A contar pelo desrespeito ao piso tátil, fiscalização passa longe das calçadas
Pessoas com deficiência visual chegaram até a pensar em pedir o fim delas, porque viraram ciladas
Por incrível que pareça, em 2020, pessoas com deficiência visual chegaram ao ponto de pedir o fim do que parecia uma conquista: o piso tátil. O motivo era que a acessibilidade virou cilada. Por falta de fiscalização, essas peças eram instaladas de qualquer jeito nas calçadas e acabavam provocando acidentes.
Decreto que tornava o piso obrigatório foi revogado a pedido, mas depois voltou a valer, com compromisso de fiscalização da prefeitura. Mas pelo que se vê na região central, nada mudou em quase cinco anos.
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Na Avenida Mato Grosso, uma das principais da cidade, quem anda a pé percebe claramente que acessibilidade não é o forte. No cruzamento com a Rua Bahia, no centro, além da falta de continuidade do piso tátil, em alguns casos ele é interrompido por barreiras colocadas por comerciantes, como cadeiras de bar, manequins de lojas e cestas com produtos.
Na quadra que fica entre a Rua 14 de Julho e Avenida Calógeras, ainda na Avenida Mato Grosso, um bar que costuma utilizar a calçada para colocar mesas e cadeiras, nem sequer tem piso tátil instalado.
Acontece que, de acordo com a Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), é obrigatório instalar piso tátil direcional em calçadas com faixa livre superior a 1,20 metros de largura.
Para José Aparecido da Costa, doutor em educação e pessoa com deficiência visual, a instalação de piso tátil é questão de direito. "É para que nós possamos exercer o ir e vir com segurança, conforme assegurado pela Constituição Federal. Para além disso, muitas das vezes nós temos o piso tátil, mas então, já sem uma condição de manutenção, sem a observância dos padrões, e isso também traz insegurança no nosso caminhar", relata o professor.
Tem até quem pinte o piso no mesmo tom da calçada, para ficar bonito, outro problemão para quem depende desse trajeto. Ainda de acordo com a Semadur, o piso tátil não deve ser da mesma cor da calçada, deve ter contraste entre o piso tátil e o piso adjacente da calçada, para atender pessoas com baixa visão.
As cores diferentes desse tipo de peça não são à toa. Precisam ser de tom contrastante ao solo que serve de base. São necessárias para quem tem baixa visão e ainda vê vultos, cerca de 80% das pessoas com deficiência em Campo Grande, conforme o ISMAC (Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos "Florivaldo Vargas").
"A comunidade também é feita de pessoas de baixa ou baixíssima visão. Quando o piso é pintado, nós perdemos a referencial enquanto pessoas com baixa. A calçada com o mesmo tom, faz com que confundamos e até imaginemos que não há resultado naquele local", explicou José Aparecido.
Sobre a loja que tem o piso tátil pintado, a reportagem entrou em contato com o proprietário do local, que explicou que fez reconstrução na calçada, mas nem sabia sobre a norma e se disponibilizou a resolver o problema.
Em outras regiões da mesma avenida, outras irregularidades em relação aos pisos táteis também foram encontradas. Em muitos pontos, além de faltar o piso, ele ainda aparece quebrado ou incompleto.
A falta de manutenção é problema crônico. Andando pelo piso, de repente surge mato que quebrou a estrutura. Nesses casos, pessoas que não têm deficiência também podem ser prejudicadas.
Gustavo Oliveira, engenheiro elétrico, não tem dificuldade na locomoção, mas, por ter familiares que sofrem com o problema, conta que repara mais na situação das calçadas da cidade.
"Os passeios públicos são tratados como se fosse uma propriedade particular, onde cada um faz o que quer. Mesmo não tendo dificuldade de locomoção, já tive situações de torcer o pé por uma calçada mal cuidada, ou um desnível não regularizado. Falta conscientização da população e fiscalização da prefeitura", explicou Gustavo.
Em empresa que fica na esquina da Mato Grosso com a Rua Goiás a cena é mais absurda. Uma rampa foi construída onde os pisos deveriam se encontrar. Quem seguir pelo trajeto destinado às pessoas com deficiência visual vai ser obrigado a entrar no prédio.
Mas o problema não para nos pisos que facilitam a acessibilidade. As calçadas na Avenida Mato Grosso também são obstruídas por produtos de alguns comércios.
É o caso de uma loja de móveis que fica no cruzamento com a Rua dos Ferroviários. Por lá, a reportagem registrou diversos móveis na calçada, atrapalhando a passagem de qualquer pedestre.
A equipe de reportagem do Campo Grande News entrou em contato com os comerciantes responsáveis pelas calçadas exibidas, mas até a publicação desta reportagem não teve retorno. O espaço segue aberto para pronunciamentos.
A Semadur informa que a limpeza e manutenção das calçadas é de responsabilidade dos proprietários dos imóveis.
A prefeitura ainda explica que, identificada a irregularidade e emitida a notificação, o proprietário terá um prazo para o atendimento de denúncias. Transcorrido o prazo e a irregularidade permaneça no local, o proprietário do imóvel é então multado. A multa neste caso pode variar entre R$ 618,30 e 3.091,50.
Ainda ressalta que a população pode encaminhar denúncias para a secretaria através da Central de Atendimento pelo 156.
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