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Capital

Famílias denunciam violência obstétrica e cobram justiça em audiência pública

Encontro tratou de falhas no atendimento materno-infantil e da retomada da ação sobre maternidade da Capital

Por Mylena Fraiha | 26/11/2025 13:57
Famílias denunciam violência obstétrica e cobram justiça em audiência pública
Famílias de vítimas de violência obstétrica acompanham da plateia discussão sobre o tema na Câmara Muncipal (Foto: Marcos Maluf).

Entre cartazes, relatos de dor e cobranças por justiça, seis famílias que perderam filhos por negligência ou violência obstétrica participaram, na manhã desta quarta-feira (26), de audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande. O encontro, intitulado “Entre dor e direitos: a realidade da violência obstétrica”, discutiu falhas no atendimento materno-infantil, a criação de protocolos de prevenção e confirmou a reabertura da ação civil pública que investiga irregularidades na Maternidade Cândido Mariano.

RESUMO

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Seis famílias que perderam filhos por negligência ou violência obstétrica participaram de audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande. O encontro discutiu falhas no atendimento materno-infantil e confirmou a reabertura da ação civil pública que investiga irregularidades na Maternidade Cândido Mariano. Entre os casos relatados, destaca-se o de Elisa, que sofreu danos neurológicos graves durante o parto e faleceu em 2024, e o de Antônio Gabriel, que não resistiu após negligência médica. A ação do Ministério Público aponta 265 não conformidades na maternidade, sendo 118 críticas, incluindo problemas estruturais e documentais.

O debate foi proposto pela vereadora Luiza Ribeiro (PT) e secretariado por André Salineiro (PL). Ambos relatam que receberam denúncias de pais e mães sobre violência obstétrica em seus gabinetes com frequência.

“É preciso tratar especificamente da conduta dos profissionais que atendem mulheres e crianças no momento do nascimento: primeiro, para evitar mortes, lesões e sofrimentos; e também para garantir uma relação mais humanizada. Isso envolve procedimentos médicos, claro, mas também políticas públicas estaduais, municipais e até nas unidades privadas”, disse a vereadora.

Famílias denunciam violência obstétrica e cobram justiça em audiência pública
Manifestante leva cartaz para denúncia violência obstétrica (Foto: Mylena Fraiha).

Uma das pessoas que participou foi a farmacêutica e psicóloga Vanessa Quadros dos Reis, de 46 anos, que relatou a história da filha Elisa, que nasceu na Maternidade Cândido Mariano em 8 de fevereiro de 2022, durante a pandemia. Ela diz que a equipe insistiu em um parto natural sem evolução e se ausentou da sala no período expulsivo.

“Elisa entrou em sofrimento fetal e ficou sozinha enquanto elas tomavam café com chipa”, contou. Segundo Vanessa, a bebê sofreu encefalopatia hipóxico-isquêmica, convulsionou, passou por UTI e desenvolveu multideficiências. “Ela ficou com tetraparesia, epilepsia, síndrome de Oeste, precisou de traqueostomia e gastrostomia. Faleceu em 27 de fevereiro de 2024”.

Famílias denunciam violência obstétrica e cobram justiça em audiência pública
Vanessa relata violência obsétrica vivida durante parto da filha Elisa (Foto: Mylena Fraiha).

Vanessa afirma que só depois descobriu que as profissionais envolvidas eram reincidentes. Amanhã (27), ela participa da primeira oitiva no CFM (Conselho Federal de Medicina). “Espero que o CRM se posicione para impedir que ciclos de violência se repitam".

Também presente na audiência, o servidor público Adalberto Fontoura Alves, de 39 anos, pai de Antônio Gabriel, relatou negligência. Ele explica que o bebê nasceu também na Maternidade Cândido Mariano, com cesárea marcada e pré-natal sem intercorrências.

Segundo Adalberto, o recém-nascido apresentou dificuldade respiratória logo após o parto. “Quando percebi que ele não respirava bem, chamei a enfermeira. Em minutos, ela me disse que o médico tinha ido embora”, afirmou.

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Adalberto relata que, após perder o filho Antônio Gabriel por negligência médica, ficou um ano de luto sem conseguir falar sobre o assunto; hoje milita pela causa (Foto: Mylena Fraiha).

O pai relata que o profissional responsável se negou a retornar, mesmo sendo plantonista e mesmo após aviso da equipe. O bebê só recebeu atendimento às 9h, quase duas horas após o nascimento, porque a plantonista estava em outro parto de alto risco. “Foi uma sucessão de negligências. Resumindo: ele foi abandonado.” Antônio Gabriel ficou cinco dias internado na UTI, mas não resistiu.

Após ficar um ano de luto e sem falar sobre o caso, Adalberto explica que conheceu outras famílias que passaram pela mesma situação e decidiu se unir à luta. “Foi um momento muito difícil”, disse. “Acabei criando forças para ajudar, para me juntar a elas, à luta delas, para buscarmos não só justiça, mas o bem-estar e a proteção de quem precisa do remédio.”

Ele explica que o grupo conta com seis famílias — dos falecidos Levi, Kalleb, Elisa, Dante, Dudu e Antônio Gabriel — mas que já receberam denúncias de outras. Ele elaborou um dossiê sobre os casos e entregou às autoridades presentes. “Fiz um dossiê sobre todos os casos, com detalhes. Foram mais de 100 denúncias".

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Adalberto entrega para autoridades dossiê que elaborou sobre os casos de violência obstétrica (Foto: Mylena Fraiha).

Discussões - As discussões passaram pelas boas práticas de parto e pela necessidade de atendimento humanizado. A defensora pública Thais Dominato Silva Teixeira explicou que o trabalho envolve repressão, com ações indenizatórias, mas principalmente prevenção.

“A gente precisa mudar práticas, trabalhar com a formação dos profissionais e com o empoderamento das mulheres. Há procedimentos que não podem mais ser realizados”, afirmou Thais. Ela também defendeu a criação de um observatório de casos e a implantação de uma casa de parto em Campo Grande.

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Angélica reforçou que denúncias são fundamentais para gerar responsabilização (Foto: Mylena Fraiha).

Já a secretária-executiva da Mulher, Angélica Fontanari, reforçou que denúncias são fundamentais para gerar responsabilização. Ela lembrou que casos de violência obstétrica podem ser reportados ao 180, central de atendimento a mulheres, e ao 136, canal do Ministério da Saúde.

“No mundo jurídico, aquilo que não está registrado não existe”, disse Angélica. “Precisamos divulgar esses canais para que as investigações avancem”, complementou a secretária-executiva da Semu (Secretaria Executiva da Mulher).

Apesar dos convites, o CRM-MS (Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul) e o Coren-MS (Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul) não enviaram representantes, segundo os vereadores.

Ação pública - Durante a audiência, representantes da OAB e mães mencionaram a reabertura da ação civil pública que apontou problemas estruturais e documentais na maternidade. Conforme já noticiado, o processo havia sido suspenso até 31 de outubro, após a instituição assumir o compromisso de corrigir falhas apontadas pela Vigilância Sanitária.

O relatório que embasou a ação, proposta pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) em 2023, apontava 265 não conformidades, sendo 118 críticas — infiltrações, fiação exposta, falta de alvarás e problemas nos centros cirúrgico e obstétrico, na UTI neonatal e em áreas de esterilização.

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Na tribuna, promotor Marcos Dietz confirmou que solicitou a retomada da ação que investiga maternidade da Capital (Foto: Mylena Fraiha).

O promotor Marcos Roberto Dietz, da 76ª Promotoria de Justiça, confirmou que solicitou a retomada da ação. “Uma vistoria de julho deste ano mostrou que várias irregularidades persistem. O processo não está parado; já pedimos a continuidade”, afirmou.

Ele também citou outra ação que cobra ampliação de leitos neonatais e o acompanhamento da reestruturação da Rede Aline, que substitui a Rede Cegonha. “Mais importante do que criar novos canais é fazer funcionar os que já existem”, disse Marcos. “A informação chegou, e o Ministério Público pôde atuar porque esses mecanismos estão ativos”, complementou.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Maternidade Cândido Mariano para saber se o hospital deseja se pronunciar sobre a reabertura da investigação do MP (Ministério Público). O espaço segue aberto.

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