Afastado, técnico de enfermagem acabava de voltar a rotina de 3 turnos
Colega de trabalho ressalta que o acontecido não é surpresa para profissionais da área e que pressão e sobrecarga contribuem para depressão e suicídio

A extensa e exaustiva carga de trabalho de profissionais da saúde debatida há tanto tempo tem culminado em distúrbios psicológicos e ações extremas. Em 25 dias, Campo Grande registrou nesta sexta-feira, o segundo suicídio do ano de profissionais da área da saúde. Colegas garantem não ser coincidência.
Com três empregos e afastado há três meses pela psiquiatria, recebendo pelo INSS, o técnico de enfermagem William Flávio Corrêa Franco, 37 anos, se matou no banheiro do CTI (Centro de Terapia Intensiva) da Santa Casa, três dias depois de retornar ao trabalho.
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No dia 2 de janeiro, a enfermeira Janaína Silva e Souza, 39 anos, foi encontrada morta na casa onde vivia, em Campo Grande. Ela foi encontrada ao lado de frascos de medicamentos e uma seringa - também, conforme a investigação cometeu suicídio. Janaína trabalhava no Hospital Regional.
O caso não é surpresa para os colegas de classe. Conforme uma técnica de enfermagem de 47 anos, que preferiu não se identificar e trabalha há nove anos na Santa Casa, as condições de trabalho contribuem para que o profissional adoeça física e psicologicamente, até que não aguente mais. “Eu também trabalho no CTI, são 12h exaustivas de trabalho, é pressão para todo o lado, além disso, não somos reconhecidos, mal pagos, temos que ter mais de um emprego, não conseguimos nos relacionar direito com nossa família por causa disso e tudo vai acumulando”, disse.
“A depressão é uma coisa séria e que tem nos acometido muito, tanto a classe dos técnicos, da enfermagem, quanto dos médicos, nós cuidamos de vidas e ninguém cuida da nossa”, denunciou. A técnica conhecia William e alega que ele não estava bem. “Não deviam ter deixado ele voltar, ele comentou que não estava muito bem e ainda mandam para o CTI onde tem um monte de droga à disposição”.
O comportamento era ao contrário do esperado pelos colegas. “Quando ele foi afastado, a gente até brincou que ele estava dando o golpe porque ele era muito brincalhão, divertido, para cima, tirava sarro de tudo, nunca imaginamos que ele estaria em depressão”, ressaltou.

Por ironia, neste mês é comemorado o “Janeiro Branco”, mês de conscientização sobre a saúde mental no trabalho. De acordo com o coordenador do SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho), da Santa Casa, Regis Aparecido Moreira, a causa é pública e preocupante. “É um problema da classe por toda pressão e sobrecarga que eles carregam, por isso tentamos amenizar isso disponibilizando consultas psicológicas e psiquiátricas aos profissionais”.
Sobre o uso do medicamento do hospital, a assessoria informou que alguns medicamentos são restritos apenas a prescrição médica, mas que o anestésico utilizado é de uso comum no CTI e fica à disposição do setor para que o paciente possa receber a medicação de forma rápida.
O presidente do Coren MS (Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul) avalia a questão como uma epidemia e não um fator ligado à profissão. “Nunca é uma causa só, hoje em dia com a pressão por todos os lugares nós nos frustramos mais e estamos suscetíveis a doenças como a depressão e outras que nos levam a este fim, mas como lidamos com vida, com certeza envelhecemos mais e desenvolvemos doenças não só psiquiátricas como físicas”, disse.
Como prevenção, o Conselho alega que fiscaliza os hospitais e locais de trabalho para garantir condições de trabalho melhor e materiais de segurança aos profissionais. Esta semana, o Coren ainda promove um seminário sobre o sofrimento mental dos profissionais. “O Conselho sugere também à toda categoria, sensibilidade na identificação do sofrimento de colegas de trabalho e das pessoas pertencentes aos demais círculos sociais. O intuito é que mais vidas não sejam interrompidas", descreveu o Conselho em nota de luto.
De acordo com os números divulgados pela Prefeitura de Campo Grande, de 2012 a 2017 foi registrada uma média aproximada de 65 tentativas de suicídio por mês. Segundo levantamento do Núcleo de Prevenção às Violências e Acidentes e Promoção à Saúde, neste mesmo período, houve um total de 4.892 tentativas.