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Comportamento

Grávida na pandemia escapa dos olhares, mas não dos julgamentos

Ninguém é obrigado a falar o que não se sente à vontade, mas sempre tem um para “xeretar” até quem está de quarentena em casa

Alana Portela | 06/08/2020 06:47
Grávida pode escapar dos olhares, mas não dos julgamentos. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Grávida pode escapar dos olhares, mas não dos julgamentos. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

Grávida na pandemia pode até escapar dos olhares, mas não dos julgamentos por não ter espalhado aos quatro ventos a gestação. Sempre tem aquele inconveniente que adora meter o “bedelho” onde não é chamado e até envia mensagens para seus amigos mais próximos, na intenção de saber o que está se passando na sua vida. Esse comportamento tem relação com a curiosidade, com o desejo de controlar o outro através da sua própria “verdade” e preencher um vazio existencial.

“Projeção da própria verdade no outro, com o desejo de ser valorizado pelo outro, seu ‘objeto de desejo’. Com a vontade de ser visto e acompanhado, uma forma de ampliar a influência social, etc. Em todas as situações o ‘eu’ está mais forte do que o ‘tu’. Ou seja, o ‘eu’ aparenta ter necessidade de atender os próprios desejos com muito mais intensidade do que olhar o outro na sua singularidade. Nesse caso, o outro passa a ser coadjuvante”, diz Neido Castilho.

Ele é psicólogo e explica que na atualidade, o exercício de cuidar da vida alheia, acompanhado pelo desejo de ser visto, está estimulado por acesso quase ilimitado e proporcionado pelas redes sociais.

“Essa liberdade produz a sensação de ‘momento feliz’ ou preenchimento do vazio existencial. Esse vazio existe por conta de um mal-estar gerado no conflito entre os instintos humanos, que são os desejos, e as formas de convivência construídas para se existir numa condição civilizada, na qual devo limitar meus desejos para viver em civilização”.

Essa “curiosidade” de saber o que está se passando na sua vida não acontece apenas na gravidez, como também quando um adolescente começa a namorar e a pessoa fica palpitando, dizendo que não devia, que é muito jovem, sem se importar com o sentimento do outro. Na escolha de uma graduação, na qual sempre aparece alguém dizendo que fez a opção errada, que deveria mudar porque não acha legal você fazer algo que ela não se identifique.

Se antes já era difícil escapar dos inconvenientes e das fofocas, imagina agora em tempos de isolamento, no qual algumas pessoas passam mais tempo em casa. São mais horas para vasculhar coisas nas redes sociais e dar palpite, mesmo sem terem pedido sua opinião.

Conforme o psicólogo, cuidar da vida alheia pode ser considerada, a partir de determinadas condições, uma forma de violência.

“Essa violência pode-se materializar no formato digital, como ‘stalking’ ou analógico que seria espionar, olhar da sacada. O problema começa quando esse observador passa ser um invasor da privacidade ou individualidade alheia”.

Fazendo uma análise geral, Neido explica que é instigante olhar para o outro porque é muito mais fácil olhar de fora. Porém, um problema se estabelece ao espionar e transigir na vida do outro, pois através dessa “observação” se pode estabelecer uma comunicação violenta.

“Essa comunicação violenta se caracteriza por ação sem empatia e verticalizada. Ou seja, eu cuido da vida do outro e através dessa observação desenvolvo imaginação a respeito dele. Essa imaginação é tratada como verdade absoluta, sem que a verdade do outro tenha vez ou seja considerada. É mais fácil fazer uma redução tratando o outro com uma palavra, sem considerar sua existência, sua história e o contexto envolvido”, destaca.

Essa situação de cuidar da vida do outro pode ser uma válvula de escape de alguém, para não lidar diretamente com a realidade na qual está passando. “Sem dúvida a pessoa que cuida da vida alheia, tem dificuldade de viver sua própria relação com o mundo e as outras pessoas”, afirma.

Uma forma de controlar o desejo de estar no “poder” é perceber o outro e a sua verdade, respeitando a individualidade. “Essa condição sempre estará estruturada na organização de uma convivência funcional, no desejo ficar junto e na compatibilização das diferenças pessoais”.

O desejo de ficar junto, a logística e a compatibilização pessoal, podem ficar comprometidas na relação com alguém que não percebe o outro na sua unicidade, o que pode ser o caso daqueles que gostam de cuidar da vida alheia, informa o psicólogo.

“Para essas pessoas, seria interessante entender a necessidade de ocupar o seu próprio espaço e permitir que o outro ocupe o dele e dessa forma, compartilharem o mesmo mundo”, diz.

Neido relata ainda que é difícil generalizar e considerar que alguém que cuida da vida alheia, necessite de algum tratamento psicológico. “O ideal é que cada um, diante das dificuldades nos relacionamentos interpessoais, busque alguma solução que torne mais funcional a própria existência. Sem dúvida a psicoterapia se apresenta como uma ótima alternativa, se a pessoa desejar”.

Aqueles que sentem estar sendo “invadidos”, com tantas especulações em torno da própria vida, precisam ficar atentos. “A sensação após ter a privacidade invadida é de sobrecarga intensa, por conta da percepção da perda de liberdade e segurança. Essa sobrecarga pode causar prejuízos à funcionalidade, porém, esses prejuízos variam de pessoa para pessoa, e cada caso deve ser analisado, avaliado individualmente e escolhido o tratamento se for necessário”.

Por outro lado, o psicólogo comenta que estamos permanentemente expostos se considerar que a maioria das pessoas pode ter um perfil na rede social, integrado numa rede global de internet.

“Nossa vida pode estar exposta no mundo digital e/ou no mundo analógico. No mundo digital, estabelecemos relações específicas e com menor profundidade que no mundo analógico, pois posso desconectar com muito mais facilidade. A sensação de invasão da privacidade pode ter dimensão diferente nesses dois mundos, devido ao alcance global do mundo digital”.

O segredo para lidar com essa situação de invasão está em aprender a estabelecer um “limite de fronteira”, que possa definir a dimensão da segurança e da liberdade em cada contato estabelecido.

“Sempre tentando responder: Que distância devo manter cada pessoa com quem faço contato? E não esquecendo que no caso das redes sociais esses limites de fronteira devem ser estabelecidos da mesma forma, para que o risco de se sentir invadido diminua. Quando se fala em limite de fronteira, não se pode esquecer que as pessoas somente percebem aquela verdade que eu exponho”, finaliza.

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