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Cidades

No dia de falar sobre escravidão, saiba diferença entre racismo e injúria racial

Após 134 anos da abolição da escravidão no papel, crimes pautados no racismo continuam frequentes no Brasil

Guilherme Correia | 13/05/2022 12:25
Neste ano, aluno foi acusado de cometer injúria racial no IFMS, em Campo Grande, o que gerou revolta por parte da população. (Foto: Kísie Ainoã)
Neste ano, aluno foi acusado de cometer injúria racial no IFMS, em Campo Grande, o que gerou revolta por parte da população. (Foto: Kísie Ainoã)

Em 13 de maio de 1888, a abolição da escravatura foi decretada no Brasil, após mais de 300 anos em que o País era o maior território escravagista do Ocidente, com mais de 4,5 milhões de escravos africanos no campo ou na cidade. Exatos 134 anos depois, em Mato Grosso do Sul, crimes com raízes socio-históricas são praticados e, ainda que haja definição na lei, muitos ainda têm dúvidas quanto às diferenças jurídicas.

Advogada Silvia Constantino ressaltou a diferença entre os dois tipos de crime. (Foto: Arquivo pessoal)
Advogada Silvia Constantino ressaltou a diferença entre os dois tipos de crime. (Foto: Arquivo pessoal)

Ao Campo Grande News, a advogada e presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Mato Grosso do Sul, Silvia Constantino, explica a distinção entre injúria racial e o crime de racismo.

A injúria racial faz parte dos crimes contra a honra, previstos no parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal. Trata-se de uma forma qualificada para o crime de injúria, com pena de um a três anos e multa.

"A injúria é o ato de ofender alguém usando elementos étnicos ou raciais, ou seja, é quando atinge a ‘honra subjetiva' de alguém. É a ofensa à dignidade - utilizar palavras depreciativas com a intenção de ofender a honra da vítima. Por exemplo, chamar o indivíduo de ‘macaco’, ‘preto fedido’, ‘seu cabelo é Bombril’.”

Contudo, o crime de racismo possui outra definição e está previsto na Lei 7716/1989. Para sua caracterização, é necessário que haja ofensa à dignidade de um coletivo, com base em elementos referentes à sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência, com pena de até três anos.

O crime de racismo, previsto na Lei 7.716/89, é aplicado se a ofensa discriminatória é contra um grupo ou coletividade. Por exemplo, impedir que negros tenham acesso a um estabelecimento. O racismo é inafiançável e imprescritível, conforme o artigo 5, XLIIº da CF/88.”

Violência - No fim de março, na DPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), um ex-aluno do IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul), em Campo Grande, foi indiciado pelo crime de injúria racial contra um colega da instituição, de 17 anos, após ser acusado de proferir ofensas raciais e promover o nazismo em mensagens trocadas por aplicativo.

Vale ressaltar que, na mesma lei que tipifica o racismo, fica proibido “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”, com pena de até cinco anos.

Ainda neste ano, em um condomínio no Bairro Aero Rancho, um homem, de 38 anos, registrou boletim de ocorrência por injúria racial, por conta de ofensas ouvidas por um vizinho. No mês seguinte, servidor da prefeitura de Jardim, a 236 quilômetros de Campo Grande, acusado em boletim de ter praticado injúria racial contra o segurança de um estabelecimento no município, chamando a vítima de "preto fedido".

Em março, uma comerciante virou ré por crime de racismo contra um funcionário, em 2020, após impedir o direito de ir e vir do mesmo, dizendo: "Se for aquele preto, eu não quero ele aqui". No ano do crime, ela chegou a ser liberada da prisão preventiva, após pagar fiança de aproximadamente R$ 10 mil.

Levar até o Judiciário não é o problema, o X da questão é a compreensão dos magistrados acerca dos crimes, visto que, a maioria das decisões no que tange os crimes de injúria racial e racismo, não prosperam, porque há sempre o entendimento que tudo não passou de um mero dissabor ou que, pelo calor das emoções, foram proferidas palavras ofensivas, porém de cunho racista”, diz Constantino.

Em fevereiro deste ano, o deputado estadual Amarildo Cruz (PT) propôs que servidores condenados por racismo não fossem nomeados em cargos públicos no Estado. No entanto, o texto não foi aprovado, por unanimidade, na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

"O enfrentamento do racismo estrutural ao qual acomete nosso País é uma luta de todos nós, independentemente da cor de pele”, diz Constantino.

Advogada recebeu Troféu Zumbi dos Palmares, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, na Assembleia Legislativa de MS. (Foto: ALMS)
Advogada recebeu Troféu Zumbi dos Palmares, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, na Assembleia Legislativa de MS. (Foto: ALMS)

Equiparação - A advogada ressalta que, recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) equiparou a injúria racial ao crime de racismo, ainda que os efeitos práticos dessa decisão não sejam tão definidos até o momento. “Na prática, ainda não sabemos da eficácia desse entendimento.”

Segundo ela, independentemente da idade do agressor ou do tempo em que foi praticada a ofensa, a vítima poderá ofertar a queixa-crime: “Ou seja, não será submetido ao limite de tempo para denunciar o crime. O que torna imprescritível.”

“Mesmo diante dessa decisão acertada do STF, é imperioso ressaltar que o sistema judiciário precisa ter sensibilidade para suas interpretações”, comenta.

Manifestantes contra o racismo reunidos na Praça do Rádio, em Campo Grande, em 2020. (Foto: Guilherme Correia)
Manifestantes contra o racismo reunidos na Praça do Rádio, em Campo Grande, em 2020. (Foto: Guilherme Correia)

Denuncie - Segundo a advogada Silvia Constantino, os crimes de racismo podem ser denunciados em qualquer unidade policial, “visto que, no estado de Mato Grosso do Sul, não existe uma delegacia especialista em crimes raciais”.

“No ato da denúncia, faça o boletim de ocorrência e não um termo circunstanciado, visto que não se trata de um crime de menor potencial ofensivo. No caso específico de ofensas raciais nas redes sociais ou em meios de comunicação, a denúncia também pode ser feita via internet, no portal da Safenet.”

Entre as provas que as vítimas podem utilizar, estão nome, endereço e telefone das pessoas que presenciaram o crime, pedir para alguém filmar o ocorrido, além de anotar a placa do carro e outras informações que identifiquem os agressores. “Se o caso ocorreu pela internet, faça prints da conversa, mensagem ou e-mail e exija que a discriminação como causa do crime conste no boletim.”

Em Campo Grande, o telefone 156 é um canal também para denúncias e informações sobre Direitos Humanos.

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