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Comportamento

Disputado por duas, Oroildo será pedido em casamento se arrumar os dentes

Paula Maciulevicius | 12/09/2014 06:21
Os olhinhos fechados são de um problema de vista que ficou, quando um dos últimos dentes foi arrancado. (Foto: Marcelo Callazans)
Os olhinhos fechados são de um problema de vista que ficou, quando um dos últimos dentes foi arrancado. (Foto: Marcelo Callazans)

Entre Dalva e Cida, ele escolheu a primeira. Agora para se casar, a condição imposta pela namorada é de que ele arrume uma dentadura. Figura conhecida no bairro São Conrado, em Campo Grande, seu Oroildo Cavalheiro tem 76 anos e uma vontade de viver como se o passar do tempo fosse dando a ele mais jovialidade.

"Nós brigamos. Namorei outra mulher, ela veio dormir aqui comigo e a Dalva descobriu. Ela veio aqui para nós discutir e embraveceu. Eu falei: 'se você ficar comigo, eu vou mandar ela embora'. Eu não tinha nada com a outra. Escolhi a Dalva e estamos até hoje", conta.

"Dalvinha", como a chama carinhosamente, foi quem apareceu na porta de seu Oroildo para ir ao baile numa sexta-feira há dois anos. Nascido na "cabeceira do Apa", como prefere identificar, o senhorzinho cheio de história morava em Ponta Porã e só veio para a Capital em 2010.

Nascido na "cabeceira do Apa", o senhorzinho cheio de história morava em Ponta Porã e só veio para a Capital em 2010. (Foto: Marcelo Callazans)
Nascido na "cabeceira do Apa", o senhorzinho cheio de história morava em Ponta Porã e só veio para a Capital em 2010. (Foto: Marcelo Callazans)

"Como eu não conhecia ninguém, a agente de saúde do bairro falou que ia mandar uma mulher aqui para me levar no baile do Cras. Eu fiquei com a Dalvinha aí. Às vezes nós brigamos, eu vou embora, ela vai embora. Aí a gente começa tudo de novo e assim vai".

No Cras (Centro de Referência de Assistência Social) do bairro, seu Oroildo estuda o ensino fundamental. Alfabetizado ele foi, numa época em que se caminhava um "par de léguas", como conta, e com pé no chão pela falta de sapatos, mas que agora precisa aprender tudo de novo. Na escola, sentam ele e Dalva juntos.

Ciumenta que só vendo, Dalva não esteve na entrevista. Apesar de ser vizinha de rua, ela estava na fisioterapia. "Ela diz que tem 62 anos, que faltam três para se aposentar. A gente não namorava, só paquerava no baile e quando ela vinha tomar tereré comigo. Eu pedi: você quer namorar comigo? Ela disse que era para dar um tempo que fazia poucos dias que tinha largado de um paquera. Ela não aceitou, mas depois aceitou".

O convite para o tereré merece o registro. Sem beber e sem fumar, o único vício do velhinho é o tereré. (Foto: Marcelo Callazans)
O convite para o tereré merece o registro. Sem beber e sem fumar, o único vício do velhinho é o tereré. (Foto: Marcelo Callazans)

Aposentado pela idade, Oroildo já foi de tudo um pouco nessa vida. As mesmas sete décadas também lhe trouxeram motivos para que o sorriso não lhe ocupasse o rosto. Coisas que ele prefere deixar no passado, para que a tristeza não tome conta. Nos anos 90 ele ficou viúvo. A mulher morreu ao ser arrastada por um ônibus. Dos 10 filhos que teve, quatro já se foram, um vítima de assassinato, outros de câncer.

"Já fui pedreiro, pintor. Essa casa aqui, nós que fizemos. Sou encanador, faço roça, lavoura", se apresenta. Só que hoje ele vive de contar e se envolver em 'causos', o mais recente é este: "ela me falou: você arruma os dentes para nós casar. Daí que eu estou arrumando né? Lá na cidade, a doutora é boazinha que só".

A pedido de Dalva, Oroildo foi procurar por uma prótese. Sem qualquer dente na boca, ele procurou primeiro pelo serviço do SUS. "Eu já ia arrumar, mas aí ela mandou. Eu fiz a inscrição, mas levava seis meses para ir o pedido.

Disseram que iam ligar, já passou e nada. Um conhecido meu falou que levou dois anos. Ah, não. Não vou esperar não. Eu estou pagando, mas a doutora vai botar obturação de ouro em mim. Aí vamos ver se a Dalva vai querer casar ou não", brinca.

O casamento deve ser só na teoria, porque na prática cada um vai continuar na sua casa. A relação está bem moderna para a idade do casal. "Ela fica na casa dela e eu na minha. Aí um dia a gente janta aqui, no outro janta lá. Ela não quer largar a casa dela, nem eu a minha".

No baile, Dalva só dança polca. Para os demais ritmos, Oroildo tem outras parceiras. "Se eu danço com outras? Danço uai. Dançar não tira pedaço de ninguém". A frase tem sentido, mas é de se espantar que entre Dalva e Cida, Oroildo dance com as duas.

"Eu danço. Nós não brigamos. Não dei um tiro nela e nem ela em mim, então estamos na paz de Deus". Pergunto se Dalva não fica com ciúmes. "E adianta? Ela não sabe dançar", responde de supetão. "E se eu não vou, aquela velharada morre naquele baile lá, porque não sai nenhuma dança", brinca.

Aos 76 anos, ele ainda acredita no amor e, mais ainda, no amor que sente por Dalva. "Mas é claro que eu amo. Não sei se ela me ama, mas eu amo demais. O amor é bom para quem tem fé, se não tem fé, não tem amor". Sábias palavras seo Oroildo.

No fim da entrevista, ele resume que para ser feliz não precisa de muita coisa não. "Estando com saúde, a gente sempre é feliz. Pior coisa que tem é a gente ficar doente, o que atrapalha a gente é a doença. Não estando brigando (nem com Dalva e nem com Cida) e nem doente, tudo o que você vai ter é prazer na vida". Além das palavras, ele arranca uma for de jasmim do jardim e me dá. "Volta menina, aparece para a gente tomar um tereré".

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