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Meio Ambiente

Evento "incomum", incêndios e frente fria provocaram tempestade de areia em MS

Fenômeno surgiu com uma frente fria, que encontrou altas temperaturas em MS e um solo muito ressequido

Guilherme Correia | 21/10/2021 08:25
Em foto tirada por volta das 15h da última sexta-feira, céu ficou encoberto pela nuvem de poeira; em questão de minutos, o dia se tornou noite em Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)
Em foto tirada por volta das 15h da última sexta-feira, céu ficou encoberto pela nuvem de poeira; em questão de minutos, o dia se tornou noite em Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)

Concomitante a outros temporais, a tempestade de areia veio a Mato Grosso do Sul e deixou um rastro de destruição pelo Estado, com pelo menos oito vítimas diretas, seja por embarcações que afundaram ou por descargas elétricas. Esse fenômeno foi gerado por conta da mudança brusca de temperatura, que encontrou outras condições climáticas muito favoráveis. Em especial, o solo seco causado por incêndios, assim como as grandes plantações.

O professor e pesquisador em Climatologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Julio Cesar Gonçalves, explica que o evento foi causado, inicialmente, por uma frente fria. Assim como outras passagens de ar mais frio, elas costumam trazer chuva. Contudo, dessa vez, veio de maneira muito rápida e se encontrou com a massa de ar quente que já estava em território estadual.

Gonçalves ressalta que, historicamente, é comum o Estado ter algumas mudanças bruscas na temperatura. A impressão que se tem é de que nunca há como prever se vai fazer muito frio ou muito calor. “É muito comum que você tenha uma diferença muito grande entre ar quente e ar frio e essa diferença também gera as tempestades”.

“O Mato Grosso do Sul é um estado em que há uma transição climática, entre o ar mais quente do norte e o ar mais frio do sul. Isso já é estudado, muito conhecido e é muito comum que na mudança de estação, você tenha episódios de passagens de frentes frias."

No entanto, diz, essas tempestades têm surgido com maior frequência, ao longo dos últimos anos, muito em função dos efeitos do aquecimento global, gerando uma maior incidência de extremos climáticos. Em um desses, haveria também a tempestade de areia que sobrevoou o céu campo-grandense.

“Quando há o ar frio chegando, forma o que você chama de frente fria. Como a diferença de ar é muito grande, o ar frio encontra o ar quente - este, que sobe muito rápido e em questão de minutos, se resfria muito rapidamente. Quando ele desce, forma uma nuvem de cerca de 10 quilômetros."

Segundo ele, essa diferença muito grande de ares quente e frio pode gerar outros subgrupos de nuvens, como a "nuvem de prateleira". "Ela joga o ar frio muito rápido para baixo, formando como se fosse um grande exaustor, como um soprador de folhas jogando no solo".

Gonçalves explica que esse fenômeno é considerado natural, já que surge com a frente fria. No entanto, as condições climáticas atuais foram favoráveis para esse surgimento inesperado. “Nessa época do ano, como as temperaturas são muito diferentes, despejaram vento muito rápido no chão e encontraram uma superfície ressequida e jogou tudo que tinha nesse solo - poeira, fumaça”.

Estamos saindo do inverno e não tinha chovido muito até aquele momento. Também ocorreram muitos incêndios florestais e de agricultura, no Cerrado e Pantanal. Pode acontecer a tempestade? Até pode, mas não é comum. E isso vai acendendo aquele alerta. Está vendo como a gente está passando por um período de estiagem muito forte, como nunca aconteceu? Será que nossas queimadas não estão sendo muito fortes?”, questiona o cientista.

Essas nuvens se formaram e foram empurrando toda a fumaça e fuligem, jogando para cima e formando as nuvens prateleiras, como se fosse um "rolo compressor", diz o cientista. "Foi andando de Ponta Porã, em direção a Dourados, Sidrolândia, Nova Andradina, e em Campo Grande, pegou em cheio. Passou até Ribas do Rio Pardo e depois foi se dissipando em Coxim, perdendo força, e em Três Lagoas, não teve ocorrência". Outros cinco municípios registraram, ao menos, resquícios.

O pesquisador cita fenômeno parecido que aconteceu em municípios do interior paulista, mas que não tem relação direta com o que aconteceu em Mato Grosso do Sul. “Foi o mesmo fenômeno, mas são frentes frias diferentes, que passam mais atuantes por Campo Grande, e outras pelo interior de São Paulo. A frente fria é natural, só que nessa época de inverno, nunca tinha vivenciado o que aconteceu. Foi uma frente fria muito forte, e tivemos um período de queimadas muito intenso”.

Ou seja, a frente fria que veio do norte da Argentina, passou pelo Paraguai e chegou em Mato Grosso do Sul, já estava prevista. De acordo com o MetSul, iria trazer apenas as chuvas e uma possível redução na temperatura. "Essas rajadas fortes de vento, geradas com esse encontro, entraram em contato com o solo seco, encontram resquícios de queimada, poeira e vegetação. Esta ocorrência de tempestade de areia não é comum, mas possivelmente em função do grande período de estiagem, o fenômeno foi propiciado”.

De acordo com o prefeito de Campo Grande, Marcos Trad (PSD), tal evento nunca aconteceu em pelo menos 100 anos. O gestor afirmou esse dado, se baseando na própria Defesa Civil do município.

Agronegócio - Segundo o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), somando-se as emissões indiretas, por desmatamento, e as diretas, o agronegócio brasileiro responde por 71% das emissões de gases do efeito estufa. Esse elemento é o que vai para a atmosfera e impede com que o ar quente do planeta saia, provocando essa maior chance de eventos climáticos extremos.

Além disso, a tempestade teve o auxílio do solo ressecado por conta de queimadas, que, conforme relatório do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), costumam ser atribuídos, em grande escala, à ação humana em propriedades rurais.

Mas se esse setor representa tanto da economia brasileira, como conciliar? Para Gonçalves, o desafio é “como tornar o setor mais resiliente às mudanças climáticas, no setor do agronegócio e alimentos com objetivo de aumentar a disponibilidade de alimentos nutritivos, enquanto reduz suas emissões de gases”.

Com doutorado na USP (Universidade de São Paulo), Gonçalves relata que estuda climatologia do Pantanal desde a década de 1980. Segundo ele, as mudanças globais de temperaturas já eram notificadas por ele e outros pesquisadores já nessa época. “É comum, como todos os eventos climáticos, serem naturais. Só que estão sendo intensificados nos últimos anos com o aquecimento global. A questão é o tempo. Era 100 em 100 anos? Agora, está acontecendo de 10 em 10 anos”.


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