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Comportamento

Pelas ruas da cidade, Lado B mostra rostos na tentativa de reaproximar famílias

A partir da pergunta "Do que você se lembra?", a intenção é acabar com a angústia de quem procura alguém que sumiu no mundo

Thailla Torres | 03/10/2017 06:05
Weydman diz que largou algumas drogas, na esperança de reencontrar parte da família um dia.
(Foto: Marcos Ermínio)
Weydman diz que largou algumas drogas, na esperança de reencontrar parte da família um dia. (Foto: Marcos Ermínio)

O tempo é tão perverso para quem vive nas ruas que vai corroendo até as lembranças. Mas alguma coisa fica, nem que seja aquele fiapo de recordação no emaranhado de momentos criados pela demência. Por isso, o Lado B abre a pauta a partir de hoje às pessoas que já perderam as referências, partindo de uma pergunta comum a todos os personagens: "Do que você se lembra?". É uma tentativa de reaproximar das famílias homens e mulheres que, pelo uso de drogas ou problemas psicológicos, enfrentam como moradores de rua o destino de quem ganhou o status do paradeiro desconhecido.

Os trocados são a chance de comer no dia e conseguir o baseado. (Foto: Marcos Ermínio)
Os trocados são a chance de comer no dia e conseguir o baseado. (Foto: Marcos Ermínio)

"De quase nada. Não tem como lembrar. A química e o álcool acabam com nossos neurônios", responde Weydman Santos, perambulando, coberto com uma manta azul dos pés a cabeça em um dia chuvoso na cidade. Um homem com roupas surradas, os pés descalços e a pele escondida pela sujeira.

Ele caminha na Rui Barbosa sentido à avenida Mato Grosso para mais um pedido de esmola. Os trocados são a chance de comer no dia, mas sem deixar de lado o "baseado", explica.

Apesar da primeira resposta sucinta, as palavras valem interpretações diversas. Weydman aparenta estar mais próximo da realidade do que da fantasia, e sabe dizer exatamente o caminho que o levou até ali.

Era "ano 2000". Weydman conta que deixou a casa da família em Campo Grande para viver a ''liberdade'' no uso das drogas nas ruas. "É mais fácil. E como é fácil", diz.

Hoje, aos 36 anos, recorda que o vício começou no banheiro de casa. "Minha família toda usava", sem mencionar o grau de parentesco com quem lhe ofereceu droga pela primeira vez.

Começou fumando maconha, conheceu a cocaína, pasta base e prolongou os dias no uso do crack. "Eu usei química muito tempo, eu só acordava pra beber e usar todo dia".

Nas ruas, encontramos Weydman com roupas surradas, os pés descalços e a pele escondida pela sujeira. (Foto: Marcos Ermínio)
Nas ruas, encontramos Weydman com roupas surradas, os pés descalços e a pele escondida pela sujeira. (Foto: Marcos Ermínio)

Ele jura que se ainda usasse o crack não estaria conversando com a gente naquele momento, de um jeito calmo, aparentemente lúcido. Por isso, conta que deixou as drogas "pesadas" há um ano. "Estou sem beber e sem usar nenhuma química", afirma. E completa que continua fazendo o uso da maconha, mas que para ele, isso não é um "vício".

"A química que acaba muito com a gente, destrói a gente e fiquei assim. Mas eu queria ficar bem, queria encontrar minha mãe com vida", comenta.

Ele revela que a mãe já faleceu e a vida que ele diz esperar agora faz parte de outro plano espiritual. Seu desejoé reencontrá-la depois da morte, mas com aparência saudável. "Eu vou encontrar minha mãe de novo quando eu morrer, mas quando eu chegar lá, preciso do meu corpo".

Nas ruas, a vida não é fácil, mas Weydman já superou o mais difícil. O frio, o medo e a dor já não fazem tanta diferença como antes. "A gente se acostuma. Na rua, a gente recebe muito amor e carinho. Mas tem muita paulada, pedrada e tijolada" descreve, se referindo a situação em que diz ter entrado em uma residência para buscar abrigo e acabou sendo expulso.

Lembrar do passado até parece espontâneo para o homem, mas alguns detalhes deixaram cicatrizes. "Tem uma parte da família que eu não quero mais ver. Mas queria muito encontrar a família da minha mãe, lá do Paraná. Foi lá que eu nasci, mas me registraram aqui", finaliza.

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O sonho é ter uma família. (Foto: Marcos Ermínio)
O sonho é ter uma família. (Foto: Marcos Ermínio)
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