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Meio Ambiente

Com área verde em queda, Campo Grande corre contra o calor e os alagamentos

Congresso quer obrigar cidades a ampliar arborização; em MS, bairros inteiros quase não têm copas de árvores

Por Geniffer Galeano | 13/11/2025 09:30
Com área verde em queda, Campo Grande corre contra o calor e os alagamentos
Rua do Bairro Figueiras do Parque tem apenas arbustos e matagal (Foto: Marcos Maluf)

A árvore virou questão de sobrevivência nas cidades brasileiras, e Campo Grande não foge à regra. Conhecida como “Cidade das Árvores”, quem mora na periferia não entende esse título. A Capital vem perdendo cobertura vegetal por conta de grandes condomínios e já sente os efeitos no aumento da temperatura e na piora dos alagamentos em dias de chuva.

RESUMO

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Campo Grande, conhecida como "Cidade das Árvores", enfrenta uma redução significativa de sua cobertura vegetal devido à expansão de condomínios. A situação é mais crítica na periferia, onde bairros novos apresentam ruas extensas e praticamente desertas de árvores, contrastando com áreas centrais bem arborizadas. A falta de vegetação tem agravado problemas como aumento da temperatura e alagamentos durante as chuvas. A cidade também passa por um processo de substituição da espécie leucena, considerada invasora, em parques e prédios públicos. O Congresso analisa projetos para implementar a Política Nacional de Arborização Urbana, que estabelecerá diretrizes para o planejamento e investimento em cobertura vegetal nas cidades brasileiras.

Para piorar, a cidade está em fase de substituição da espécie leucena, que era vista em parques e na área central, apesar de ser considerada invasora. Atualmente, essa retirada é feita no Parque das Águas e em prédios públicos, como a Central do Cidadão na Rua Cândido Mariano.

Mas o problema ainda é mais visível na periferia. Quanto mais distante o bairro do Centro, menos verde é a região.

Em Campo Grande, o contraste é visível: enquanto ruas do Centro e algumas avenidas esbanjam sombra, loteamentos novos e áreas de expansão urbanas são praticamente desertos de árvores. Durante as enxurradas, a água que não infiltra corre para o asfalto e desce com força, arrastando tudo pela frente, problema que se agravou nos últimos anos.

Com área verde em queda, Campo Grande corre contra o calor e os alagamentos
Motorista Gilvan Ferreira em rua onde única árvore tem menos de 1 metro de altura (Foto: Marcos Maluf)

Conforto zero

Nos bairros mais novos de Campo Grande, o verde ainda é promessa. Ruas extensas, casas recém-construídas e poucas árvores mudam completamente a sensação de calor e conforto. No Figueiras do Parque, o motorista Gilvan Ferreira, de 46 anos, tenta remediar o problema com as próprias mãos.

“Aqui na nossa parte não é tão quente, porque venta mais. Mas é ruim sem árvore, porque as que têm foram plantadas agora, e tem que esperar elas ficarem adultas. Aí é complicado”, conta.

Cansado de esperar pelo tempo e pela prefeitura, ele mesmo decidiu plantar. “Essas duas eu plantei pensando em ter uma sombra aqui na frente, pelo menos pra quem morar aqui depois poder sentar e dividir a sombra”, diz, com esperança.

Para Gilvan, a diferença é visível quando há árvores por perto. “Quando tem árvore, fica melhor até de respirar. E se for árvore de fruto, melhor ainda um dia vai dar fruto pra gente.”

Com área verde em queda, Campo Grande corre contra o calor e os alagamentos
Bela Laguna foi aberto como loteamento, mas as árvores ainda não cresceram  (Foto: Marcos Maluf)

No mesmo bairro, o caixa de supermercado Carlos Fernando, de 31 anos, sente o problema especialmente nos momentos de lazer. “É horrível não ter árvore no bairro. Até na praça não tem. As crianças querem brincar no fim da tarde, mas não tem sombra. A mãe tem que ficar no banco, no sol, sem nem poder tomar um tereré direito.”

As poucas árvores plantadas, segundo ele, ainda são pequenas demais para fazer diferença. “As que tem são pequenininhas, foram plantadas agora”, resume.

No Villagio Vitória, a dona de casa Lorraine Cristian, de 24 anos, diz que a falta de arborização se tornou um problema prático, e perigoso. “Aqui, quando vem o vento, é feio. Balança tudo. No último temporal, o portão até caiu, e a gente teve que escorar o muro pra não cair também”, relata.

Com área verde em queda, Campo Grande corre contra o calor e os alagamentos
Paredão de concreto substituiu corredor de árvores na Avenida Ricardo Brandão, região central da cidade. (Foto: Osmar Veiga)

Ela percebeu a importância das árvores apenas depois de morar no local. “Quando me mudei, não senti falta. Eu só queria sair do aluguel. Depois, com os vendavais e o calor, comecei a ver a diferença. Hoje, se fosse mudar, pensaria num lugar mais arborizado.”

No Bela Laguna, o motoentregador Joilson de Oliveira, de 31 anos, lamenta a falta de cuidado na origem dos loteamentos. “Na avenida principal do bairro era pra ser toda arborizada. Seria bom pro meio ambiente. Mas aqui, quando começaram a limpar os terrenos, derrubaram tudo. Essas árvores que têm foram plantadas por alguns construtores, nas entregas das casas, e só essas ficaram.”

Ele diz que os moradores até se adaptam, mas o impacto é inevitável. “Todo mundo sente falta. Aqui é um lugar alto, bem fresco, mas o que falta é sombra. A longo prazo, isso vai fazer falta.”

Com área verde em queda, Campo Grande corre contra o calor e os alagamentos
Àrvores que ocupavam estacionamento na Central do Cidadão foram cortadas nesta semana (Foto: Osmar Veiga)

Política nacional deve entrar em vigor

O Congresso analisa dois projetos para criar a Política Nacional de Arborização Urbana, que obrigará prefeituras a planejar e investir em cobertura vegetal:

  • Planos municipais com atualização a cada cinco anos
  • Verbas federais para execução das ações
  • Regra para reposição de árvores removidas
  • Plantio obrigatório também em favelas e bairros pobres
  • Prioridade para espécies nativas
  • Sistema nacional com diagnóstico e monitoramento

A proposta inclui a regra 3-30-300, considerada o “padrão ideal” da ONU:

  • cada pessoa precisa ver ao menos 3 árvores da janela de casa, escola ou trabalho
  • 30% de copa nas áreas de cada bairro
  • um parque ou praça a até 300 metros de distância de onde mora

O Ministério do Meio Ambiente afirma que já haverá dinheiro para aplicar a política — parte do Fundo Clima, de emendas parlamentares e de multas ambientais.

Falta técnica e sobra improviso

Especialistas alertam para erros no planejamento urbano: árvores altas sob rede elétrica, espécies com raízes que estouram calçadas ou que entopem bueiros. As palmeiras gigantes, que viraram moda em várias capitais, também são criticadas:

“Apesar da imponência, as palmeiras não são árvores de verdade e quase não capturam carbono”, lembra a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.

Sem manejo adequado, aumentam-se as quedas de árvores e o medo da população — que por sua vez rejeita o plantio em frente de casa ou comércio.

Clima extremo acelera a mudança de visão

O tema ganhou força após eventos extremos aumentarem no país, como tempestades e vendavais que deixam ruas destruídas. O plano nacional será lançado oficialmente na COP30, em Belém — cidade que virou polêmica ao instalar árvores artificiais na preparação para o evento.

Situação em MS

Embora Campo Grande figure há anos como cidade com grande número de árvores por habitante, os novos loteamentos e bairros sem infraestrutura jogam contra esse título. Em municípios do interior, a ausência é ainda maior.

Cidades reconhecidas pela ONU como “Cidade Árvore do Mundo” ainda são exceção no país, nenhuma sul-mato-grossense está na lista até agora.

Próximos passos

Se aprovada, a lei deve acelerar ações já em andamento nas prefeituras, com foco no plantio inteligente e na manutenção profissional. A ideia é que a árvore deixe de ser vista como enfeite e passe a ser tratada como infraestrutura urbana essencial, tão importante quanto rede elétrica ou drenagem.