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Lado B

Viver bem e até os 100 anos, sonha adolescente portador do HIV

Paula Vitorino | 01/12/2011 11:16

Adolescente de 14 anos perdeu os pais vítimas da Aids, mas com uma rotina de 7 comprimidos por dia se orgulha em dizer que sua saúde está ótima e afirma que o vírus não torna sua vida diferente dos demais garotos da mesma idade

Everton tocando teclado no Lar das Crianças. Adolescente aprendeu ter o gosto pela música com o padrinho. (Foto: Paula Vitorino)
Everton tocando teclado no Lar das Crianças. Adolescente aprendeu ter o gosto pela música com o padrinho. (Foto: Paula Vitorino)

Um sorriso sempre pronto nos lábios, mesmo que seja tímido, mas que transmite a alegria de viver de um adolescente de 14 anos portador do vírus HIV/Aids.

“Só quero viver, e bem. Chegar até os 100 anos ou quem sabe bater o recorde de idade. Quero ter minha vida normal, saúde, emprego e uma família”, diz Everton, após pensar nos sonhos para o futuro e desejar seu objeto de consumo, um avião.

O adolescente adquiriu o vírus HIV da mãe, durante a amamentação, e no Dia Mundial de Combate a Aids mostra que viver com a doença é uma prova de superação, mas que nem por isso o torna diferente dos demais garotos de sua idade.

“Eu sou normal. Tem gente que acha que porque a pessoa tem Aids vai tá sempre sofrendo, doente, mas eu não sinto nada em mim, faço as mesmas coisas que os outros”, frisa.

Enquanto cresce, ele faz planos para os estudos e revela que quer ser médico veterinário ou advogado, mas também já pensou na possibilidade de entrar para a Aeronáutica.

Everton também acredita que até chegar a vida adulta irão descobrir algum medicamento para "sarar a Aids". Até lá, para garantir a vida normal, ele cumpre a rotina diária de tomar sete comprimidos, ao menos, e sabe que os remédios são vitais para não “bater com as dez”.

“Estou com minha saúde ótima”, ressalta com orgulho e também diz que nem se lembra da última vez em que esteve em um hospital. “Odeio o cheiro de lá, tenho pavor”.

Mas mesmo consciente sobre a importância dos remédios, Everton, como qualquer adolescente, muitas vezes precisa de um “incentivo”, que em sua casa vem dos lembretes da tia, apelidados de alarme.

“Tem um alarme em casa pra não deixa esquece, sabe?! É a minha tia, que toda hora fica me lembrando, mesmo quando já estou deitado”, revela aos risos.

A tia, Rosália, ensina que os remédios são a vida dele e a garantia de estar sempre saudável, longe das doenças oportunistas da baixa imunidade do organismo provocada pelo vírus.

Meninas brincam no Lar das Crianças com Aids, que oferece atendimento gratuito para crianças soropositivo. (Foto: João Garrigó)
Meninas brincam no Lar das Crianças com Aids, que oferece atendimento gratuito para crianças soropositivo. (Foto: João Garrigó)

Vida - Everton conta que já viu as conseqüências reais da Aids no organismo sem o medicamento e por isso segue a risca o tratamento. "Não ficar mal", afirma.

No início deste ano um dos seus melhores amigos, de 15 anos, ficou várias semanas internado no hospital devido complicações no estado de saúde após ficar cerca de 10 dias sem tomar a medicação.

Mas o próprio adolescente já teve de lutar contra a morte logo nos primeiros anos de vida. Ele não lembra com nitidez, mas Rosália conta que até os 4 anos Everton vivia doente e só não morreu por graça de Deus e a assistência das irmãs da Afrangel (Associação Franciscanas Angelinas) – Lar das Crianças vivendo com HIV/Aids.

“Ele era só pele e osso. O Everton tinha morrido na época se não fosse a ajuda das irmãs. Algumas vezes que ele foi pro hospital achávamos que ele não voltava mais, mas hoje está aí forte, graças a Deus”, diz.

Everton perdeu a mãe quando tinha cerca de 2 anos, e depois de 1 ano e 4 quatro meses o pai também faleceu. Desde então, ele e o irmão mais velho, que não é soropositivo porque foram tomadas todas as medidas de prevenção desde a gravidez até o nascimento e a não amamentação, moram com a tia.

“Prometi para meu irmão que iria cuidar dos filhos deles”, diz.

O adolescente foi acolhido pelo Lar das Crianças quando tinha aproximadamente 4 anos e até junho deste ano recebia assistência social e médica da instituição. Por conta da idade, ele agora só vai ao Lar para receber o acompanhamento médico e os remédios. A entidade atende crianças de 0 a 13 anos.

Toda a medicação necessária para o combate a Aids é fornecida pelo SUS. Em Campo Grande, os atendimentos de referência são realizados nas duas unidades do Hospital Dia – Nova Bahia e Hospital Universitário.

De acordo com a Sesau, cerca de 1.800 pacientes realizam tratamento na Capital, sendo que esse número engloba alguns soropositivos de municípios do interior.

Desde 1984, são 6.046 registros de pacientes com Aids no Estado, sendo que a Capital tem 3.358 desses casos.

O médico infectologista do Programa de DST/Aids da Sesau, Erivaldo Elias Junior, ressalta que o número de óbitos vem caindo a cada ano devido as novas medicações, que tiveram um maior avanço desde 2000, e o soropositivo consegue viver normalmente hoje, desde que faça o tratamento corretamente.

Adolescente quer crescer, como qualquer pessoa normal, e ser médico veterinário. (Foto: João Garrigó)
Adolescente quer crescer, como qualquer pessoa normal, e ser médico veterinário. (Foto: João Garrigó)

Informação - A mãe do garoto foi contaminada pelo HIV aos 16 anos, quando foi vítima de estupro na fazenda onde trabalhava com a família. Aos 17 anos ela conheceu o pai de Everton, que mesmo sendo alertado pelo sogro sobre a Aids declarou que “meu amor supera qualquer vírus”.

Segundo Rosália, os dois não usavam camisinha e também não seguiam o tratamento contra a doença. Além disso, ela diz que o irmão vivia uma vida regada a mulheres e bebida, tendo provavelmente transmitido a doença a outras moças.

Ela avalia que a negligência do casal os levou a morte, mas ressalta que nenhum dos dois recebeu orientações corretas sobre a doença e a falta de informações contribuiu para a tragédia, inclusive a transmissão para Everton.

“Os dois eram muito fortes, bonitos e todo mundo dizia que era mentira essa história de vírus. Eles acabavam acreditando e achavam que não precisavam de remédio. A mãe do Everton acabou amamentando ele, mesmo depois de ter feito todas as prevenções durante a gravidez. Brigamos por causa disso, mas foi tudo por falta de informação”, diz.

Hoje, ela frisa que não quer o mesmo destino para o sobrinho e por isso faz questão de conversar e orientar. “Ainda falta muita informação sobre essa doença. Muita gente vive no escuro, na ignorância, seja para o tratamento ou em relação ao preconceito. Hoje quem tem Aids pode viver normalmente, falo isso pro Everton, mas precisa se cuida”, diz.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o risco de transmissão do vírus da mãe para o bebê é de menos de 1% quando a gestante realiza as três etapas de prevenção: medicamentos na gestação e parto, não amamentação e o xarope para a criança, que é acompanhada até 1 ano e meio.

Segredo? - Apesar de Everton e a tia concordarem que a Aids precisa ser mais esclarecida para a população, os dois afirmam que a doença é quase um segredo de família para eles, principalmente, por medo do preconceito.

Everton diz que nunca contou para amigos de escola sobre a Aids. “Falar pra quê? Pra depois ficarem falando por trás que esse menino é isso, aquilo”, justifica.

O adolescente é o único da família soropositivo e apenas alguns familiares sabem sobre a doença. Rosália afirma que ainda existe, sim, preconceito e “ninguém tem nada a ver com a vida dos outros”.

O garoto compartilha os assuntos sobre a Aids apenas com os amigos que fez no Lar e considera como os melhores. No entanto, ele diz que vai existir um momento certo para contar para as outras pessoas, mas que ele ainda não sabe qual será.

Sobre namoro, o adolescente não esquenta muito a cabeça com o assunto e diz que “está fraca” a paquera com as meninas. Mas deseja no futuro ter uma namorada e, quem sabe, compartilhar o segredo.

Sem contato? - Everton garante que sabe como evitar a transmissão da Aids e ensina que pelo beijo ou abraço não passa. Mas alerta que pelo sangue ou relação sexual existe a transmissão.

Ele ainda não pensa em como será a vida sexual ou se terá filhos, mas garante que vai se prevenir. “Ah, estou muito novo ainda. Vi a menina de 16 anos grávida na novela e deu o maior problemão. Deixa isso mais para frente”, diz.

Em casa, a tia diz que a convivência dos demais familiares com o adolescente é tranqüila. Segundo a orientação médica que recebeu, os objetos da casa não precisam ser separados. A única exceção é quando Everton tem alguma ferida na boca, aí ele mesmo separa seu copo.

“A gente sempre toma tereré junto. A convivência é normal, ele é normal”, frisa a tia.

Everton ensina que quando sofre algum ferimento ele mesmo faz o curativo, mas também ressalta que quase nunca fez grandes machucados.

Segundo o Ministério da Saúde, o vírus pode ser transmitido pela relação sexual, compartilhamento de seringas, leite materno de mãe com HIV e transfusão de sangue.

Lar das Crianças - A Afrangel atende 29 crianças de 0 à 13 anos que são soropositivo ou foram expostas ao vírus – filhos de mães com o HIV. A instituição é a única no Estado que realiza este tipo de atendimento e, por isso, recebe crianças de diversas cidades do Interior.

No Lar, os meninos e meninas são atendidos por fisioterapeuta, psicólogo, dentista e nutricionista, além de receber toda medicação e acompanhamento especifico para Aids.

As crianças também participam de aulas de informática, reforço escolar e outras atividades desenvolvidas por voluntários. Todas as ações são gratuitas.

O atendimento é feito de segunda à sexta-feira, sendo que as crianças moradoras de cidades do interior retornam para casa nos fins de semana e as que residem na Capital voltam para as residências diariamente.

Além do atendimento prestado as crianças, o Lar oferece apoio a cerca de 90 famílias com algum membro soropositivo. Os familiares recebem cestas básicas mensalmente e participam de formações.

O Lar sobrevive de doações, que podem ser feitas por meio da conta bancária da Afrangel: Agência – 2959-9 - C/C: 22.198-8 Banco do Brasil ou diretamente na instituição.

A Afrangel fica na Rua do Seminário, 2170 – Jardim Seminário. Mais informações: 3365-0590.

Os nomes Everton e Rosália são fictícios para preservar a família

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