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Comportamento

Susto após infartar aos 24 anos fez Renan levar a vida de um jeito mais leve

Thaís Pimenta | 06/07/2018 06:30
Aos 24 anos, Renan se deparou frente a frente com a efemeridade da vida por conta das doenças emocionais e do estresse. (Foto: Fernando Antunes)
Aos 24 anos, Renan se deparou frente a frente com a efemeridade da vida por conta das doenças emocionais e do estresse. (Foto: Fernando Antunes)

Numa segunda-feira, exatamente dia 24 de junho deste ano, ainda de madrugada, Renan Dalago começou a sentir uma dor diferente no peito, diferente daquela que já estava acostumado a ter quando sofria ataque de pânico. Diagnosticado com depressão, ansiedade e sociofobia desde os 21 anos, ele diz que sabia que não era pânico porque, diferente deste, o estudante de Letras e publicitário  não sentia a sensação de quase morte, comum à cada crise.

Mesmo assim, por mais irônico que soasse, era essa a primeira vez que se deparava com a morte tão de perto, isso porque, aos 24 anos, Renan sofreu um infarto e por pouco não precisou de um cateterismo para contar essa história pro Lado B.

Quando se fala em infarto agudo do miocárdio, o senso comum é que apenas os mais velhos podem ser acometidos pelo mal. Entretanto, com cada vez mais jovens expostos aos fatores de risco para doenças cardiovasculares, os casos do ataque cardíaco na faixa etária mais jovem, dos 20 aos 39 anos, vêm aumentando. Segundo dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, em 2013 houve um aumento de 13% no número de infarto entre adultos de até 30 anos. 

Talvez por isso, quando chegou na UPA e depois, na maior tranquilidade, pediu um uber com destino ao hospital particular do qual era conveniado, os médicos que os receberam o examinaram e de início, pareceram surpresos, mas logo se acostumaram com a ideia de que um adulto tão novo estivesse a caminho do UTI entre a vida e a morte.

Naquele dia o corpo de Renan escolheu lhe passar os sinais mais claros de pedido de ajuda: estava  na hora de desacelerar! Para tentar viver de forma mais normal, ele escolheu acelerar sua rotina para que a depressão não se fizesse presente, mesmo com uso de medicamento que controla ela e a ansiedade. "Para minha mente não ficar parada e não me permitir sentir o peso dos dias ruins", explica ele.

Ele trabalha em home office atendendo a duas empresas multinacionais, cursa na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) Letras, estuda para entrar no mestrado e teve que aprender a administrar os livros da pós graduação, as pesquisas científicas, com a cobrança do trabalho e os projetos para entrega. 

O equilíbrio entre a ansiedade e a depressão é difícil de ser alcançado. (Foto: Fernando Antunes)
O equilíbrio entre a ansiedade e a depressão é difícil de ser alcançado. (Foto: Fernando Antunes)

Contrariando as estatísticas, Renan tem um corpo magro, não sofre de hipertensão nem diabetes, não faz uso de drogas ilícitas e pratica exercícios físicos regularmente. O causador desse infarto, segundo ele, foi mesmo a rotina corrida ao se entender como adulto.

"A academia forma profissionais doentes, que não estão preparados para lidar com a profissão que escolheram, com pessoas e com as cobranças do mercado e da vida como um todo. Talvez, pensando bem, isso venha desde antes da graduação, ali no ensino básico mesmo, no qual nos deparamos com professores que já estão de saco cheio de estarem ali, que descarregam esse sentimento nos alunos, que sofrem bullying e se comportam como autoridade máxima dentro de sala".

Essa realidade se une à velocidade com que as relações passaram a existir por meio da tecnologia. As notícias a todo instante, as redes sociais, as cobranças que saem dos e-mails e vão para o campo mais íntimo da pessoa, o Whatsapp, além do mercado de trabalho que ainda não entendeu que não é porque os jovens estão "acostumados" com a tecnologia que, assim como ela, trabalham na mesma velocidade de robôs. 

"Nem eu e nem meus pais, por exemplo, que são de outra geração, estão livres de receberem esse turbilhão de informações. Tanto é que eu e tantas outras pessoas, mais jovens e mais velhas, estamos doentes. Seja com depressão, com ansiedade, com problemas de peso, doenças autoimunes. No fim, olhando bem pra sociedade, é fácil de perceber que ela está doente e meu medo é justamente que a gente passe a romantizar e a achar que é normal ter um infarto antes dos 30", explica ele.  

Renan contaria as estatísticas por não ser gordo, hipertenso e nem fazer uso de drogas, e mesmo assim ter sofrido um infarto antes dos 30. (Foto: Fernando Antunes)
Renan contaria as estatísticas por não ser gordo, hipertenso e nem fazer uso de drogas, e mesmo assim ter sofrido um infarto antes dos 30. (Foto: Fernando Antunes)

A sensação de ser indestrutível e imortal comum aos jovens passou depois que Renan sentiu na pele como era estar entre a vida e a morte, e pra piorar, sozinho. "Meus pais moram no interior, então quando eu cheguei no hospital avisei eles e quando fui internado na UTI, que o médico me disse da possibilidade do cateterismo, dos riscos da cirurgia, eu só conseguia pensar que nem me despedir dos meus pais e dizer que eu os amava seria possível".

Pela o infarto ter sido causado pelo seu diagnóstico do combo de doenças emocionais e pelo estresse, o seu cardiologista optou por não fazer o procedimento invasivo em Renan. Mas a partir daquele dia, ele precisa de acompanhamento também com um cardio, além dos psicólogos e psiquiatras que já o atendem. 

O desafio agora é pesar e aprender a pegar menos responsabilidades, e aprender a dividi-las com outras pessoas. "Sei que não será fácil pois uma vez que você se acostuma assim é penoso mudar". Para completar o diagnóstico de autoanálise de Renan, ele acredita que também precisa parar de querer mudar o mundo ao seu redor e se preocupar mais com seu mundo particular, interior.

"Faço parte daquela gama de jovens que quer mudar o mundo e que não aceita injustiça. Mesmo sabendo que é muito difícil querer fazer isso tendo sociofobia, depressão e ansiedade. Então eu compro a briga de muita gente e, no fim, sou eu quem me queimo, me prejudico", completa ele.

Do corredor do hospital, Renan não tem medo, mas do corredor da UTI ele quer passar longe porque tem mais receio da morte do que da vida. "Hoje eu só consigo pensar que se eu tivesse ido para a aula na universidade, que fica longe de tudo e, pra piorar, não tem uma enfermaria que possa nos atender,  talvez não estivesse aqui pra falar sobre isso. Ainda bem que eu conheço meu corpo e notei que aquela dor no peito irradiando para a nuca e para o braço, junto às pontadas na mesmo região e a falta de ar não eram sintomas normais a mim".

O que fica de lição é a necessidade de, antes de tudo, buscar ajuda profissional se estiver sendo difícil demais sozinho. "E não romantizar a tristeza, a dificuldade de se conseguir algo. Isso não é normal e não pode passar a ser. Doenças mentais matam, seja por suicídio ou pelo cansaço do corpo, como no meu caso", finaliza ele. 

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