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Arquitetura

Bar em antigo hotel vende chá de carqueja e nasceu de uma decepção amorosa

Aline Araújo | 28/10/2014 07:50
Bar em prédio antigona rua Antônio Maria Coelho, entre Calógeras e 14 de Julho. (Foto: Marcelo Calazans)
Bar em prédio antigona rua Antônio Maria Coelho, entre Calógeras e 14 de Julho. (Foto: Marcelo Calazans)

Na rotina corrida, muitas vezes a gente olha mais não vê. Alguns prédios antigos no Centro não são notados em meio a tinta da parede descascando, aos tijolos rachados e aparecendo. Na rua Antônio Maria Coelho, a fachada antiga ficou escondida atrás das grades para a proteção, mas o lugar continua dono de uma história. Já foi hotel e hoje é casa e bar, com direito a vender chá de carqueja, tônico para quem exagerou na bebida ou anda mal do estômago.

Quem cuida da lanchonete por ali é Dionísia Gimenez, de 72 anos, conhecida como Dona Nice. Apesar dos tombos da vida, o tempo foi generoso com ela. A brasileira, que carrega o sotaque paraguaio pelos 12 anos que morou no país vizinho, tem a pele e o sorriso de dar inveja a muita gente nova por ai.

Com simpatia, ela questiona o interesse por uma reportagem sobre o prédio: “É tão feio?”. Mas o lugar surpreende pelos detalhes.

Dona Nice cuida do bar aos 72 anos. Marcelo Calazans)
Dona Nice cuida do bar aos 72 anos. Marcelo Calazans)
Obras estão expostas.( Marcelo Calazans)
Obras estão expostas.( Marcelo Calazans)

A máquina registradora é bem antiga, foi comprada em 69. Para abençoar os negócios, no pé os santinhos colados demonstram a fé da proprietária no trabalho. Do lado, a garrafa com carqueja tem a dose vendida a R$ 1,00. Para divertir, duas mesas de sinuca tem até nome, batizadas de Morenão e Maracanã.

Quem aparece, também pode tomar um conhaque, uma cervejinha, um café, ou até leite. O pastel é um dos petiscos, mas o carro-chefe mesmo é a sopa paraguaia legítima, servida por R$ 3,50.

No lugar, frequentado por alguns trabalhadores e por outros já transtornados pelo álcool, tem, inclusive, um cantinho para expor obras de artes. O aviso orienta “Favor não mexer” preserva os quadros que estão à venda. Por R$ 45,00, você leva uma imagem para casa.

Dona Nice conta que já faz 45 anos que abriu a lanchonete. Em cima do prédio, uma janelinha bem pequena chama a atenção. Antes era um quarto, hoje é apenas um depósito de coisas que já não são mais usadas.

A maquina é de 1969 e cliente pode pedir preparado de carqueja. (Foto: Marcelo Calazans)
A maquina é de 1969 e cliente pode pedir preparado de carqueja. (Foto: Marcelo Calazans)

Muita história - Nice era costureira e morou no Paraguai dos 12 aos 24 anos. Quando o marido resolveu comprar um hotel em Campo Grande e voltar para o Brasil, ela o acompanhou. Aqui, os dois passaram a tocar o Hotel Tupy, nos tempos em que a proximidade com a estação ferroviária ainda era estratégica. "Mas ele era terrível, mulherengo. Eu sofri muito, até o dia que ele decidiu ir embora com uma menina de 14 anos", conta.

Segundo ela, a decepção amorosa não parou por aí. “Ele disse que tinha se apaixonado e foi, depois pediu pensão para mim e acredita que a justiça fez eu pagar?”, comenta.

Nice lembra que as dividas foram crescendo, o negócio começou a ficar decadente, e ela teve de se desfazer de parte do Hotel Tupy. Deixou apenas o espaço onde hoje funciona o bar, o resto virou estacionamento. Batalhadora, criou os três filhos, e cada um seguiu sua vida. O rapaz abriu o próprio negócio e as 2 meninas às vezes passam ali para ajudar ela na cozinha.

Dona Nice conta a história carregada de marcas, mas tem também uma alegria e tranquilidade por estar viver no seu canto, apesar de ser um lugar tão "feinho", como ela mesma diz. “Hoje estou tranquila, em paz, mas você nem imagina tudo que eu carrego nessa carcaça”, brinca.

As mesas de sinuca ganharam nomes. (Foto:Marcelo Calazans)
As mesas de sinuca ganharam nomes. (Foto:Marcelo Calazans)
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