Lia teimou em estudar e construiu legado de 50 anos na educação
Perto de completar 90 anos, educadora conta que insistiu em estudar mesmo com falta de apoio e olhares tortos
Ao longo de cinco décadas, dona Lia de Sena Maksoud respirou educação. Mesmo na época em que estudar não era coisa para mães ou mulheres casadas, ela foi determinada e persistiu no sonho repleto de entusiasmo. Hoje, prestes a completar 90 anos, a pedagoga carrega um legado de meio século dedicado à educação de Mato Grosso do Sul.
Nascida em Guiratinga, em Mato Grosso, Lia chegou a Campo Grande ainda pequena, quando o pai foi transferido para o Estado. “Eu tinha seis anos. Então, fui criada praticamente aqui”, conta.
Segundo ela, a semente do amor pelos estudos foi plantada em casa, ao ver a irmã mais velha sempre com os olhos grudados nos livros. Mas, como acontecia com muitas mulheres de sua geração, Lia se casou cedo, logo após terminar o ensino médio. Com a rotina de casa, o sonho da universidade ficou em segundo plano.
“Mesmo assim, minha vontade de estudar nunca saiu da minha cabeça. Quando minha filha mais nova fez quatro anos, decidi que era hora de fazer vestibular”, detalha. A partir daí, Lia passou a trilhar um trajeto com muitos obstáculos, um deles com o marido, que resistiu à ideia.
“Antigamente, o sistema era outro e a mulherada mais submissa. Mas eu insisti. Lembro que eu andava a pé da Afonso Pena até o Dom Bosco para estudar. Não tinha asfalto, era tudo poeira e eu ia correndo. Deixava meu filho mais velho cuidando dos irmãos e ia para a aula”, relembra.
Naqueles tempos, até um padre conhecido da família criticou. “Ele veio me perguntar o porquê eu, sendo mãe e uma mulher casada, estava saindo à noite para estudar. Não era algo comum. Mesmo assim, eu fui firme na minha decisão e persisti no meu sonho”, pontua.
O apoio veio do pai, que ajudou nos estudos e ainda deu um carro para que ela não precisasse caminhar tanto. Em paralelo à faculdade de Pedagogia, Lia começou a trabalhar como professora no Ensino Médio, o que ajudava com alguns gastos. E foi em meio à correria com provas, alunos e cadernos, que a história como educadora realmente começou.
Mesmo com tantos desafios, Lia persistiu. “Eu pensava que meus filhos iriam crescer, ir embora, e eu precisava trabalhar, queria contribuir para o aprimoramento da educação do meu País”, relata.
Recém-formada, veio o primeiro grande convite da carreira e ela se tornou diretora da Escola Arlindo de Andrade Gomes. “Eu nem acreditei. Tinha muita gente mais experiente e me escolheram”, relembra. Depois, ela ainda comandou o tradicional Joaquim Murtinho, onde consolidou a experiência em gestão escolar.

Mas a inquietude de Lia pedia mais. “Ainda não saía da minha cabeça aquela vontade de modificar algo, de criar um espaço novo de aprendizado.” E assim nasceu a ideia de fundar sua própria escola.
Em 1975, ela e uma sócia inauguraram o C.E.I (Centro de Educação Integrada), onde trabalharam por 34 anos. A escola funcionou até 2009 no Bairro Jardim dos Estados, e proporcionou à educadora o sentimento de dever cumprido. “Trouxemos métodos inovadores para a educação. Foi um projeto que deu certo. A escola cresceu e formou gerações”, afirma.
Educadora de vocação e gestora por natureza, Lia também se envolveu com o ensino superior. Foi reitora e ainda ajudou a trazer cursos técnicos para a cidade. “Trabalhava nos três períodos. Era puxado, mas era o que eu amava”, resume.
Mesmo depois da aposentadoria, a presença da pedagoga ainda ecoa nos corredores da educação sul-mato-grossense. “Até hoje me chamam de ‘tia Lia’. Gente que virou engenheiro, médico, advogada. Me param na rua e dizem que estudaram comigo”, conta.
Ao longo dos anos, Lia Maksoud formou milhares de alunos. Mais do que isso, inspirou e abriu caminhos. Pioneira, foi uma das primeiras mulheres a dirigir uma escola em Campo Grande e a acreditar na força do ensino como alavanca de transformação social.
“Eu me sinto realizada. Sei que a educação é a base de tudo e que um país só se desenvolve com ensino bem planejado. Acho que consegui dar minha contribuição”, afirma.
Questionada sobre o que diria para quem pensa em desistir do sonho de estudar, ela responde com a serenidade de quem sabe o valor da persistência: “A gente tem que insistir nos nossos objetivos. Se a gente persiste, a gente consegue. Eu sou prova disso”, finaliza.
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