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Comportamento

Bateram no amor da vida de seu Jorge e relojoeiro da cidade agora é só tristeza

Paula Maciulevicius | 20/10/2015 06:49
Bateram no Fusca de seu Jorge e como quem tira o amor de alguém, levaram o sorriso do velho motorista. (Foto: Silas Souza)
Bateram no Fusca de seu Jorge e como quem tira o amor de alguém, levaram o sorriso do velho motorista. (Foto: Silas Souza)

Bateram no amor da vida de seu Jorge. Foi assim que a notícia chegou à redação. Jorge Fraiha é o relojoeiro na ativa mais antigo da cidade, que fica na esquininha das ruas Antônio Maria Coelho e José Antônio. A paixão dele ia do tic tac dos relógios para o ronco do motor do fusquinha vermelho, ano 75. No meio da festa de 88 anos, realizada no último sábado, na casa do filho, bateram no Fusca e como quem tira o amor de alguém, levaram o sorriso do velho motorista.

"Agora vai dar trabalho para arrumar, a gente trouxe ele no braço para o quintal", conta o filho de Jorge, Daniel Alves da Silva, de 37 anos. Segundo a família, uma festa nos vizinhos acontecia desde de manhã e no final da noite, um casal brigou e a mulher saiu com o carro da garagem. "Ela deu ré, saiu cantando pneu e rampou no Fusca". As palavras saem da boca do filho como quem atesta o óbito. A vítima? O Fusca vermelho do pai. 

"Era meu aniversário e olha só o meu presente?" A tristeza tomou conta do velho relojoeiro como quem chega para ficar. Acabou-se a festa, o aniversário, a comemoração, mesmo diante de 88 anos de motivos para se alegrar. Talvez pelo desânimo, seu Jorge nem quer falar de aniversário. Quando bateram no fusquinha, tiraram dele um pedaço do coração.

Nem do aniversário e nem de festa, o sorriso só volta com o conserto do Fusca. (Foto: Silas Souza)
Nem do aniversário e nem de festa, o sorriso só volta com o conserto do Fusca. (Foto: Silas Souza)

"Acabou com meu carro, a porta não abre... Mas nós já estamos procurando outro", diz. Pergunto se é outro Fusca e ele deixa claro que é só a carcaça. "Para pintar e colocar nesse". A gente entende, desse Fusca seu Jorge não quer sair.

Há quase dois anos o fusquinha passou por uma geral, desde motor à parte elétrica e até som o vermelhinho tem hoje. "Gastei 7 mil reais", lembra seu Jorge. O Fusca está na família desde 1979, ele teoricamente é o terceiro dono. O filho quem comprou e depois negociou com o pai. "Foi meu primeiro carro. As pessoas sempre me perguntam o preço, querem comprar, até bilhete já deixaram, mas meu Fusca não tem preço", propaga em alto e bom som.

De tanto encherem, seu Jorge um dia falou: "quer comprar? É 50 mil reais. Se eu estou louco? O Fusca é meu, estou dizendo que não tem preço, compre um e reforme para você". Recado dado, parece que ninguém mais perguntou. "Não tem preço porque é a minha vida", explica. Seu Jorge diz que sempre andou "bem" nele. O bem aí é traduzido pela família como "rápido".

E lá se foi o fusquinha de seu Jorge. Porta não abre e lateral foi toda amassada. (Foto: Silas Souza)
E lá se foi o fusquinha de seu Jorge. Porta não abre e lateral foi toda amassada. (Foto: Silas Souza)

O vermelhinho já pegou muita estrada, mas hoje levava só seu Jorge e a esposa Sirley pela cidade, além de buscar os netos no colégio. "Eu não sei andar nessas porcarias aí, eu só quero meu Fusca", frisa.

Diz que na noite do acidente não foi barulho, foi estrondo como se a casa tivesse caindo. Comparação que chega mais perto do mundo de seu Jorge que caiu depois da batida. "Eu só gritava: meu carro. Mas não me deixavam sair lá fora, queriam me dar remédio para a pressão", conta o relojoeiro.

Pergunto se seu Jorge chorou. Ele nega, a família afirma que sim e os olhinhos de agora entregam. Ele quase chora só de lembrar, imagina vendo? Mas o choro teve companhia, a netinha Emmanuelly, de 8 anos. "Eu gosto do fusquinha do vovô", dizia a menina.

No desespero, ela se ofereceu de vender pastel para ajudar no conserto. "Vai custar R$ 2, vai ter de carne e de queijo", anuncia a garotinha. O mecânico de seu Jorge deve avaliar o que pode ser feito para salvar o Fusca. Por enquanto, a garagem impecável da relojoaria e casa do velho motorista agora tem uma parte faltando, o vermelhinho.

"Meu xodó", completa. A esposa, Sirley brinca que ainda bem que o amor da vida dele é o Fusca e não outra mulher. Quem souber de carcaça para o Fusca, passa lá na relojoaria do seu Jorge, um muro verdinho exatamente no encontro da José Antônio com a Antônio Maria Coelho.

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Seu Jorge e a netinha que quer vender pastel para ajudar no conserto. (Foto: Silas Souza)
Seu Jorge e a netinha que quer vender pastel para ajudar no conserto. (Foto: Silas Souza)
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