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Meio Ambiente

MS quase triplica área de soja em meio à crise hídrica

Avanço pressiona bacias do Paraná e do Taquari, que abastecem o Pantanal e outros rios sul-mato-grossenses

Por Guilherme Correia, Geniffer Valeriano e Gabriela Couto | 28/06/2025 10:18
MS quase triplica área de soja em meio à crise hídrica
População ribeirinha às margens de trecho do Rio Taquari, que vive processo de assoreamento. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

Mato Grosso do Sul, um dos estados com maior cobertura de Cerrado do País,  61% do território, viu sua área plantada de soja quase triplicar nas últimas três décadas, passando de 1,28 milhão de hectares em 1990 para 3,69 milhões em 2022, de acordo com dados da Ambiental Mídia , analisados pelo Campo Grande News.

RESUMO

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Mato Grosso do Sul viu sua área de soja quase triplicar em 32 anos, passando de 1,28 milhão para 3,69 milhões de hectares entre 1990 e 2022. Este crescimento acompanha a tendência nacional e coincide com o agravamento da crise hídrica no Cerrado, bioma que abastece importantes bacias hidrográficas do país e é vital para a saúde do Pantanal. O estudo da Ambiental Mídia revela que as bacias do Cerrado perderam 27% de sua vazão de segurança desde os anos 1970. Especialistas alertam para as consequências do avanço da soja, como a perda de biodiversidade e a transformação do Cerrado em "desertos verdes". A degradação do bioma afeta o ciclo das águas, tornando as cheias do Pantanal mais imprevisíveis e aumentando o risco de incêndios. A necessidade de equilíbrio entre agricultura e preservação é defendida por pesquisadores, que apontam para a importância das áreas de reserva legal na proteção da fauna e flora. A reportagem não obteve retorno da Famasul e Aprosoja até o fechamento.

Esse crescimento acelerado da fronteira agrícola coincide com o agravamento da crise hídrica no bioma, considerada uma das mais graves do Brasil.

O Cerrado é conhecido como o “berço das águas” porque abastece oito das doze regiões hidrográficas do País, incluindo as bacias dos rios Paraná e Taquari, que têm relação direta com os principais rios de Mato Grosso do Sul, como o Paraguai, Miranda, Aquidauana e o próprio Taquari.

A degradação do bioma afeta também o Pantanal, cuja recarga hídrica depende quase inteiramente do Cerrado.

Um levantamento recente da Ambiental Mídia mostra que essas grandes bacias perderam, desde os anos 1970, 27% da vazão de segurança, o que significa um volume de água equivalente a 30 piscinas olímpicas por minuto. Em um único dia, o que se perde de água no Cerrado seria suficiente para abastecer o país inteiro por mais de três dias.

Pressão agrícola e redução das chuvas — Os dados mostram que a área de soja em Mato Grosso do Sul quase triplicou entre 1990 e 2022, saltando de 1,28 milhão de hectares para 3,69 milhões. O avanço acompanha um padrão nacional: no mesmo período, a área total de soja no País saltou de 11,5 milhões para mais de 41 milhões de hectares.

Esse avanço, no entanto, não veio sem consequências. Segundo o estudo da Ambiental Mídia, houve:

MS quase triplica área de soja em meio à crise hídrica

O biólogo Sérgio Barreto, do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), faz um alerta sobre os números. "O que mais preocupa é a questão da redução da cobertura vegetal no Cerrado. Essa queda de 22% nas chuvas e essa perda de vazão de 27%, reflete na nossa segurança hídrica. O Pantanal depende dessas águas para sua sobrevivência, para sua estabilidade. Isso envolve diversos fatores que realmente nos preocupam e acho que ações corretivas devem ser feitas emergenciais para que a gente mantenha o Pantanal preservado, porque é um importantíssimo patrimônio natural pertencente a todos".

Desertos verdes - De acordo com o fundador e presidente do ICAS (Instituto de Conservação de Animais Silvestres), Arnaud Desbiez, a transformação do bioma impacta em toda a biodiversidade. "A alteração do habitat para a soja transforma o cenário em um deserto verde. Os animais não conseguem viver na soja, ou se reproduzir em meio a uma plantação", justificou.

A esperança, para o pesquisador, são as áreas naturais, protegidas pelo Código Florestal. Pela legislação, os proprietários não podem desmatar 35% do Cerrado que estão registrados registrado em cada CAR (Cadastro Ambiental Rural). Esses pequenos fragmentos acabam virando a esperança de sobrevivência para as espécies.

"Essas áreas naturais são a salvação da biodiversidade.  É muito importante que os fazendeiros deixem esses trechos de áreas de preservação, áreas ao redor dos córregos, da água, etc. E muito importante as áreas de reserva. É o único lugar onde a vida silvestre pode sobreviver", acrescenta.

MS quase triplica área de soja em meio à crise hídrica
Tamanduá-bandeira monitorado pelo ICAS procura comida em área degrada após uso de monocultura (Foto: André Bittar)

Há dez anos, o ICAS realiza um programa de pesquisa sobre o tamanduá-bandeira. Em uma das áreas de pesquisa no distrito de Nova Casa Verde, localizado no município de Nova Andradina, foi possível constatar o impacto direto na população da espécie.

"Uma grande parte da nossa área de estuda foi transformada em soja e nós acompanhamos o impacto sobre os tamanduás. E o que a gente viu é que os animais acabaram indo embora, alguns morreram, mas outros tiveram que achar outros ambientes para sobreviver e para viver. Eles não conseguem viver na soja. Esse proprietário deixou uma área de preservação onde tem mata nativa e água, e ali alguns indivíduos se  mantiveram", exemplificou Arnaud.

Ele ressalta que não é contra a produção da commoditie, mas que é preciso um equilíbrio. "Tem que sempre buscar o equilíbrio, entre a agricultura e manter algumas áreas verdes de preservação para que toda nossa biodiversidade não desapareça. Eu defendo uma paisagem com mosaico, de áreas preservadas e áreas cultivadas. Não só uma paisagem enorme, só dominada pela soja, porque aí acaba se transformando em um deserto verde".

Para o professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Geraldo Alves Damasceno Junior, doutor em Ecologia Vegetal, os números são alarmantes.  "Estamos jogando fora nossa maior riqueza por ignorância e falta de planejamento a longo prazo", disparou.

Ele ressalta que o avanço do uso da terra não justifica o impacto ambiental. "Estamos jogando fora um patrimônio genético de riqueza incalculável para aproveitar um lucro momentâneo em termos históricos. No Cerrado temos plantas alimentícias com potencial maior que a soja, temos plantas medicinais com potencial para cura de várias doenças. Basta investirmos na tecnologia de como usarmos isso e depois ao invés de soja deveríamos exportar produtos da nossa biodiversidade", acrescentou.

MS quase triplica área de soja em meio à crise hídrica
Colheitadeira avança em lavoura para retirar os grãos após mais uma safra concluída em MS (Foto: Aprosoja)

Impactos para o Pantanal e rios sul-mato-grossenses — A expansão da soja em Mato Grosso do Sul pressiona diretamente as bacias do Paraná e do Taquari, que têm papel essencial na manutenção dos cursos d'água do Estado e na preservação do Pantanal.

Sem a recarga adequada nos aquíferos e com o aumento da temperatura, o ciclo das águas se rompe, e as cheias sazonais que garantem a vida no bioma pantaneiro tornam-se mais imprevisíveis e escassas.

Além dos impactos ambientais, a situação também representa um risco econômico, já que a agricultura de MS depende justamente da estabilidade climática e da disponibilidade de água para sustentar sua produção.

“Tudo que acontece no planalto reflete na planície em forma de falta d’água”, explica o biólogo e diretor do Instituto SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa.

“Quando você substitui vegetação por monoculturas em áreas sensíveis, como nascentes e zonas de recarga hídrica, o solo perde a capacidade de infiltração. A água escorre, não abastece os aquíferos e deixa o Pantanal mais seco, um ambiente que, sem umidade, vira combustível para incêndios”, completa.

Para o especialista, o modelo atual de expansão agrícola, com desmatamento e uso intensivo de agrotóxicos, é insustentável em várias regiões. Ele defende a restauração urgente de nascentes e áreas degradadas, e reforça que práticas sustentáveis devem ser vistas como aliadas dos próprios produtores, pois “ter uma área protegida é de interesse do produtor rural, que precisa da água e do solo para continuar produzindo no longo prazo”.

A reportagem procurou a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) e a Aprosoja (Associação dos Produtores de  Soja de Mato Grosso do Sul), para falar sobre os números, mas até o fechamento desta matéria não houve retorno .

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