: Alcides Neto)
Esta é uma das pautas que daria uma série, "eu amo as pessoas" e do quanto as melhores histórias estão e vem delas. (Foto: Alcides Neto)

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