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Capital

Desde a década de 90, quatro projetos já tentaram “salvar” o Centro da Capital

A mais recente proposta da prefeitura ainda é um conceito, sem previsão orçamentária

Por Aline dos Santos | 15/07/2025 10:25
Desde a década de 90, quatro projetos já tentaram “salvar” o Centro da Capital
Rua 14 de Julho, a principal via comercial do Centro de Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

O programa “Atenção ao Centro”, divulgado pela Prefeitura de Campo Grande no último dia 4, é o quarto grande movimento do poder público, numa linha de tempo que vem desde a década de 90, para revitalização da região central.

RESUMO

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A Prefeitura de Campo Grande lançou o programa "Atenção ao Centro", a quarta iniciativa desde a década de 90 para revitalizar a região. O projeto ainda está em fase inicial, sem orçamento definido ou ações concretas. A proposta é ouvir comerciantes e moradores para construir um plano colaborativo com investimentos públicos e privados. Desde a inauguração do Camelódromo em 1998, passando pelo controverso "Cidade Limpa" de 2011, revogado em 2021, e a reforma da Rua 14 de Julho em 2019, o Centro de Campo Grande enfrenta desafios. A pandemia, o crescimento do comércio online e a falta de segurança impactaram a região, levando ao fechamento de milhares de empresas. Especialistas defendem uma visão multifuncional para o Centro, integrando moradia, comércio e lazer, para que a região volte a prosperar.

Por enquanto, a iniciativa é um conceito, ainda sem previsão orçamentária ou definição do que será realizado.

“O programa encontra-se em fase de construção e estruturação conjunta com parceiros institucionais, universidades, setores produtivos, comerciantes e proprietários da região. Estão sendo realizadas oitivas e escutas qualificadas com os diversos atores do Centro, para identificação de demandas prioritárias e construção colaborativa das ações”, informa a administração municipal.

Desde a década de 90, quatro projetos já tentaram “salvar” o Centro da Capital
Fachada do Camelódomo de Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)

O total de investimento será definido a partir da consolidação de projetos e parcerias. “Neste momento, o programa não possui orçamento global fechado, pois está em fase de modelagem técnico-financeira e articulação interinstitucional, com previsão de aportes públicos e privados, conforme a natureza das ações”.

Numa viagem ao passado do Centro, um marco é o dia 5 de dezembro de 1998, gestão do prefeito André Puccinelli (MDB). Nesta data, foi inaugurado o Centro Comercial Popular Marcelo Barbosa da Fonseca, o Camelódromo.

Com cerca de 3 mil metros quadrados, o espaço foi idealizado para retirar os vendedores ambulantes do Centro. Naquela época, o calçadão da Barão do Rio Branco e a Rua 14 de Julho, por exemplo, eram tomados por camelôs. As banquinhas vendiam óculos de sol, carteira, meia, CDs, relógios.

Desde a década de 90, quatro projetos já tentaram “salvar” o Centro da Capital
Em 2011, lojas tiveram que alterar fachadas contra poluição visual no Centro. (Foto: Arquivo)

Já no século 21, o ano de 2011 foi marcado pelo Cidade Limpa. Em 24 de maio daquele ano, quando o Diogrande (Diário Oficial de Campo Grande) ainda tinha a versão física e custava R$ 1,80, o prefeito Nelsinho Trad, atual senador pelo PSD, publicou o Decreto 11.510.

O documento trazia medidas contra a poluição visual no Centro, que ficou conhecido popularmente como Cidade Limpa. A limpeza das fachadas das lojas, com a remoção das grandes placas publicitárias, era para preservar a memória cultural e histórica, em conformidade com os planos de revitalização do Centro.

Quem não cumprisse as regras ficava sujeito à notificação por escrito, multa, cancelamento da licença e remoção do anúncio. A medida nunca foi popular entre os comerciantes, que reclamavam das multas pesadas (em torno de R$ 5 mil) e que o custo da reforma das fachadas seria do próprio bolso. Já o então prefeito defendia que o Centro se tornaria um shopping a céu aberto.

“A proibição será tão rigorosa quanto em São Paulo. Será a mesma coisa. Quem não respeitar será punido. Vou vestir a camisa do Centro porque nós temos que ter as lojas âncoras, temos que fazer do nosso Centro um grande shopping a céu aberto”, afirmou Nelsinho, em 24 de maio de 2011.

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Centro de Campo Grande cheio de paineis de publicidadeno ano de 2012. (Foto: Arquivo)

Uma década depois, em 10 de dezembro de 2021, em edição extra do Diário Oficial, o prefeito Marquinhos Trad (PDT), atual vereador e irmão de Nelsinho, revogou o decreto do Cidade Limpa e as multas. “Ficam canceladas as notificações executadas pelo Decreto n. 11.510, de 23/5/2011, para revisão e adequações necessárias das legislações em vigor”.

Dias antes, a CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) havia iniciado mobilização contra o Cidade Limpa, cujas regras se aplicavam ao polígono formado pela Avenida Presidente Ernesto Geisel, Rua 14 de Julho, Rua Eça de Queiroz, Rua 13 de Maio, Rua Pernambuco, Rua Rui Barbosa, Avenida Mato Grosso, Rua Padre João Crippa, Avenida Afonso Pena, Rua Pedro Celestino, Avenida Fernando Correa da Costa, Rua Rosa Cruz, Rua Alan Kardec e Rua Dom Aquino.

A Justiça havia determinado à prefeitura a fiscalização imediata e multas no caso de descumprimento da determinação, no valor de R$ 1.000,00, até o máximo de R$ 12.000,00 por imóvel, a ser revertida ao Fundo Municipal de Meio Ambiente.

Na sequência, após a revogação, foi publicado novo regramento. “Reduziu a área de abrangência, mas ele ainda está valendo. Foram ações no Centro para aparecer as fachadas dos imóveis, tinha muitas publicidades. A maioria era construção antiga e a ideia foi despoluir a parte publicitária para que o projeto arquitetônico aparecesse”, diz o superintendente de Urbanismo da Semades (Secretaria de Meio Ambiente, Gestão Urbana e Desenvolvimento Econômico, Turístico e Sustentável), em entrevista no dia 4 de julho.

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Revitalizaçao da Rua 14 de Julho foi entregue em novembro de 2019. (Foto: Gabriel Marchese)

A "Nova  14 de Julho" – No dia 29 de novembro de 2019, Campo Grande estava em festa. Depois de 380 dias de obra, que oscilou de muitas críticas ao apoio na reta final, Marquinhos Trad inaugurava a revitalização da Rua 14 de Julho, principal via comercial do Centro de Campo Grande.

A “Nova 14” exigiu 17 meses de obras e R$ 49,2 milhões, financiados pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), dentro do Reviva Campo Grande. A fiação desceu para o subsolo, limpando o cenário, o piso de asfalto foi substituído pelos charmosos paralelepípedos, as calçadas aumentaram e a via foi equipada com nova estrutura subterrânea para escoamento da água e receber os cabos de telefonia, energia elétrica e TV por assinatura.

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Festa da entrega da revitalização da 14 de Julho em 2019. (Foto: Arquivo)

Mas a festa durou pouco. Em março de 2020, a pandemia da covid chegou a Campo Grande. Foi o tempo do “fique em casa”, com fechamento de lojas para reduzir a circulação de pessoas. O horror do coronavírus, com mortes em escala sem precedentes no Estado, também impactou a economia.

Além da redução do movimento e do faturamento, massificou-se as vendas on-line. Ou seja, não era mais preciso custear um aluguel caro no Centro, as vendas podiam se sustentar com uma estrutura menor nos bairros, por meio de entregas.

Duros golpes – A história do Centro de Campo Grande se desdobra aos olhos de Adelaido Vila. Atual presidente da CDL, ele passou a infância na 14 de Julho, onde a família tinha loja, e, ao longo do tempo, acompanhou os vários projetos para reviver a região.

“O Camelódromo foi muito positivo. Mas veio o fechamento da antiga rodoviária. O Cidade Limpa foi um golpe bastante duro. Os proprietários dos imóveis não colocaram a mão no bolso para as reformas. O empresário que pagou. Mas em vez de melhorar o visual da 14, acabou piorando”, diz Adelaido.

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Obra na 14 de Julho em 2019 para abrigar tubulações e transformadores de energia. (Foto: Arquivo)

Quanto à reforma da Rua 14 de Julho, o presidente da CDL lembra do começo turbulento. “A promessa era de que a obra seria de duas em duas quadras, mas tudo aquilo que a gente discutiu por seis anos não aconteceu. Na hora da execução, foi totalmente diferente e atrapalhou a mobilidade. Foi um verdadeiro caos. Perdemos 800 vagas de estacionamento com o calçadão e ali começa o nosso drama”.

Sobre o novo projeto do poder público, Adelaido conta que ainda não sabe os detalhes. “Por esse nome, Atenção ao Centro, a prefeitura está admitindo que o Centro está abandonado”.

Conforme diagnóstico da CDL, 2.613 empresas foram fechadas no quadrilátero central, formado pelas ruas Rui Barbosa, Calógeras, 26 de Agosto e Avenida Mato Grosso, nos últimos sete anos.

Adelaido, que foi secretário de Inovação, Desenvolvimento Econômico e Agronegócio em Campo Grande, avalia que o Centro precisa de, ao menos, três medidas para sobreviver.

“Os botecos trazem vida para a região. Mas a limpeza pública tem que funcionar, com o recolhimento desse lixo para que o trabalhador do dia não seja prejudicado”, diz.

Ainda de acordo com o presidente da CDL, o setor precisa que o estacionamento rotativo volte ao Centro, para que as vagas sejam liberadas, e ações para aumentar a segurança. A região tem muitos dependentes químicos e um acentuado tráfico “formiguinha” de drogas.

“Tem o videomonitoramento. Mas a câmera não desce do poste”, enfatiza Adelaido. Outro pedido é que a prefeitura fomente, com incentivos, a construção de moradias.

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“Vir ao Centro nem é passeio, é costume”, diz José, de 80 anos. (Foto: Henrique Kawaminami)

Ex-quintal de casa – José Chaves, 80 anos, “nascido e criado” em Campo Grande, passou a infância na região central. No passado, uma mistura de mato, casas e carroças.

“Tinha armazéns aqui na Rua 14 de Julho. Passava carroças, carro de boi. Eu morava na Calógeras, esquina com a Cândido Mariano. Tudo era centralizado aqui. Para cima, era mato. Depois que a cidade foi crescendo na beira do córrego, esse que agora não aparece”, diz José, sobre o curso de água canalizado na Avenida Fernando Corrêa da Costa.

Morador na Rua Euclides da Cunha, hoje ele vai ao Centro por necessidades pontuais, como trocar pilha de relógio ou compra no comércio popular. “Vir ao Centro nem é passeio, é costume”.

Na 14 de Julho, a quadra entre a Rua Maracaju e a Rua Antônio Maria Coelho era marcada pela presença de lojas com produtos e roupas para bebês e crianças. Algumas ainda resistem, mas boa parcela já se instalou nos bairros, de onde partem as entregas para atender os campo-grandenses que ainda estão no berço.

Gerente de loja que ainda resiste, Cristiane Mendes conta que foi preciso subir alguns metros na via para sair da vizinhança de um bar, setor que tem ganhado espaço na vida noturna da 14 de Julho.

“Era muita porquice. Tinha que lavar as calçadas e porta com Qboa, sabão todos os dias. Fora tirar o que deixam. Não dava para conviver com isso”, diz.

Desde a década de 90, quatro projetos já tentaram “salvar” o Centro da Capital
Lojas vão embora da 14 de Julho e fica a placa de "aluga-se". (Foto: Henrique Kawaminami)

A loja de roupas infantil tem grande demanda de venda on-line. “Hoje, vende mais pela internet do que no físico. Por enquanto, a gente ainda tem a ilusão de que o Centro vai melhorar. Os alugueis estão muito altos, por isso tantas lojas fechadas”.

O Centro como bairro – Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP (Universidade de São Paulo) e professor na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Julio Botega afirma que é preciso ver o Centro como lugar de viver, superando a visão engessada de que ali é lugar de comprar.

“Ainda acham que o Centro pode competir com os shoppings. Mas isso não acontece mais. Em outros lugares, já foi entendido que o Centro é um bairro. E não pode ser monofuncional. Não pode ser só comercial, como algumas pessoas de Campo Grande acham que devem ser. Tem que ser um bairro onde as pessoas moram, trabalham. Essa ideia de Centro como lugar de polarização da cidade, onde todo mundo vai. Isso é algo que ficou no passado”.

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"Em outros lugares, já foi entendido que o Centro é um bairro", diz Julio, professor da UFMS. (Foto: Henique Kawaminami)

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