Pai sem dinheiro fez o que pôde e inspirou a profissão dos filhos
Tudo começou por falta de dinheiro e hoje a profissão do pai é o orgulho da família
Nem todo filho quer seguir os passos do pai, mas na barbearia do Fernando Duarte a história é outra. Por lá, a tesoura e a navalha são herança que atravessaram gerações.
Aos 45 anos, Fernando virou barbeiro na marra, cortando o cabelo dos filhos porque não tinha dinheiro, nem alternativa. Mas foi do improviso que serviu de experiência e teste de resiliência, nasceu a profissão que virou tradição na família.
Com orgulho, o pai conta que a barbearia no Bairro Guanandi II virou ponto de encontro e escola de vida para os filhos, Victor Duarte, de 28 anos, e o caçula, Fernando Duarte, de 21 anos, o Fernandinho.
O pai lembra que a história do negócio começou no início dos anos 2000, quase por acaso. “Eu tinha uns 20 anos e fazia parte de um grupo de Pagode. Fui com a banda para o Paraguai e acabamos morando lá uns cinco meses. A galera precisava cortar o cabelo e não tinha quem fizesse. Aí fui eu mesmo, no instinto”, relembra Fernando.
Sem formação, sem ferramentas profissionais, ele passou a cuidar do visual dos colegas. Fazia barba, cortava, até pintava cabelo. Mas o gosto pela coisa não veio de imediato. “Não despertou nada. Quando voltamos para Campo Grande, continuei cortando só os amigos mais próximos”, lembra.
A ideia começou a germinar quando um dos colegas fazia questão de atravessar a cidade, do Coronel Antonino até o Bairro Aero Rancho, só para fazer a barba com Fernando. Ainda assim, a barbearia parecia distante.
Depois de ser pai de três meninos e uma menina, e enfrentar dificuldades financeiras, Fernando encontrou no corte de cabelo uma necessidade doméstica. “Não tinha como pagar para cortar o cabelo dos meninos. Comprei uma maquininha barata e comecei a cortar em casa. Só pra manter", relata.
A virada veio por volta de 2012. Ao chegar do antigo trabalho, ele encontrou vários garotos esperando na frente de casa para cortar cabelo com ele. A irmã, Ana, lançou a ideia. “Ela me perguntou por que eu não monta um salão. Na hora não imaginei como alfo concreto, mas decidi fazer o curso”, detalha.
E foi na sala de aula que a confirmação veio da própria professora, que notou o talento e disse que ele estava pronto para seguir na profissão.
O primeiro salão era uma peça pequena, nos fundos de casa. No ano seguinte, o filho mais velho, Victor, começou a ajudar, varrendo o chão e atendendo os clientes mais “de boa”. Logo virou barbeiro. Depois veio Matheus, sobrinho de Fernando. Daí em diante, o negócio só cresceu.
Foram aumentando as cadeiras, contratando mais gente e atendendo cada vez mais clientes, muitos trazidos pela fama que Fernando já tinha como músico.
“A música me abriu portas. Muita gente vinha cortar comigo por amizade. E quando vi, o salão não comportava mais. Fomos para um espaço maior”, conta. O negócio prosperou, virou referência no bairro, e mais membros da família entraram no time.
Hoje, a barbearia opera por sistema de assinatura e está sob o comando dos filhos. Fernando, que não pega mais na tesoura há dois anos, agora se dedica à parte administrativa e ensina adolescentes que querem aprender a profissão.
O mais novo dos filhos Barbeiros, Fernando, lembra que começou aos 13, levado pela mãe para fugir das más companhias. “Eu estava aprontando e minha mãe ficou preocupada e pediu pra o meu pai me colocar para trabalhar. No começo, só varria, ajudava no caixa, mas fui aprendendo”, pontua.
Apesar da resistência inicial, hoje ele não se vê em outro lugar. “No início eu não queria, parecia castigo. Mas hoje eu agradeço. Meu pai me ensinou a ser homem, a ter um emprego. Se não fosse por ele, não sei onde estaria. A barbearia é onde eu me achei. Amo o que faço, conheço gente nova todo dia. É meu lugar", avalia.
Victor Duarte, o mais velho, seguiu o mesmo caminho, mas por uma encruzilhada diferente. Em 2014, aos 17 anos, estava na UFMS, cursando Artes Visuais. Uma greve da universidade e a dúvida sobre o futuro o fizeram aceitar o convite do pai. “Ele estava começando na barbearia e me chamou. Entrei no mesmo curso que ele fez e fui aprendendo com ele, na prática”, lembra.
Mais do que profissão, a barbearia virou projeto de vida. Victor já tem dois filhos, um menino de 6 anos e uma menina de 8. Hoje, acredita que o legado pode chegar até a terceira geração. “Meu filho já pede pra cortar cabelo”, Revela Victo.
“Eu acredito que daqui a pouco meu neto vai estar aqui também, com a gente”, diz Fernando.
Para quem começou cortando cabelo por necessidade, o barbeiro veterano agora enxerga na profissão um elo de amor, disciplina e transformação. “O maior presente da minha vida é ver meus filhos seguirem esse caminho. Saber que dei a eles um futuro e que eles aceitaram isso", finaliza o pai.
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