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Interior

“Droga, arma, tem que ser no dinheiro”, diz policial ao negociar com traficante

Deyvison Hoffmeister dos Santos e dois colegas de equipe estão presos desde o dia 23 de agosto

Helio de Freitas, de Dourados | 10/09/2021 16:11
Print da conversa entre PM e traficante; fotos de bebê e de cocaína no mesmo dia. (Foto: Reprodução)
Print da conversa entre PM e traficante; fotos de bebê e de cocaína no mesmo dia. (Foto: Reprodução)

Foi a foto de pacotes de cocaína enviada pelo aplicativo de conversa WhatsApp, que levou a polícia a descobrir o envolvimento de três policiais militares com o tráfico de drogas e de armas, em Dourados, cidade a 233 km de Campo Grande.

Além dos pacotes da droga, fotografados ainda na casa onde foram aprendidos, no Jardim André, a imagem mostrava parte da calça da farda de um dos policiais e o coldre da arma na perna.

Os cabos Robson Valandro Marques Machado e Vlademir Farias Cabreira e o soldado Deyvison Hoffmeister dos Santos foram presos no 23 de agosto deste ano, pela Corregedoria da PM, acusados de desviar 25 dos 30 quilos de cocaína apreendidos por eles, em abril deste ano.

Parte da droga desviada (11 quilos) foi encontrada em uma “boca”, na Vila Cachoeirinha, cinco dias depois, por policiais da Defron (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes de Fronteira). Jonatan Nascimento Ferreira, o traficante preso no local, era amigo e sócio de Hoffmeister nos negócios sujos.

Foi no celular de Jonatan que os policiais encontraram as provas incriminando Hoffmeister e, consequentemente, seus dois companheiros de equipe na Força Tática da PM.

Nesta semana, o Campo Grande News teve acesso com exclusividade, a detalhes do processo em andamento na Justiça Militar. Os documentos trazem a transcrição e print das conversas entre o PM Hoffmeister e Jonatan, envolvendo a comercialização de armas e drogas fornecidas pelo policial e revendidas pelo bandido.

Dinheiro vivo - “Ah não, não tem como, o baguio nem é meu, é de terceiro, ta ligado? E essas fita aí cê ta ligado que tem que ser certinho né, que é ilícito, é droga, arma, aí tem que ser tudo no dinheiro, no cacau, esse negócio de prazo não vira não”, afirmou Deyvison Hoffmeister a Jonatan, durante negociação de uma pistola calibre 9 milímetros.

As conversas extraídas do celular de Jonatan no dia em que ele foi preso, revelam a intimidade entre o policial militar e o amigo, dono de extensa ficha criminal. Existia até complacência do PM com a demora do amigo em pagar dívidas de negócios ilícitos.

“Ow viado, deixa eu falar pra você, eu mandei um dinheiro, uma quirera, o guri ta fazendo o corre do dinheiro aqui, ele falou que vai mandar R$ 6.500 na 9 mm [pistola calibre 9 mm], canta os R$ 6.500 e aí na outra lá, tem negócio para essa aí também, vou ver se o cara se interessa nessa aí também”, disse Jonatan ao policial Hoffmeister.

Apesar da promessa, o dinheiro pela venda da arma não foi pago no dia combinado. As negociações ocorreram em março deste ano.

“Ow brother, vê aí, eu to com vergonha do cara já, me cobrando aqui! Vê aí se o cara não te pagou, vamos pegar essa bengue [pistola 9 mm] e eu vendo para outro aqui e é no dinheiro. Passei pra você porque eu confio em você, você é meu campanha, mas é doido é, eu to passando vergonha aqui já”, reclamou o policial.

Conversas entre Jonatan e o PM Dayvison sobre venda de armas. (Foto: Reprodução)
Conversas entre Jonatan e o PM Dayvison sobre venda de armas. (Foto: Reprodução)

Cocaína – O negócio que derrubou o esquema dos policiais Hoffmeister, Valandro e Vlademir, ocorreu no início de abril deste ano. No dia 3 daquele mês, eles prenderam André Marcelo Silva Morais, 28, em um Astra 2001.

A ocorrência registrada pelos PMs revelava, na época, que o carro foi abordado porque estava com o vidro trincado e a equipe da Força Tática acabou encontrando pacotes de drogas no veículo. Consequentemente, na casa de André, os policiais apreenderam 99 quilos de maconha e os 10 quilos de cocaína entregues à Polícia Civil.

Entretanto, a investigação da Corregedoria da PM revela que a história foi diferente. André já estava na mira da equipe de Hoffmeister. Eles já tinham abordado o rapaz dias antes.

Testemunha – De uma cela na PED (Penitenciária Estadual de Dourados), onde está recolhido desde abril, André afirmou a policiais da Corregedoria da PM que, na casa, existiam 35 quilos de cocaína e não apenas os 10 quilos citados na ocorrência da PM, entregue à Polícia Civil.

As conversas extraídas do celular de Jonatan mostraram também que o soldado Hoffmeister começou a negociar a venda da cocaína ainda na casa de André, na Rua Ediberto Celestino de Oliveira, região sul de Dourados.

Além de enviar a foto dos pacotes, ele perguntou ao amigo traficante se o depósito de droga não seria de um de seus comparsas. Como a resposta foi negativa, Valandro e Vladimir levaram André com a droga para a delegacia.

Hoffmeister teria se apossado de 25 quilos de cocaína que estavam em uma mala e levado no Astra de André. A droga não chegou à delegacia, mas o carro foi apresentado à Polícia Civil no mesmo dia. André Morais disse que, enquanto estava na delegacia para ser autuado em flagrante, percebeu a falta de uma mala de cocaína.

Negociação – As conversas extraídas do celular de Jonatan, mostram que as negociações sobre a venda da cocaína desviada pelos PMs levaram dias e começaram na data em que a filha do traficante nasceu. No mesmo dia em que mandou foto da recém-nascida para o amigo, Jonatan recebeu a imagem da droga apreendida.

“Então, eu não falei nada gay, eu falei ‘o cara ali tem um talco [cocaína] bom, mega, aí ele falou para mandar foto e levar amostra, ele falou quantos que o cara tem, eu falei 20 peças [quilos]. Aí o cara falou: leva amostra e vê quantos ele quer por quilo, mais ou menos’. Eu falei que o cara quer vender tudo”, disse Jonatan ao policial.

Deyvison Hoffmeister respondeu: “dou preferência para você, ta com nenezinho novo, já compra umas fraldas”.

Para a polícia, os diálogos deixam evidente que Jonatan é pessoa próxima e de confiança de Deyvison, a quem o PM oferecia com frequência armas e drogas e com quem o policial fez vários negócios ilícitos.

Comprador – A transcrição das conversas também revelou ligação estreita de Jonatan com o traficante, identificado apenas como “Sisi”. Ele negociava a compra da cocaína fornecida pelos PMs para traficantes do Rio Grande do Sul. A polícia ainda não chegou a “Sisi”.

Depois de muita negociação, Deivison concordou em repassar dez dos 25 quilos que estavam em seu poder para “Sisi”, ao preço de R$ 14 mil por quilo.

Para atestar a qualidade do produto, Jonatan disse a “Sisi”, que colegas de trabalho tinham experimentado a droga. “Mandei pros caras aqui dar um tiro [cheirar]. Os caras cheirou e falou: das melhor que tá tendo aqui na quebrada. BO dos pipoco, os cara ta agoniado”.

Os três policiais militares continuam recolhidos no Presídio Militar, em Campo Grande. Ontem, o juiz da Auditoria Militar Alexandre Antunes da Silva rejeitou o pedido de revogação da prisão preventiva de Robson Valandro Marques Machado, Vlademir Farias Cabreira Deyvison Hoffmeister dos Santos.

Mala com a cocaína que foi entregue à Polícia Civil, em abril. (Foto: Divulgação/PM)
Mala com a cocaína que foi entregue à Polícia Civil, em abril. (Foto: Divulgação/PM)


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