Tamanduás-bandeira viram "detetives ecológicos" em projeto na APA Guariroba
Dados de deslocamento serão usados para prevenção de acidentes nas estradas
Uma das principais vítimas de acidentes nas estradas de Mato Grosso do Sul, o tamanduá-bandeira tornou-se um detetive-ecológico e tem contribuído para que pesquisadores possam entender os padrões de movimentação dos animais, apontando caminhos para a proteção da biodiversidade e dos próprios motoristas. A pesquisa do projeto Bandeiras e Rodovias tem monitorado a espécie na Apa (Área de Proteção Ambiental) do Guariroba, em Campo Grande.
RESUMO
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Pesquisadores monitoram 14 tamanduás-bandeira na APA Guariroba, em Campo Grande (MS), utilizando coletes com GPS para estudar padrões de movimentação. O projeto visa compreender aspectos como dispersão, reprodução e comportamento da espécie, contribuindo para sua proteção. O estudo faz parte do projeto Bandeiras e Rodovias, que já identificou o tamanduá-bandeira como principal vítima de atropelamentos em rodovias do estado. Entre 2017 e 2020, foram registradas 766 mortes da espécie, levando à implementação de medidas como passagens de fauna e cercamento de rodovias para reduzir acidentes.
Com 35 mil hectares, divididos em três áreas, a APA do Guariroba tem sido campo de estudo desde o ano passado, quando 15 tamanduás-bandeira começaram a ser rastreados. Em 2025, o trabalho está em fase de captura de novos animais e, até o momento, 14 tamanduás-bandeira já receberam o colete de telemetria, que são equipados com tecnologia GPS e VHF. Esse número provavelmente vai aumentar, pois o trabalho deve prosseguir por mais duas semanas.
Pesquisadora do projeto Bandeiras e Rodovias, a veterinária Grazielle Soresini explica que a busca ativa é realizada de maio a julho por conta do hábito do tamanduá, que é noturno, mas, em período de temperaturas mais baixas, são avistados mais facilmente durante o dia. A APA Guarariba tem predominância de monocultura, com fazendas de pecuária e pastos. Esse fato facilita o avistamento dos animais.
Nos demais períodos do ano, os pesquisadores têm feito o monitoramento da dispersão dos tamanduás rastreados, que têm a localização registrada a cada 20 minutos. Estes são capturados regularmente para check-up da saúde e possíveis ajustes no colete. A veterinária Grazielle Soresini afirma que os primeiros relatórios gerados pelo GPS só devem ser finalizados no ano que vem.
Segundo Soresini, o rastreamento permite aos pesquisadores compreender de forma detalhada aspectos como dispersão, taxa reprodutiva, maturidade sexual, longevidade e comportamento parental da espécie. Com os hábitos do animal, é possível também conhecer a "permeabilidade da paisagem", o que permite o planejamento de corredores ecológicos e assim garantir a conectividade dos habitats, medida essencial para a sobrevivência da espécie.
Resultados
O trabalho do projeto Bandeiras e Rodovias começou em 2017, na fazenda Santa Lourdes, em Nova Andradina, e já contabiliza resultados como a publicação de um guia de mitigação de colisões, um manual técnico em uma resolução estadual oficial e um plano para mitigação de colisão com fauna. Além disso, foi elaborado um mapa dos trechos de maior probabilidade de colisão com fauna, após monitoramento de mortes nas seguintes estradas:
BR-262, que liga Campo Grande a Corumbá, no Pantanal,
BR-163, que corta o Estado de norte a sul,
A rodovia MS-040, no Pantanal de Aquidauana,
BR-267, em Nova Andradina.
Na época, de 2017 a 2020, foram contabilizadas 12 mil carcaças de animais nas quatro rodovias, sendo o tamanduá-bandeira a principal vítima, com 766 mortes. Conforme o levantamento, em 40% dos casos o acidente representou risco de danos materiais e à vida humana e da fauna. No ano passado, o projeto fez levantamento de carcaças ao longo da BR-262, entre Campo Grande e a Ponte do Rio Paraguai, com total de 2.300 animais mortos, de abril de 2023 a abril de 2024.
Conforme Grazielle Soresini, dentro do grupo dos mamíferos, os tatus e tamanduás, que fazem parte da ordem dos xenarthras, representam o maior número de vítimas. Foram encontrados mais de 200 tamanduás-mirins e tamanduás-bandeira pela equipe neste último ano. Tatus "peba" e "galinha" ocupam o primeiro lugar entre as espécies mais encontradas, totalizando mais de 400 indivíduos.
Ações práticas
Em sua terceira fase de desenvolvimento, o Projeto Bandeiras e Rodovias está na implementação das soluções. Isso inclui workshops sobre sinalização viária eficiente e a participação ativa no Fórum Rota Sustentável, um espaço de diálogo para discutir estratégias de prevenção.
A mais recente iniciativa é o Observatório “Rodovias Seguras para Todos”, uma ação coletiva de seis organizações da sociedade civil que une ciência, conservação e segurança viária para reduzir as colisões com fauna e tornar as estradas mais seguras.
Observatório atua como instrumento de monitoramento com a finalidade de garantir que as medidas mitigatórias sejam implementadas, eficazes e alinhadas com as boas práticas de conservação. Atualmente, está sendo implementado o plano de mitigação da BR-262, elaborado pela ViaFauna, empresa contratada pelo DNIT.
Monitoramento
O foco principal do projeto está nos tamanduás jovens, em fase de dispersão, que deixam sua área de origem em busca de novos territórios. Ao acompanhá-los, os pesquisadores conseguem mapear suas rotas, analisar como interagem com diferentes ambientes e identificar quais áreas ainda permitem sua passagem e quais se tornaram barreiras intransponíveis.
A importância do tamanduá-bandeira vai além de ser um indicador de colisões. Essa espécie, com seu olfato altamente desenvolvido (cerca de 40 vezes mais apurado que o dos humanos), língua de 60 centímetros, que captura 30 mil insetos por dia, e garras poderosas usadas para defesa e para abrir formigueiros, é um símbolo da biodiversidade do Cerrado.
Sua reprodução também é um fator importante em sua conservação, pois a fêmea gera filhote por ano após seis meses de gestação, com o filhote dependente da mãe nos primeiros meses.