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Meio Ambiente

Formoso é vítima da própria beleza: cada um quer sua casa, seu deck, sua estrada

Rio sofre com expansão de Bonito, lavoura nas nascentes e excesso de vizinhança

Por Aline dos Santos | 21/02/2024 11:43
Formoso corre por 120 km dentro do município de Bonito até desaguar no Rio Miranda. (Foto: Reprodução/Instagram)
Formoso corre por 120 km dentro do município de Bonito até desaguar no Rio Miranda. (Foto: Reprodução/Instagram)

Bonitense de nascimento e lindo por natureza, o Rio Formoso corre por 120 km dentro do município de Bonito até desaguar no Rio Miranda. Nessa jornada, viu se avolumar o número de vizinhos. Diante da beleza das águas cristalinas, cada um quer ter sua casa, seu deque e sua estrada. No Carnaval, a operação Carga Máxima distribuiu R$ 1 milhão em multas por irregularidades ambientais.

Bonito e toda região da Serra Bodoquena sofre uma pressão diferente do habitual nas margens de seus rios. Devido à beleza singular, potencialmente um recurso para se explorar comercialmente, a fragmentação é uma situação de extrema relevância e merece toda atenção”, afirma o secretário municipal de Meio Ambiente de Bonito, Thyago Sabino.

De acordo com ele, o módulo mínimo de uma área rural em Mato Grosso do Sul é de quatro hectares. Contudo, nas áreas às margens dos "rios cristalinos" da região da Serra da Bodoquena, esse  módulo é dividido por muitas pessoas.

“Formando um ‘condomínio’ onde cada um tem sua casa, sua estrada de acesso ao rio, seu deque”, destaca Sabino.

Desta forma, o grande número de estruturas no entorno se tornam danosas ao rio, principalmente a partir do momento em que são comercializadas sem controle de capacidade de carga compatível com estrutura de saneamento, gestão de resíduos sólidos e conservação do solo.

“O Formoso sofre pressão de diversas frentes. A expansão demográfica e aumento da área urbana, ocupação irregular de áreas de APP [Área de Proteção Permanente], gestão de resíduos sólidos e saneamento, principalmente nos períodos de alta temporada, o desrespeito a licenças ambientais, seja no número de visitantes ou qualquer outro critério estabelecido, e a fragmentação de APP”, cita o secretário, ao elencar as ameaças ao rio cristalino.

Conforme Sabino, todos são fatores de alto risco, estão no radar do poder público municipal e constantemente precisam ser avaliados e fiscalizados.

Na vizinhança do Rio Formoso, são 14 atrativos turísticos licenciados, que oferecem opções como bote, boia cross, stand up paddle, mergulho e flutuação. Além de seis locais de hospedagem e inúmeros ranchos de lazer.

Em 2023, o governo do Estado criou um grupo de trabalho para traçar soluções a curto, médio e longo prazo. O levantamento termina em 18 de abril, mas com possibilidade de prorrogação.

“A fiscalização, licenciamento, autorização a respeito dos empreendimentos feitos em toda área rural do município de Bonito é de competência do Estado. A prefeitura junto ao governo tem buscado todo apoio necessário para tratar e sanar os problemas de cunho ambiental no município. A situação na qual Bonito está exposta é complexa, de diferentes ordens de prioridade e frentes a serem atacadas”, afirma o secretário de Meio Ambiente.

Lixo deixado por visitantes às margens do Rio Formoso, em Bonito. (Foto: Reprodução)
Lixo deixado por visitantes às margens do Rio Formoso, em Bonito. (Foto: Reprodução)

Lavoura nas nascentes – De acordo com o titular da 2ª Promotoria de Justiça de Bonito, Alexandre Estuqui Junior, a expansão da lavoura também ameaça o rio. “Principalmente nas áreas mais sensíveis do Formoso, as nascentes”.

Ele ainda destaca o crescimento desordenado da cidade. Neste ciclo, os resíduos vão para os córregos urbanos que deságuam no Rio Formoso. “Na área urbana, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul tem recebido denúncias com relação à questão do derramamento de esgoto no córrego, que deságua no Formoso, algo grave e que já está sendo apurado”, afirma Estuqui.

Outra questão é a necessidade de um estudo de capacidade de carga para uma avaliação da situação atual. “Há ainda o problema dos fracionamentos da APP do Rio Formoso, formando várias chácaras nas suas margens e, por consequência, geram diversas intervenções em área de proteção permanente  com grande quantidade de resíduos gerados”, diz o promotor.

O MPMS apura as denúncias sobre irregularidades na Estação de Tratamento de Esgoto e tem inquérito civil relacionado à poluição de córregos urbanos.

“São muitas irregularidades na questão ambiental como um todo. Não trabalhamos especificamente sobre o Rio Formoso, porque o meio ambiente tem uma vertente muito ampla; é necessário fracionar as investigações, e assim trabalhar com várias demandas diferentes, sendo que muitas, sim, estão associadas ao Rio Formoso. Por exemplo, atrativo que teve suspensa a licença por ter ultrapassado a capacidade de carga ou supressões irregulares em várias propriedades no Formoso”, afirma o promotor.

Até 2018, água corria por cima das pedras (à esquerda). Depois de enchente, pedras ficaram expostas. (Foto: Reprodução)
Até 2018, água corria por cima das pedras (à esquerda). Depois de enchente, pedras ficaram expostas. (Foto: Reprodução)

A maior relíquia – Vizinho há 24 anos do Formoso, o artista plástico Altivo Barbosa de Souza Junior, 56 anos, participa de três ongs (organizações não governamentais) e sempre se enxergou como defensor do meio ambiente. Mas, na operação Carga Máxima, se viu do outro lado: acabou multado em R$ 15 mil por irregularidades. Ele vai recorrer da multa imposta pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS)

Foram R$ 5 mil por construção de três decks, R$ 5 mil pela presença de turistas (que segundo o relatório teriam pago R$ 25 para lazer no rio) e R$ 5 mil pela captação superficial de água.

Altivo afirma que os decks têm mais de 20 anos e foram feitos com autorização. Ela ainda destaca que nunca cobrou dos visitantes e que no dia da fiscalização tinha três amigas no local. Por fim, relata que usa uma bomba para tirar água do rio e encher caixa de água de mil litros. “Tenho a bomba desde 2020 e nunca me falaram nada que era irregular. O Imasul sempre esteve olhando e todo mundo usa água do rio”.

Morando ao lado do Formoso desde 2002, o artista plástico conta que a maior transformação do rio foi em 2018, durante enchente. “Foi uma transformação muito grande, assoreou em alguns lugares, desbarrancou duas cachoeiras. A água acumulou, derrubando árvores centenárias. O rio mudou, não corre mais pela cachoeira, perdemos duas cachoeiras que eram as coisas mais lindas”.

Ele se preocupa com o avanço da lavoura de soja perto das nascentes. “O rio é tudo para mim, a maior relíquia que tenho aqui. Preservo para mim, para os meus filhos, tem um de 20 anos que já nasceu aqui, netos e bisnetos”, afirma Altivo.

Atrativo de Bonito registrou superlotação no fim de dezembro. (Foto: Reprodução) 
Atrativo de Bonito registrou superlotação no fim de dezembro. (Foto: Reprodução)

Superlotação - Localizado às margens do Rio Formoso e reaberto com ordem judicial, o balneário Bosque das Águas, em Bonito, voltou a ser multado por operar com a capacidade acima do permitido durante a operação Carga Máxima.

O valor da nova multa é de R$ 40.950. Do limite de 400 pessoas por dia, o máximo autorizado para camping é de 150 visitantes. Contudo, no dia da fiscalização, estavam presentes 273 pessoas, conforme relatório apresentado pelo empreendimento.

Após receber multa de R$ 180 mil em 15 de janeiro por infrações ambientais, o balneário teve a licença de operação cassada pelo Imasul em 9 de fevereiro. As irregularidades aconteceram durante as festas de fim de ano.

Policiais militares ambientais apontaram que havia excesso de pessoas no local, que é uma Área de Preservação Permanente, com potencial poluidor dos recursos naturais.

Na sequência, a Justiça derrubou a decisão do governo e reabriu o atrativo. A decisão do juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos, Claudio Müller Pareja, considerou que o balneário ainda estava dentro do prazo para apresentar o Prada (Projeto de Recuperação de área Degradada ou Alterada).

O Imasul recorreu ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Mas a decisão a favor da empresa foi mantida.

O advogado Gustavo Passarelli, que representa o balneário, informa que a nova multa não procede sob qualquer aspecto e será objeto de defesa administrativa.

Segundo nota à imprensa, a fiscalização, de forma tendenciosa, com o objetivo de prejudicar o cliente, não considerou que os hóspedes de camping são rotativos em períodos de 24 horas, portanto, não poderiam ser somados.

Histórico – O Monumento Natural do Rio Formoso foi criado em 2003, com 18,2 hectares. Até a década de 1970, os únicos atrativos turísticos de Bonito eram a Gruta do Lago Azul e a então Ilha do Padre, hoje conhecida como Monumento Natural do Rio Formoso.

Esses atrativos eram visitados principalmente pelos moradores do município e de regiões próximas. Já no final da década de 1980, iniciaram-se as visitas nos demais atrativos turísticos.

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