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Comportamento

Ao som de Raul Seixas, pai treinou filho para ver a ausência com outros olhos

Paula Maciulevicius | 28/01/2017 07:05
Seu Luiz com o filho Luizinho. (Foto: Arquivo Pessoal)
Seu Luiz com o filho Luizinho. (Foto: Arquivo Pessoal)

Idealista, visionário, poeta e pai. Tem uma década que Luiz Válter partiu, justamente no ano em que o filho André entrou na faculdade. De despedida, o corretor de imóveis ensinou a enxergar a ausência com outros olhos, como quem já sabia que estava prestes a partir.

André é jornalista, fotógrafo e dono de uma sensibilidade incrível. Sempre a imaginar como seria ir ao posto de gasolina onde encontrava o pai depois do trabalho, ele sente mais pelo que Luiz Válter não viu: o que de impressionante aconteceu na família, o sucesso, os netos e até as armadilhas da vida. 

"Ele provavelmente teria feito um blog onde a essa altura já teria escrito milhões de textos num esforço de vida para fazer a humanidade enxergar os erros que comete a cada passo. O velho era idealista, um poeta, um visionário, foda! Ele queria a paz mundial, maninho, e isso não é qualquer um que leve a sério", descreve André Patroni, hoje com 27 anos. 

Com o filho Edinho.  (Foto: Arquivo Pessoal)
Com o filho Edinho. (Foto: Arquivo Pessoal)
E o filho André.  (Foto: Arquivo Pessoal)
E o filho André. (Foto: Arquivo Pessoal)

No cartão de visita, Luiz Válter Duenha Patroni tinha, além do nome e a profissão de corretor de imóveis, uma logo de uma pomba da paz com o texto "Movimento Mundial Pela Paz no Planeta".

Seu Luiz passou mal em pleno Dia dos Pais de 2006. Infartou, foi para a Santa Casa e no dia seguinte, entre a visita dos pais e dos filhos, o coração resolveu parar de novo. "Fui entrar com o meu irmão e ele tinha tido outro infarto, estava entubado", conta André.

De agosto até janeiro de 2007, o pai ficou em estado vegetativo. "A gente esperava que ele se recuperasse ou não, qualquer coisa que fosse o melhor para ele", lembra. Luiz tinha só 49 anos.

Nas memórias do filho, o que ficou gravado foi o dia em que divulgaram o resultado do vestibular. André estava fora de Campo Grande e recebeu um abraço apertado do pai na rodoviária. "Foi um dos abraços dos quais nunca vou me esquecer. Por um descaminho do destino, no meu primeiro dia de aula, um semestre depois, ele não estava mais por aqui, tinha pegado o "trêm das sete", partido dessa para melhor", narra.

Mas antes, seu Luiz preparou bem o filho para o momento da partida. "Ele dizia sempre: 'filho, um dia eu vou ter que ir embora'. Era até estranho conversar com ele sobre aquilo, mas foi daquela forma que ele conseguiu fazer com que eu me mantivesse forte diante daquela situação, que é muito difícil até hoje. Com sua forma de dialogar ele não só me preparou pra sua despedida, como também treinou muito bem meu olhar", explica.

A ausência ganhou outro significado quando André passou a treinar os olhos para enxergar além. "Basta enxegar 'além' e não 'O além'. Foi assim que percebi que a ausência é um mito criado por quem não percebeu que eles apenas estão em outro nível de consciência", completa.

Seu Luiz Válter em uma corrida de kart.
Seu Luiz Válter em uma corrida de kart.
Cartão de visitas trazia mensagem de paz.
Cartão de visitas trazia mensagem de paz.

Lembrar do pai assim, materializando a saudade em histórias fica ainda mais gostoso com trilha sonora. Dia desses, o filho também se lembrou das viagens de Cuiabá a Campo Grande de carro, as paradas para lanches e idas ao banheiro que traziam como hábito a compra de fitas do Raul Seixas.

"E era demais viajar ouvindo Raul. Eu me lembro e devia ter três anos na época. E em cada parada, uma nova fita. Sempre com os maiores sucessos, de modo que a maioria das fitas tocava as mesmas músicas.

Eu me lembro que, inclusive, no dia em que ele passou muito mal, ele estava no chuveiro para tentar melhorar, suando para caralho num pré infarto e mesmo daquele jeito cantarolando trechos dessa letra.

E sempre é especial ouvir essa música, cantar o refrão com saudade pensando no velho, doido pra um dia dar uns rolê no disco voador dele. Tem tanta estrela por aí".

E o que ficou em André do seu Luiz? A lição de que todo mundo, quando passa pela Terra, deixa sementes de si mesmo. E por meio dos brotos que vencem o asfalto da vida,  se consegue manter contato com aqueles que se tornaram invisíveis aos olhos.

"A essência do meu pai se manifesta

> na felicidade do meu sorriso; na honestidade das minhas escolhas;
> na determinação e solidariedade da minha mãe;
> na confiança, algumas vezes cega, que um de meus irmãos deposita nas pessoas;
> na conduta exemplar com que o outro irmão dribla as adversidades no seu caminho;
> na parceria e sabedoria do meu avô;
> no aconchego do abraço da minha vó;
> na alegria das nossas reuniões em família;
> no vento que levanta uma pipa;
> no cheiro da gasolina,
> nas derrapagens de uma corrida de kart em dia de chuva
> e até na música que é vinheta do Bom Dia Brasil, que ele tinha que assistir todos os dias antes de me levar pra escola. (Ocasionando atrasos frequentes)".

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